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quinta-feira, 28 de abril de 2011

A arenização do PSDB

D. SILVANO, G. NATALINI, J. POLICE NETO, J. GADELHA, R. TEIXEIRA e S. SANTOS


O PSDB mudou: mais do que destruir a sua concepção original, o partido adota caminhos que abominava e considerava nocivos ao país


Uma das primeiras frases do programa de fundação do PSDB assinala: "Se muitos de nós decidimos deixar as agremiações a que pertencíamos, e com as quais nos identificamos ao longo de toda uma trajetória de lutas, é porque fatos graves nos convenceram da impossibilidade de continuar defendendo de maneira consequente aquilo em que acreditamos, dentro do atual quadro partidário".
A frase é a definição básica de um partido que não pretendia -ou não deveria- ser um simplório agrupamento voltado à conquista e à manutenção do poder, mas uma forja de ideias preocupada em melhorar efetivamente a vida dos cidadãos do país.
Assim como os fundadores do PSDB perceberam, há 23 anos, a arenização da grande frente democrática que foi o MDB/PMDB, o cenário atual nos remete à síntese do compromisso firmado na fundação do partido, em 1988, um tempo em que se acreditava que "as palavras de um programa nada valem se não forem acompanhadas de ação".
A arenização do PSDB paulista tem grande similaridade com a arenização do PMDB. Diagnosticavam à época os tucanos fundadores: "Receoso de enfrentar suas divergências internas, (o PMDB) deixou de tomar posição ou mesmo de debater as políticas de governo a que deveria dar sustentação". Tudo muito parecido com o que ocorre hoje com o PSDB paulistano.
A crise que culminou com o afastamento de metade da bancada de vereadores de São Paulo começa em uma mistificação formulada em 2008 por uma facção do PSDB.
À época, a maioria dos vereadores defendeu um programa construído e executado majoritariamente pelo PSDB. Mas aquela facção acreditava que o mais importante era uma candidatura própria, (mal) sustentada por um programa elaborado pelo marqueteiro de plantão. O eleitorado rechaçou essa visão pobre da política.
De lá para cá, se o PSDB tivesse sido capaz de aprofundar o debate interno, a unidade partidária fundada em princípios teria sido restaurada. Mas aquela mesma facção preferiu invocar agora, sem disfarces, uma postura de vingança, que, em recente reunião do diretório municipal, chegou a pregar ameaças de violência física contra seus oponentes, cuja tese fora vitoriosa no ano de 2008.
O PSDB mudou. Mais do que destruir sua concepção original, o partido agora adota caminhos que antes abominava e considerava nocivos ao país. Perde a credibilidade como defensor da democracia -já que nem sequer consegue praticá-la dentro de casa- e do debate político, visto que sugere resolver divergências de seus parlamentares "a peixeiradas".
Essa realidade distorcida queima as caravelas, derruba todas as pontes que poderiam levar a uma elevada discussão política e de ideais. Para os que ainda acreditam no ideário expresso no programa de 1988, tornou-se impossível conviver com a arenização tucana.
A substituição do debate político pelo facciosismo pessoal leva à pura intransigência, como diz o ex-presidente do diretório municipal e condutor do processo sucessório municipal, José Reis Lobo: "O que houve foi mesmo intolerância e incompreensão de um pessoal que sempre faz política com raiva, movido por espírito belicoso, de revanche, de vingança, e que nunca cede aos apelos da razão".
Este é um caminho inexorável de perdas. Que efeito esse conjunto de coisas terá sobre o cidadão-eleitor, a quem cabe legitimar os princípios que regem nossas ações?
Engana-se quem acredita que a frágil cantilena de belas palavras será capaz de seduzir a todos e impor uma embriaguez coletiva. O cidadão que cala é o mesmo que se afasta em busca de um novo ideal político, mais coerente e menos recheado de vaidades.
DALTON SILVANO, GILBERTO NATALINI, JUSCELINO GADELHA, RICARDO TEIXEIRA, SOUZA SANTO e JOSÉ POLICE NETO são vereadores da cidade de São Paulo que acabam de deixar o PSDB. Police Neto é também o atual presidente da Câmara Municipal de São Paulo.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

FOLHA E GLOBO: ELIO GASPARI - Alckmin "matou" as aulas de inglês

Nem a turma do Taliban conseguiu fazer no Afeganistão o estrago que o tucano fez em São Paulo

O REPÓRTER FÁBIO Takahashi revelou que os estudantes da rede pública de São Paulo estão sem acesso às bolsas que lhes permitiam cursar na rede privada aulas extras de idiomas estrangeiros, sobretudo de inglês. No ano passado, esse programa beneficiou 80,8 mil estudantes.
Com isso, o governador Geraldo Alckmin conquistou um título. Foi o único governante que suspendeu um programa de estímulo ao aprendizado de idiomas estrangeiros.
É provável que coisa parecida ocorra nas áreas do Afeganistão dominadas pelo Taliban, mas nem o mulá Omar conseguiu prejudicar tanta gente.
Os educatecas de Alckmin justificam a iniciativa informando que o programa será substituído em pouco tempo por outro, maior e melhor. Tudo bem, mas não dizem quanto tempo (e lá se foram quase dois meses do ano letivo), muito menos como será o programa.
Uma coisa é certa, os educatecas recebem seus salários em dia, mas desde março a garotada paulista está sem acesso ao programa extracurricular que lhes reforça o aprendizado de idiomas.
A revelação adquire uma dimensão especial quando se sabe que há pouco o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso divulgou uma encíclica intitulada "O papel da oposição", pedindo que seu partido (e de Alckmin) se volte para as demandas de milhões de brasileiros que melhoraram de vida.
Aprender inglês, ou outro idioma, é uma das prioridades de milhões de jovens nascidos num país diferente daquele em que o governador paulista se formou como médico e chegou a candidato a presidente da República em 2006.
Derrotado, foi para um curso em Harvard e contou: "Eu e a Lu estamos aprendendo computador, internet, falar inglês".
Na China, há 100 milhões de pessoas aprendendo inglês. Não é preciso ir tão longe: a Prefeitura do Rio de Janeiro ampliou o ensino do idioma na rede municipal e no ano passado beneficiou 180 mil crianças. Neste ano serão 240 mil.
A ideia de que se pode simplesmente suspender um programa que atendera 80,8 mil jovens da rede pública é produto da demofobia. Coisa de quem não se preocupa com as consequências de seus atos quando eles atingem o andar de baixo.
Nem todo tucano é demófobo (até porque o programa paulista nasceu no tucanato), nem todo demófobo é tucano, mas se o PSDB não se livrar do véu que lhe embaça a visão do andar de baixo, caminhará na estrada que levou o DEM-PFL-PDS-Arena à inanição.
Às vezes a demofobia se manifesta agressivamente, como ocorreu em junho de 2006, na administração Claudio Lembo, do PFL, quando o governo paulista suspendeu o desconto decimal para os passageiros do metrô.
Em outros casos, ela deixa de fazer o que pode ser feito e as consequências só são percebidas quando os outros tomam a iniciativa. Dois êxitos de políticas petistas de alcance social, a criação do ProUni e do crédito consignado, poderiam ter acontecido durante o tucanato.
O que fazer com os educatecas paulistas? Em novembro passado, o prefeito de Nova York, Michael Bloomberg, entregou a rede escolar da cidade a Cathie Black, presidente da empresa de comunicações Hearst. Ela fez poucas e boas, chegando a dizer que a superlotação das escolas poderia ser resolvida por meio do controle da natalidade. Há duas semanas, Bloomberg mandou-a embora.

