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quinta-feira, 10 de junho de 2010

Globo 10/06 - - Merval Pereira

Merval Pereira

Causa perdida

A decisão do Brasil de votar contra as sanções ao Irã no Conselho de Segurança da ONU nos isola politicamente não apenas naquele órgão colegiado, mas no mundo ocidental do qual fazemos parte

A Turquia tem até suas razões geopolíticas para atuar como vem atuando, é vizinho do Irã, um de seus maiores parceiros econômicos, tem interesse em entrar para a Comunidade Europeia e joga com sua relação com os países muçulmanos para ganhar peso político.

O Líbano, com toda a força do Hezbollah, foi mais sensato e se absteve.

Claro que, ao intermediar o acordo nuclear com o Irã, o Brasil se colocou na arena internacional, houve uma mudança de patamar, porque o mundo mudou.

Já não existem mais potências hegemônicas, as lideranças das negociações têm que ser divididas entre os países, e a política externa brasileira arrojada tenta tirar proveito dessa mudança.

Arrojada até demais, a ideia de negociar a paz do Oriente Médio é despropositada e tratada com escárnio pelos envolvidos.

Invadiu a internet nos últimos dias um filmete com um programa humorístico identificado como sendo da televisão israelense onde uma turma do Casseta e Planeta de lá goza nosso presidente de maneira cruel.

O que não é possível é aceitar uma política externa irresponsável apenas por “patriotismo”, sem nenhuma razão realista que a justifique.

Não é possível aceitar que o presidente, qualquer que seja ele, possa usar o país para aventuras personalistas.

Apoiar o Irã, uma ditadura teocrática completamente fora das leis internacionais e do respeito aos direitos humanos, é um absurdo, ainda mais quando todo o Ocidente está trabalhando em conjunto para tentar controlar esses aiatolás atômicos, e conseguindo até apoio de China e Rússia.

Nem mesmo um pragmatismo comercial justificaria tamanho comprometimento, pois nossas exportações para o Irã representam menos de 1% de nosso comércio internacional, ao contrário da Rússia e da China, que mesmo tendo grandes interesses econômicos e políticos na relação com o Irã, aderiram às sanções como prova de que a situação é considerada realmente grave.

Os interesses de empreiteiras brasileiras, que estiveram recentemente no Irã em uma missão exploratória chefiada pelo ministro do Desenvolvimento Miguel Jorge, devem ser contrariados com as novas sanções, pois a maior parte das obras de infraestrutura do país está sob suspeita de acobertar o programa nuclear paralelo.

Diversas empreiteiras iranianas entraram na relação de empresas suspeitas que terão seus bens congelados e seus negócios monitorados.

Só mesmo um desejo incontrolável de surgir no cenário internacional como uma potência de peso, apressando um processo que vem se desenrolando naturalmente ao longo do tempo, justifica tal situação.

Mas nem tudo se deve à ânsia de ser reconhecido como uma peça importante no tabuleiro internacional.

Há ainda, entre os estrategistas da política externa brasileira, um grupo que tem a convicção de que o Brasil usou o pretexto de uma aliança estratégica com a Argentina para aderir às iniciativas americanas na área militar na região, o que teria levado desnecessariamente à assinatura do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP).

O resultado é que, dos Brics (Brasil, Rússia, Índia e China), o único que não tem a bomba atômica é o Brasil, e para compensar essa falta nossa política externa procura aumentar o peso político do controle do ciclo completo do enriquecimento do urânio, ou destacar a possibilidade de fazer a bomba como prerrogativa dos que não a têm.

Essa maneira de pensar a nova geopolítica mundial, e mais o convencimento de que está havendo uma mudança de paradigmas, e que os países emergentes assumirão o comando político do novo mundo multipolar — assim como está acontecendo com suas economias, que estão se destacando em relação às da Europa, Estados Unidos e Japão (o G3) —, está levando o governo brasileiro a dar um passo maior que as pernas.

Os efeitos internos da postura externa também são fundamentais para Lula.

Não apenas aqui, mas em vários países do mundo, inclusive a China, há essa novidade, que é a política externa trazer dividendos políticos internos aos governos.

Não é por outra razão que a candidata oficial Dilma Rousseff irá à Europa para ser recebida por chefes de Estados, num factoide que será apresentado em sua propaganda política. Como se ela fosse uma grande líder internacional.

Aliás, é mais uma ação indevida do governo em favor de sua candidata, pois quem está fazendo o roteiro da viagem é o assessor especial de política externa Marco Aurélio Garcia, que acumula as funções com a de coordenador da campanha de Dilma.

Atrás de um Prêmio Nobel da Paz, que até pode vir, porque o mundo está culpado pela crise econômica — e nada melhor do que homenagear um operário do terceiro mundo, líder de um grande país emergente, para aplacar esse sentimento —, Lula joga o Brasil num confronto desnecessário com os Estados Unidos de Barack Obama, não de George W. Bush, para ficar ao lado dos piores ditadores existentes.

O Brasil não tem nenhuma razão para sair do bloco ocidental, especialmente por uma causa tão ruim para a Humanidade.

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