terça-feira, 12 de abril de 2011

Artigo de FHC: O Papel da Oposição

Por Fernando Henrique Cardoso (via Noblat)

Há muitos anos, na década de 1970, escrevi um artigo com o título acima no jornal Opinião, que pertencia à chamada imprensa “nanica”, mas era influente. Referia-me ao papel do MDB e das oposições não institucionais. Na época, me parecia ser necessário reforçar a frente única antiautoritária e eu conclamava as esquerdas não armadas, sobretudo as universitárias, a se unirem com um objetivo claro: apoiar a luta do MDB no Congresso e mobilizar a sociedade pela democracia.

Só dez anos depois a sociedade passou a atuar mais diretamente em favor dos objetivos pregados pela oposição, aos quais se somaram também palavras de ordem econômicas, como o fim do “arrocho” salarial.

No entretempo, vivia-se no embalo do crescimento econômico e da aceitação popular dos generais presidentes, sendo que o mais criticado pelas oposições, em função do aumento de práticas repressivas, o general Médici, foi o mais popular: 75% de aprovação.

Não obstante, não desanimávamos. Graças à persistência de algumas vozes, como a de Ulisses Guimarães, às inquietações sociais manifestadas pelas greves do final da década e ao aproveitamento pelos opositores de toda brecha que os atropelos do exercício do governo, ou as dificuldades da economia proporcionaram (como as crises do petróleo, o aumento da dívida externa e a inflação), as oposições não calavam. Em 1974, o MDB até alcançou expressiva vitória eleitoral em pleno regime autoritário.

Por que escrevo isso novamente, 35 anos depois?

Para recordar que cabe às oposições, como é óbvio e quase ridículo de escrever, se oporem ao governo. Mas para tal precisam afirmar posições, pois, se não falam em nome de alguma causa, alguma política e alguns valores, as vozes se perdem no burburinho das maledicências diárias sem chegar aos ouvidos do povo. Todas as vozes se confundem e não faltará quem diga – pois dizem mesmo sem ser certo – que todos, governo e oposição, são farinhas do mesmo saco, no fundo “políticos”. E o que se pode esperar dos políticos, pensa o povo, senão a busca de vantagens pessoais, quando não clientelismo e corrupção?

Diante do autoritarismo era mais fácil fincar estacas em um terreno político e alvejar o outro lado. Na situação presente, as dificuldades são maiores. Isso graças à convergência entre dois processos não totalmente independentes: o “triunfo do capitalismo” entre nós (sob sua forma global, diga-se) e a adesão progressiva – no começo envergonhada e por fim mais deslavada – do petismo lulista à nova ordem e a suas ideologias.

Se a estes processos somarmos o efeito dissolvente que o carisma de Lula produziu nas instituições, as oposições têm de se situar politicamente em um quadro complexo.

Complexidade crescente a partir dos primeiros passos do governo Dilma que, com estilo até agora contrastante com o do antecessor, pode envolver parte das classes médias. Estas, a despeito dos êxitos econômicos e da publicidade desbragada do governo anterior, mantiveram certa reserva diante de Lula. Esta reserva pode diminuir com relação ao governo atual se ele, seja por que razão for, comportar-se de maneira distinta do governo anterior.

É cedo para avaliar a consistência de mudanças no estilo de governar da presidente Dilma. Estamos no início do mandato e os sinais de novos rumos dados até agora são insuficientes para avaliar o percurso futuro.

É preciso refazer caminhos

Antes de especificar estes argumentos, esclareço que a maior complexidade para as oposições se firmarem no quadro atual – comparando com o que ocorreu no regime autoritário, e mesmo com o petismo durante meu governo, pois o PT mantinha uma retórica semianticapitalista – não diminui a importância de fincar a oposição no terreno político e dos valores, para que não se perca no oportunismo nem perca eficácia e sentido, aumentando o desânimo que leva à inação.

É preciso, portanto, refazer caminhos, a começar pelo reconhecimento da derrota: uma oposição que perde três disputas presidenciais não pode se acomodar com a falta de autocrítica e insistir em escusas que jogam a responsabilidade pelos fracassos no terreno “do outro”. Não estou, portanto, utilizando o que disse acima para justificar certa perplexidade das oposições, mas para situar melhor o campo no qual se devem mover.

Se as forças governistas foram capazes de mudar camaleonicamente a ponto de reivindicarem o terem construído a estabilidade financeira e a abertura da economia, formando os “campeões nacionais” – as empresas que se globalizam – isso se deu porque as oposições minimizaram a capacidade de contorcionismo do PT, que começou com a Carta aos Brasileiros de junho de 1994 e se desnudou quando Lula foi simultaneamente ao Fórum Social de Porto Alegre e a Davos.

Era o sinal de “adeus às armas”: socialismo só para enganar trouxas, nacional--desenvolvimentismo só como “etapa”. Uma tendência, contudo, não mudou, a do hegemonismo, ainda assim, aceitando aliados de cabresto.

Segmentos numerosos das oposições de hoje, mesmo no PSDB, aceitaram a modernização representada pelo governo FHC com dor de consciência, pois sentiam bater no coração as mensagens atrasadas do esquerdismo petista ou de sua leniência com o empreguismo estatal.

Não reivindicaram com força, por isso mesmo, os feitos da modernização econômica e do fortalecimento das instituições, fato muito bem exemplificado pela displicência em defender os êxitos da privatização ou as políticas saneadoras, ou de recusar com vigor a mentira repetida de que houve compra de votos pelo governo para a aprovação da emenda da reeleição, ou de denunciar atrasos institucionais, como a perda de autonomia e importância das agências reguladoras.

Da mesma maneira, só para dar mais alguns exemplos, o Proer e o Proes, graças aos quais o sistema financeiro se tornou mais sólido, foram solenemente ignorados, quando não estigmatizados. Os efeitos positivos da quebra dos monopólios, o do petróleo mais que qualquer outro, levando a Petrobras a competir e a atuar como empresa global e não como repartição pública, não foram reivindicados como êxitos do PSDB.

O estupendo sucesso da Vale, da Embraer ou das teles e da Rede Ferroviária sucumbiu no murmúrio maledicente de “privatarias” que não existiram. A política de valorização do salário mínimo, que se iniciou no governo Itamar Franco e se firmou no do PSDB, virou glória do petismo.

As políticas compensatórias iniciadas no governo do PSDB – as bolsas – que o próprio Lula acusava de serem esmolas e quase naufragaram no natimorto Fome Zero – voltaram a brilhar na boca de Lula, pai dos pobres, diante do silêncio da oposição e deslumbramento do país e… do mundo!

Não escrevo isso como lamúria, nem com a vã pretensão de imaginar que é hora de reivindicar feitos do governo peessedebista. Inês é morta, o passado… passou. Nem seria justo dizer que não houve nas oposições quem mencionasse com coragem muito do que fizemos e criticasse o lulismo.

As vozes dos setores mais vigorosos da oposição se estiolaram, entretanto, nos muros do Congresso e este perdeu força política e capacidade de ressonância. Os partidos se transformaram em clubes congressuais, abandonando as ruas; muitos parlamentares trocaram o exercício do poder no Congresso por um prato de lentilhas: a cada nova negociação para assegurar a “governabilidade”, mais vantagens recebem os congressistas e menos força político-transformadora tem o Congresso.

Na medida em que a maioria dos partidos e dos parlamentares foi entrando no jogo de fazer emendas ao orçamento (para beneficiar suas regiões, interesses – legítimos ou não – de entidades e, por fim, sua reeleição), o Congresso foi perdendo relevância e poder.

Consequentemente, as vozes parlamentares, em especial as de oposição, que são as que mais precisam da instituição parlamentar para que seu brado seja escutado, perderam ressonância na sociedade.

Com a aceitação sem protesto do “modo lulista de governar” por meio de medidas provisórias, para que serve o Congresso senão para chancelar decisões do Executivo e receber benesses? Principalmente, quando muitos congressistas estão dispostos a fazer o papel de maioria obediente a troco da liberação pelo Executivo das verbas de suas emendas, sem esquecer que alguns oposicionistas embarcam na mesma canoa.

Ironicamente, uma importante modificação institucional, a descentralização da ação executiva federal, estabelecida na Constituição de 1988 e consubstanciada desde os governos Itamar Franco e FHC, diluiu sua efetividade técnico--administrativa em uma pletora de recursos orçamentários “carimbados”, isto é, de orientação político-clientelista definida, acarretando sujeição ao Poder Central, ou, melhor, a quem o simboliza pessoalmente e ao partido hegemônico.

Neste sentido, diminuiu o papel político dos governadores, bastião do oposicionismo em estados importantes, pois a relação entre prefeituras e governo federal saltou os governos estaduais e passou a se dar mais diretamente com a presidência da República, por meio de uma secretaria especial colada ao gabinete presidencial.

Como, por outra parte, existe – ou existiu até a pouco – certa folga fiscal e a sociedade passa por período de intensa mobilidade social movida pelo dinamismo da economia internacional e pelas políticas de expansão do mercado interno que geram emprego, o desfazimento institucional produzido pelo lulismo e a difusão de práticas clientelísticas e corruptoras foram sendo absorvidos, diante da indiferença da sociedade.

Na época do mensalão, houve um início de desvendamento do novo Sistema (com S maiúsculo, como se escrevia para descrever o modelo político criado pelos governos militares).

Então, ainda havia indignação diante das denúncias que a mídia fazia e os partidos ecoavam no Parlamento. Pouco a pouco, embora a mídia continue a fazer denúncias, a própria opinião pública, isto é, os setores da opinião nacional que recebem informações, como que se anestesiou. Os cidadãos cansaram de ouvir tanto horror perante os céus sem que nada mude. Diante deste quadro, o que podem fazer as oposições?

Definir o público a ser alcançado

Em primeiro lugar, não manter ilusões: é pouco o que os partidos podem fazer para que a voz de seus parlamentares alcance a sociedade.

É preciso que as oposições se deem conta de que existe um público distinto do que se prende ao jogo político tradicional e ao que é mais atingido pelos mecanismos governamentais de difusão televisiva e midiática em geral.

As oposições se baseiam em partidos não propriamente mobilizadores de massas. A definição de qual é o outro público a ser alcançado pelas oposições e como fazer para chegar até ele e ampliar a audiência crítica é fundamental.

Enquanto o PSDB e seus aliados persistirem em disputar com o PT influência sobre os “movimentos sociais” ou o “povão”, isto é, sobre as massas carentes e pouco informadas, falarão sozinhos. Isto porque o governo “aparelhou”, cooptou com benesses e recursos as principais centrais sindicais e os movimentos organizados da sociedade civil e dispõe de mecanismos de concessão de benesses às massas carentes mais eficazes do que a palavra dos oposicionistas, além da influência que exerce na mídia com as verbas publicitárias.

Sendo assim, dirão os céticos, as oposições estão perdidas, pois não atingem a maioria. Só que a realidade não é bem essa. Existe toda uma gama de classes médias, de novas classes possuidoras (empresários de novo tipo e mais jovens), de profissionais das atividades contemporâneas ligadas à ti (tecnologia da informação) e ao entretenimento, aos novos serviços espalhados pelo Brasil afora, às quais se soma o que vem sendo chamado sem muita precisão de “classe c” ou de nova classe média.

Digo imprecisamente porque a definição de classe social não se limita às categorias de renda (a elas se somam educação, redes sociais de conexão, prestígio social, etc.), mas não para negar a extensão e a importância do fenômeno. Pois bem, a imensa maioria destes grupos – sem excluir as camadas de trabalhadores urbanos já integrados ao mercado capitalista – está ausente do jogo político-partidário, mas não desconectada das redes de internet, Facebook, YouTube, Twitter, etc.

É a estes que as oposições devem dirigir suas mensagens prioritariamente, sobretudo no período entre as eleições, quando os partidos falam para si mesmo, no Congresso e nos governos. Se houver ousadia, os partidos de oposição podem organizar-se pelos meios eletrônicos, dando vida não a diretórios burocráticos, mas a debates verdadeiros sobre os temas de interesse dessas camadas.

Mas não é só isso: as oposições precisam voltar às salas universitárias, às inúmeras redes de palestras e que se propagam pelo país afora e não devem, obviamente, desacreditar do papel da mídia tradicional: com toda a modernização tecnológica, sem a sanção derivada da confiabilidade, que só a tradição da grande mídia assegura, tampouco as mensagens, mesmo que difundidas, se transformam em marcas reconhecidas.

Além da persistência e ampliação destas práticas, é preciso buscar novas formas de atuação para que a oposição esteja presente, ou pelo menos para que entenda e repercuta o que ocorre na sociedade. Há inúmeras organizações de bairro, um sem-número de grupos musicais e culturais nas periferias das grandes cidades, etc., organizações voluntárias de solidariedade e de protesto, redes de consumidores, ativistas do meio ambiente, e por aí vai, que atuam por conta própria.

Dado o anacronismo das instituições político-partidárias, seria talvez pedir muito aos partidos que mergulhem na vida cotidiana e tenham ligações orgânicas com grupos que expressam as dificuldades e anseios do homem comum. Mas que pelo menos ouçam suas vozes e atuem em consonância com elas.

Não deve existir uma separação radical entre o mundo da política e a vida cotidiana, nem muito menos entre valores e interesses práticos.

No mundo interconectado de hoje, vê-se, por exemplo, o que ocorre com as revoluções no meio islâmico, movimentos protestatórios irrompem sem uma ligação formal com a política tradicional. Talvez as discussões sobre os meandros do poder não interessem ao povo no dia-a-dia tanto quanto os efeitos devastadores das enchentes ou o sufoco de um trânsito que não anda nas grandes cidades. Mas, de repente, se dá um “curto-circuito” e o que parecia não ser “política” se politiza. Não foi o que ocorreu nas eleições de 1974 ou na campanha das “diretas já”?

Nestes momentos, o pragmatismo de quem luta para sobreviver no dia-a-dia lidando com questões “concretas” se empolga com crenças e valores. O discurso, noutros termos, não pode ser apenas o institucional, tem de ser o do cotidiano, mas não desligado de valores. Obviamente em nosso caso, o de uma democracia, não estou pensando em movimentos contra a ordem política global, mas em aspirações que a própria sociedade gera e que os partidos precisam estar preparados para que, se não os tiverem suscitado por sua desconexão, possam senti-los e encaminhá-los na direção política desejada.

Seria erro fatal imaginar, por exemplo, que o discurso “moralista” é coisa de elite à moda da antiga UDN. A corrupção continua a ter o repúdio não só das classes médias como de boa parte da população. Na última campanha eleitoral, o momento de maior crescimento da candidatura Serra e de aproximação aos resultados obtidos pela candidata governista foi quando veio à tona o “episódio Erenice”.

Mas é preciso ter coragem de dar o nome aos bois e vincular a “falha moral” a seus resultados práticos, negativos para a população. Mais ainda: é preciso persistir, repetir a crítica, ao estilo do “beba Coca Cola” dos publicitários. Não se trata de dar-nos por satisfeitos, à moda de demonstrar um teorema e escrever “cqd”, como queríamos demonstrar.

Seres humanos não atuam por motivos meramente racionais. Sem a teatralização que leve à emoção, a crítica – moralista ou outra qualquer– cai no vazio. Sem Roberto Jefferson não teria havido mensalão como fato político.

Qual é a mensagem?

Por certo, os oposicionistas para serem ouvidos precisam ter o que dizer. Não basta criar um público, uma audiência e um estilo, o conteúdo da mensagem é fundamental. Qual é a mensagem? O maior equívoco das oposições, especialmente do PSDB, foi o de haver posto à margem as mensagens de modernização, de aggiornamento do País, e de clara defesa de uma sociedade democrática comprometida com causas universais, como os direitos humanos e a luta contra a opressão, mesmo quando esta vem mascarada de progressismo, apoiada em políticas de distribuição de rendas e de identificação das massas com o Chefe.

Nas modernas sociedades democráticas, por outro lado, o Estado tanto mantém funções na regulação da economia como em sua indução, podendo chegar a exercer papel como investidor direto. Mas o que caracteriza o Estado em uma sociedade de massas madura é sua ação democratizadora.

Os governos devem tornar claros, transparentes, e o quanto possível imunes à corrupção, os mecanismos econômicos que cria para apoiar o desenvolvimento da economia. Um Estado moderno será julgado por sua eficiência para ampliar o acesso à educação, à saúde e à previdência social, bem como pela qualidade da segurança que oferece às pessoas.Cabe às oposições serem a vanguarda nas lutas por estes objetivos.

Defender o papel crescente do Estado nas sociedades democráticas, inclusive em áreas produtivas, não é contraditório com a defesa da economia de mercado. Pelo contrário, é preciso que a oposição diga alto e bom som que os mecanismos de mercado, a competição, as regras jurídicas e a transparência das decisões são fundamentais para o Brasil se modernizar, crescer economicamente e se desenvolver como sociedade democrática.

Uma sociedade democrática amadurecida estará sempre comprometida com a defesa dos direitos humanos, com a ecologia e com o combate à miséria e às doenças, no país e em toda a parte. E compreende que a ação isolada do Estado, sem a participação da sociedade, inclusive dos setores produtivos privados, é insuficiente para gerar o bem-estar da população e oferecer bases sólidas para um desenvolvimento econômico sustentado.

Ao invés de se aferrarem a esses valores e políticas que lhes eram próprios como ideologia e como prática, as oposições abriram espaço para que o lulopetismo ocupasse a cena da modernização econômica e social. Só que eles têm os pés de barro: a cada instante proclamam que as privatizações “do PSDB” foram contra a economia do País, embora comecem a fazer descaradamente concessões de serviços públicos nas estradas e nos aeroportos, como se não estivessem fazendo na prática o mea-culpa.

Cabe às oposições não apenas desmascarar o cinismo, mas, sobretudo, cobrar o atraso do País: onde está a infraestrutura que ficou bloqueada em seus avanços pelo temor de apelar à participação da iniciativa privada nos portos, nos aeroportos, na geração de energia e assim por diante?

Quão caro já estamos pagando pela ineficiência de agências reguladoras entregues a sindicalistas “antiprivatizantes” ou a partidos clientelistas, como se tornou o PC d B, que além de vender benesses no ministério dos Esportes, embota a capacidade controladora da ANP, que deveria evitar que o monopólio voltasse por vias transversas e prejudicasse o futuro do País.

Oposição precisa vender o peixe

Dirão novamente os céticos que nada disso interessa diretamente ao povo. Ora, depende de como a oposição venda o peixe. Se tomarmos como alvo, por exemplo, o atraso nas obras necessárias para a realização da Copa e especializarmos três ou quatro parlamentares ou técnicos para martelar no dia-a-dia, nos discursos e na internet, o quanto não se avança nestas áreas por causa do burocratismo, do clientelismo, da corrupção ou simplesmente da viseira ideológica que impede a competição construtiva entre os setores privados e destes com os monopólios, e se mostrarmos à população como ela está sendo diretamente prejudicada pelo estilo petista de política, criticamos este estilo de governar, suscitamos o interesse popular e ao mesmo tempo oferecemos alternativas.

Na vida política tudo depende da capacidade de politizar o apelo e de dirigi-lo a quem possa ouvi-lo. Se gritarmos por todos os meios disponíveis que a dívida interna de R$ 1,69 trilhão (mostrando com exemplos ao que isto corresponde) é assustadora, que estamos pagando R$ 50 bilhões por ano para manter reservas elevadas em dólares, que pagamos a dívida (pequena) ao FMI sobre a qual incidiam juros moderados, trocando-a por dívidas em reais com juros enormes, se mostrarmos o quanto custa a cada contribuinte cada vez que o Tesouro transfere ao BNDES dinheiro que o governo não tem e por isso toma emprestado ao mercado pagando juros de 12% ao ano, para serem emprestados pelo BNDES a juros de 6% aos grandes empresários nacionais e estrangeiros, temos discurso para certas camadas da população.

Este discurso deve desvendar, ao mesmo tempo, o porquê do governo assim proceder: está criando um bloco de poder capitalista-burocrático que sufoca as empresas médias e pequenas e concentra renda.

Este tipo de política mostra descaso pelos interesses dos assalariados, dos pequenos produtores e profissionais liberais de tipo antigo e novo, setores que, em conjunto, custeiam as benesses concedidas ao grande capital com impostos que lhe são extraídos pelo governo.

O lulopetismo não está fortalecendo o capitalismo em uma sociedade democrática, mas sim o capitalismo monopolista e burocrático que fortalece privilégios e corporativismos.

Com argumentos muito mais fracos o petismo acusou o governo do PSDB quando, em fase de indispensável ajuste econômico, aumentou a dívida interna (ou, melhor, reconheceu os “esqueletos” compostos por dívidas passadas) e usou recursos da privatização – todos contabilizados – para reduzir seu crescimento. A dívida pública consolidada do governo lulista foi muito maior do que a herdada por este do governo passado e, no entanto, a opinião pública não tomou conhecimento do fato.

As oposições não foram capazes de politizar a questão. E o que está acontecendo agora quando o governo discute substituir o fator previdenciário, recurso de que o governo do PSDB lançou mão para mitigar os efeitos da derrota sofrida para estabelecer uma idade mínima de aposentadoria? Propondo a troca do fator previdenciário pela definição de… uma idade mínima de aposentadoria.

Petistas camaleões

Se os governistas são camaleões (ou, melhor, os petistas, pois boa parte dos governistas nem isso são: votavam com o governo no passado e continuam a votar hoje, como votarão amanhã, em vez de saudá-los porque se aproximam da racionalidade ou de votarmos contra esta mesma racionalidade, negando nossas crenças de ontem, devemos manter a coerência e denunciar as falsidades ideológicas e o estilo de política de mistificação dos fatos, tantas vezes sustentado pelo petismo.

São inumeráveis os exemplos sobre como manter princípios e atuar como uma oposição coerente. Mesmo na questão dos impostos, quando o PSDB e o DEM junto com o PPS ajudaram a derrubar a CPMF, mostraram que, coerentes, dispensaram aquele imposto porque ele já não era mais necessário, como ficou demonstrado pelo contínuo aumento da receita depois de sua supressão.

É preciso continuar a fazer oposição à continuidade do aumento de impostos para custear a máquina público-partidária e o capitalismo burocrático dos novos dinossauros. É possível mostrar o quanto pesa no bolso do povo cada despesa feita para custear a máquina público-partidária e manter o capitalismo burocrático dos novos dinossauros. E para ser coerente, a oposição deve lutar desde já pela redução drástica do número de cargos em comissão, nomeados discricionariamente, bem como pelo estabelecimento de um número máximo de ministérios e secretarias especiais, para conter a fúria de apadrinhamento e de conchavos partidários à custa do povo.

Em suma: não há oposição sem “lado”. Mais do que ser de um partido, é preciso “tomar partido”.

É isso que a sociedade civil faz nas mais distintas matérias. O que o PSDB pensa sobre liberdade e pluralidade religiosa? Como manter a independência do Estado laico e, ao mesmo tempo, prestigiar e respeitar as religiões que formam redes de coesão social, essenciais para a vida em sociedade? O que pensa o partido sobre o combate às drogas? É preciso ser claro e sincero: todas as drogas causam danos, embora de alcance diferente. Adianta botar na cadeia os drogados?

Sinceridade comove a população

Há casos nos quais a regulação vale mais que a proibição: veja-se o tabaco e o álcool, ambos extremadamente daninhos. São não apenas regulados em sua venda e uso (por exemplo, é proibido fumar em locais fechados ou beber depois de uma festa e guiar automóveis) como estigmatizados por campanhas publicitárias, pela ação de governos e das famílias.

Não seria o caso de fazer a mesma coisa com a maconha, embora não com as demais drogas muito mais danosas, e concentrar o fogo policial no combate aos traficantes das drogas pesadas e de armas? Se disso ainda não estivermos convencidos, pelo menos não fujamos à discussão, que já corre solta na sociedade. Sejamos sinceros: é a sinceridade que comove a população e não a hipocrisia que pretende não ver o óbvio.

Se a regra é ser sincero, por que temer ir fundo e avaliar o que nós próprios fizemos no passado, acreditando estar certos, e que continua sendo feito, mas que requer uma revisão?

Tome-se o exemplo da reforma agrária e dos programas de incentivo à economia familiar.

Fomos nós do PSDB que recriamos o Ministério da Reforma Agrária e, pela primeira vez, criamos um mecanismo de financiamento da agricultura familiar, o Pronaf. Nenhum governo fez mais em matéria de acesso à terra do que o do PSDB quando a pasta da Reforma era dirigida por um membro do PPS.

Não terá chegado a hora de avaliar os resultados? O Pronaf não estará se transformando em mecanismo de perpétua renovação de dívidas, como os grandes agricultores faziam no passado com suas dívidas no Banco do Brasil? Qual é o balanço dos resultados da reforma agrária? E as acusações de “aparelhamento” da burocracia pelo PT e pelo MST são de fato verdadeiras?

Sem que a oposição afirme precipitadamente que tudo isso vai mal – o que pode não ser correto – não pode temer buscar a verdade dos fatos, avaliar, julgar e criticar para corrigir.

Existe matéria em abundância para manter os princípios e para ir fundo nas críticas sem temer a acusação injusta de que se está defendendo “a elite”. Mas política não é tese universitária. É preciso estabelecer uma agenda. Geralmente esta é dada pelo governo. Ainda assim, usemo-la para concentrar esforços e dar foco, repetição e persistência à ação oposicionista.

Tomemos um exemplo, o da reforma política, tema que o governo afirma estar disposto a discutir. Pois bem, o PSDB tem posição firmada na matéria: é favorável ao voto distrital (misto ou puro, ainda é questão indefinida). Se é assim, por que não recusar de plano a proposta da “lista fechada”, que reforça a burocracia partidária, não diminui o personalismo (ou alguém duvida que se pedirão votos para a lista “do Lula”?) e separa mais ainda o eleitor dos representantes?

Compromisso com o voto digital

Não é preciso afincar uma posição de intransigência: mantenhamos o compromisso com o voto distrital, façamos a pregação.

Se não dispusermos de forças para que nossa tese ganhe, aceitemos apenas os melhoramentos óbvios no sistema atual: cláusula de desempenho (ou de barreira), proibição de coligações nas eleições proporcionais e regras de fidelidade partidária, ainda que para algumas destas medidas seja necessário mudança constitucional.

Deixemos para outra oportunidade a discussão sobre financiamento público das campanhas, pois sem a distritalização o custo para o contribuinte será enorme e não se impedirá o financiamento em “caixa preta” nem o abuso do poder econômico. Mas denunciemos o quanto de antidemocrático existe no voto em listas fechadas.

Em suma: não será esta uma boa agenda para a oposição firmar identidade, contrapor-se à tendência petista de tudo burocratizar e, ao mesmo tempo, não se encerrar em um puro negativismo aceitando modificações sensatas?

Por fim, retomando o que disse acima sobre o “triunfo do capitalismo”. O governo do PT e o próprio partido embarcaram, sem dizer, na adoração do bezerro de ouro. Mas, marcados pelos cacoetes do passado, não perceberam que o novo na fase contemporânea do capitalismo não é apenas a acumulação e o crescimento da economia.

Os grandes temas que se estão desenhando são outros e têm a ver com o interesse coletivo: como expandir a economia sem destroçar o meio ambiente, como assegurar direitos aos destituídos deles, não só pela obreza, mas pelas injustiças (desigualdades de gênero, de raça, de acesso à cultura)? Persistem preocupações antigas: como preservar a Paz em um mundo no qual há quem disponha da bomba nuclear?

A luta pela desnuclearização tem a ver com o sentido de um capitalismo cuja forma “selvagem” a sociedade democrática não aceita mais.

Esta nova postura é óbvia no caso da ecologia, pois o natural egoísmo dos Estados, na formulação clássica, se choca com a tese primeira, a da perpetuação da vida humana. O terror atômico e o aquecimento global põem por terra visões fincadas no terreno do nacional-estatismo arcaico.

Há um nacionalismo de novo tipo, democrático, aberto aos desafios do mundo e integrado nele, mas alerta aos interesses nacionais e populares. Convém redefinir, portanto, a noção do interesse nacional, mantendo-o persistente e alerta no que é próprio aos interesses do País, mas compatibilizando-o com os interesses da humanidade.

Estas formulações podem parecer abstratas, embora se traduzam no dia-a-dia: no Brasil, ninguém discute sobre qual o melhor modo de nossa presença no mundo: será pelo velho caminho armamentista, nuclearizando-nos, ou nossas imensas vantagens comparativas em outras áreas, entre elas as do chamado soft power, podem primar?

Por exemplo, nossa “plasticidade cultural mestiça”, a aceitação das diferenças raciais – sem que se neguem e combatam as desigualdades e preconceitos ainda existentes – não são um ganho em um mundo multipolar e multicultural? E a disponibilidade de uma matriz energética limpa, sem exageros de muitas usinas atômicas (sempre perigosas), bem como os avanços na tecnologia do etanol, não nos dão vantagens?

Por que não discutir, a partir daí, o ritmo em que exploraremos o pré-sal e as obscuras razões para a “estatização do risco e divisão do lucro” entre a Petrobras e as multinacionais por meio do sistema de partilha? São questões que não exploramos devidamente, ou cujas decisões estão longe de ser claramente compatíveis com o interesse nacional de longo prazo.

Falta de estratégia

Na verdade, falta-nos estratégia. Estratégia não é plano de ação: é o peso relativo que se dá às questões desafiadoras do futuro somado à definição de como as abordaremos. Que faremos neste novo mundo para competir com a China, com os Estados Unidos ou com quem mais seja? Como jogar com nossos recursos naturais (petróleo à frente) como fator de sucesso e poder sem sermos amanhã surpreendidos pelo predomínio de outras fontes de energia? E, acima de tudo, como transformar em políticas o anseio por uma “revolução educacional” que dê lugar à criatividade, à invenção e aos avanços das tecnologias do futuro?

A China, ao que parece, aprendeu as lições da última crise e está apostando na inovação, preparando-se para substituir as fontes tradicionais de energia, sobretudo o petróleo, de que não dispõe em quantidade suficiente para seu consumo crescente. E os próprios Estados Unidos, embora atônitos com os erros acumulados desde a gestão Bush, parecem capazes de continuar inovando, se conseguirem sair depressa da crise financeira que os engolfou.

De tudo isso o PT e seus governos falam, mas em ziguezague. As amarras a uma visão oposta, vinda de seu passado recente, os inibem para avançar mais. Não é hora das oposições serem mais afirmativas? E se por acaso, como insinuei no início deste artigo, houver divisões no próprio campo do petismo por causa da visão canhestra de muitos setores que apoiam o governo e de suas necessidades práticas o levarem a direções menos dogmáticas?

Neste caso, embora seja cedo para especular, terá a oposição inteireza e capacidade política para aproveitar as circunstâncias e acelerar a desagregação do antigo e apostar no novo, no fortalecimento de uma sociedade mais madura e democrática?

Engana-se quem pensar que basta manter a economia crescendo e oferecer ao povo a imagem de uma sociedade com mobilidade social.

Esta, ao ocorrer, aumenta as demandas tanto em termos práticos, de salários e condições de vida, como culturais. Em um mundo interconectado pelos modernos meios de comunicação o cidadão comum deseja saber mais, participar mais e avaliar por si se de fato as diferenças econômicas e sociais estão diminuindo.

Sem, entretanto, uma oposição que se oponha ao triunfalismo lulista, que coroa a alienação capitalista, desmistificando tudo o que seja mera justificativa publicitária do poder e chamando a atenção para os valores fundamentais da vida em uma sociedade democrática, só ocorrerão mudanças nas piores condições: quando a fagulha de alguma insatisfação produzir um curto-circuito. Mesmo este adiantará pouco se não houver à disposição uma alternativa viável de poder, um caminho preparado por lideranças nas quais a população confie.

No mundo contemporâneo este caminho não se constrói apenas por partidos políticos, nem se limita ao jogo institucional. Ele brota também da sociedade, de seus blogs, twitters, redes sociais, da mídia, das organizações da sociedade civil, enfim, é um processo coletivo. Não existe apenas uma oposição, a da arena institucional; existem vários focos de oposição, nas várias dimensões da sociedade.

Reitero: se as oposições institucionais não forem capazes de se ligar mais diretamente aos movimentos da vida, que pelo menos os ouçam e não tenham a pretensão de imaginar que pelo jogo congressual isolado alcançarão resultados significativos.

Os vários focos de insatisfação social, por sua vez, também podem se perder em demandas específicas a serem atendidas fragmentariamente pelo governo se não encontrarem canais institucionais que expressem sua vontade maior de transformação.

As oposições políticas, por fim, se nada ou pouco tiverem a ver com as múltiplas demandas do cotidiano, como acumularão forças para ganhar a sociedade?



Fernando Henrique Cardoso, sociólogo, foi presidente da República (1995-2003) e é presidente de honra do PSDB

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Gleisi nocauteia Aécio no Senado


(Gleisi Hoffman, senadora do PT-PR)

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Do Amigos do Presidente Lula

Depois de passar mais de 2 meses no "baixo-clero" do Senado, o senador demo-tucano Aécio Neves (PSDB/MG), havia prometido fazer um pronunciamento de impacto para "dar rumo à oposição".
Pois subiu na tribuna do Senado e o rumo que deu à oposição foi uma marcha-a-ré ao passado. O destaque do discurso foi um desastre: elogiar FHC, a privataria e José Serra, que foi pessoalmente assistir ao discurso, e marcar sob pressão.

As críticas ao governo federal pareceram de um deputado estadual discursando na Assembléia Legislativa de Minas Gerais contra o governador mineiro cobrar 30% do ICMS na conta de luz, por cobrar o IPVA mais caro do Brasil, e prestar mau serviço público à população, gastando o dinheiro público com a construção de palácios de governo.

O discurso foi tão desastroso que a senadora Gleisi Hoffmann (PT/PR), a primeira a apartear, em poucas palavras demoliu os argumentos do demo-tucano contra o governo Lula e o PT, levando-o a "nocaute". A senadora restabeleu a verdade histórica do péssimo legado deixado por FHC na privataria, com empresas de alto valor entregues a preço de banana.

Um dos desastres do discurso do demo-tucano foi defender o indefensável: reclamar do governo Dilma agir para que a mineradora Vale seja lucrativa e próspera, mas que também atenda aos interesses nacionais.

O mais grave, no caso de Aécio, é que a Vale está brigando na justiça para não pagar R$ 4 milhões de royalties sobre mineração, grande parte justamente ao estado de Minas. Qualquer Senador mineiro tem o dever de defender seu estado e seu povo, e não agir como lobista da empresa, tomando as dores de seus acionistas privados.

Outro desastre foi insinuar uma má herança econômica do governo Lula para Dilma, justamente um dia após a Agência Fitch Ratings elevar a classificação do Brasil, o que é atestado de que a economia vai muito bem, havendo apenas ajustes naturais que sempre tem que serem feitos, de acordo com o momento e as circunstâncias. Outros indicadores, como geração de empregos, também indicam que o país vai muito bem, em condições de enfrentar os desafios que se impõe a cada avanço que conquista.

O senador Lindbergh Farias (PT/RJ) também fez um bom aparte, colocando Aécio em seu devido lugar, lembrando dos excelentes números da economia brasileira, e do abuso das leis delegadas, inclusive para criar cargos, coisa que o demo-tucano fez, quando governador.

Os demais senadores da base governista (até onde vi), defenderam o governo de Dilma e de Lula, mas erraram no tom. Elogiaram além da conta e foram condescendentes demais com a oposição. Ficaram muito próximos de morder a isca e caírem na armadilha de elogiar o desgoverno de FHC.

O PIG (Partido da Imprensa Golpista), irá cobrir Aécio de falsos elogios, diante de um desempenho pífio e um discurso perto do desastroso politicamente. Tanto melhor. Quanto mais inflarem uma liderança artificial que não existe, quanto mais vincularem Aécio a FHC e Serra, e quanto mais colocarem-no como anti-Lula, mais empurram ele em direção ao cadafalso. Já fizeram isso com Serra antes de 2010, diante de todos os desastres que ele cometia. Deu no que deu.

Nesse link tem um trechinho do aparte de Gleisi e Lindberg. A TV Senado, no entanto, não deu destaque nenhum as falas dos governistas. Esperemos para ver se sai alguma coisa no youtube ou nos sites dos senadores.

Globo: Nos oito anos de gestão de Aécio, número de servidores cresceu 30,9%

Autor(es): agencia o globo :Thiago Herdy
O Globo - 07/04/2011

BELO HORIZONTE. Alvo frequente de críticas do ex-governador de Minas Gerais e senador Aécio Neves (PSDB), o crescimento do número de servidores e de cargos comissionados na administração não parece ser exclusividade do governo Lula. Nos oitos anos de governo Aécio em Minas, o quadro de pessoal cresceu 30,9%, passando de 268,4 mil servidores em novembro de 2003 para 351,5 mil em novembro de 2010.


Apesar de Aécio ter anunciado, no primeiro ano de governo, a extinção de 1,3 mil cargos ocupados por meio de indicação política, em meio a um ajuste fiscal, nos anos seguintes os cargos foram restabelecidos e ainda foram criados mais 1,5 mil com o mesmo perfil. No fim de 2010, 13.069 cargos comissionados estavam ocupados, contra 10.199, em 2003.

Secretária cita expansão de serviços
Para justificar o crescimento do quadro de pessoal, a secretária de Planejamento e Gestão do governo Aécio, Renata Vilhena, citou a expansão dos serviços no governo tucano, a efetivação de servidores e a criação de maior estrutura institucional, viabilizada pelo aumento da arrecadação do estado e do volume de projetos executados. Vilhena continua à frente do Planejamento no governo de Antonio Anastasia (PSDB).

Os dados foram extraídos do Sistema de Administração de Pessoal (Sisap) do governo de Minas e não incluem policiais, bombeiros, funcionários de empresas públicas ou de economia mista.
Ao fim do governo Aécio, o número de servidores concursados era 12,1% inferior na comparação com o início, variando de 140.729 em 2003 para 123.640 em 2010. Vilhena afirma que a queda ocorreu apesar do esforço do governo para restabelecer os concursos. Segundo ela, 29 mil vagas foram criadas nos oito anos de governo, mas não foram suficientes para suprir as vagas abertas por pessoas que se aposentaram ou deixaram a administração:

- Os salários do governo federal e de órgãos como Banco Central e BNDES são infinitamente superiores aos salários de nível superior de Minas. Nossos servidores são qualificados, mas os nossos salários não são competitivos - afirma a secretária, que atribui o problema a uma distorção histórica, impossível de ser resolvida em apenas oito anos de governo.

Os relatórios de gestão fiscal publicados pelo governo de Minas confirmam o aumento dos gastos com pessoal. Depois do ajuste fiscal dos dois primeiros anos, o percentual das despesas com pessoal sobre a receita corrente líquida do estado variou de 43,49%, em dezembro de 2005, para 48,61%, em 2010. Além do aumento dos serviços prestados, o governo cita como justificativa alterações na legislação recente, que teriam reduzido o cálculo de despesa corrente.

No governo Aécio, foram criadas 19,9 mil vagas para terceirizados. Vilhena atribuiu a medida à expansão da oferta de vagas no sistema prisional mineiro. De acordo com o governo, 67,2% dos contratados da administração pública trabalham em unidades penitenciárias. O Ministério Público enquadrou recentemente o governo, que se comprometeu a seguir um cronograma de concursos na área para acabar com a terceirização.

A secretária de planejamento também atribuiu ao sistema prisional boa parte do crescimento dos cargos de confiança ocupados no governo Aécio. No entanto, apenas 16% dos 2,8 mil novos cargos ocupados foram absorvidos pelo setor. Vilhena afirma que a maioria das vagas comissionadas restantes foram ocupados por servidores efetivos.

- No governo de Minas, a gente acompanha a nossa evolução pelos resultados alcançados, e não pelo volume de orçamento que foi direcionado para cada área ou ação. A prioridade é uma gestão eficiente - diz a secretária.
R$0,10 por mensagem (mais impostos). Até 3 notícias por dia.

Pede pra sair

RENATA LO PRETE
FOLHA DE SÃO PAULO - 06/04/11

Pressionado por aliados do PSDB e do DEM e receoso de entregar ao novo partido de Gilberto Kassab vitrines do governo paulista como a rede de escolas técnicas e os programas de recolocação profissional, Geraldo Alckmin quer tirar Guilherme Afif da Secretaria de Desenvolvimento. Mas, por ora, prefere esperar que o vice, rumo ao PSD, ponha o cargo à disposição.
A operação não é simples. Enquanto, no entorno do governador, alguns consideram esta a hora certa para afastar o PSD, que ameaça virar adversário em 2014, outros, mais cautelosos, lembram o papel de Afif na arrecadação de recursos para a campanha de 2010.

Não é comigo
Afif diz acompanhar o que chama de "boatos" pelos jornais: "Minha disposição de servir política e administrativamente é a mesma. O cargo de secretário pertence ao governador". Atribuiu a problemas de agenda de Alckmin o adiamento de reunião que ocorreria hoje para detalhar o "Via Rápida do Emprego".

terça-feira, 5 de abril de 2011

Política externa mudou, diz Garcia



"Claro que há mudanças na política externa"
Autor(es): Roberto Simon

O Estado de S. Paulo - 03/04/2011


O assessor para assuntos internacionais do Planalto, Marco Aurélio Garcia, admitiu a Roberto Simon que o governo Dilma mudou a política externa. Segundo ele, diferentemente do presidente Lula, Dilma tem uma percepção do mundo voltada aos direitos humanos: "Ela enfatiza questões ligadas a seu passado de presa política". Garcia, porém, nega que Lula tenha tido simpatia por autocratas.

Entrevista: Marco Aurélio Garcia

Visão de Dilma sobre direitos humanos e novo cenário internacional alteram diplomacia, reconhece Garcia; "Brasil não tem simpatia por autocratas nem afinidade com Irã"

Se o Itamaraty ainda hesita em admitir publicamente, o assessor para assuntos internacionais do Planalto, Marco Aurélio Garcia, entrega de bandeja: "Há mudanças na política externa? Claro que sim". Ele afirma que a presidente Dilma Rousseff está decidida a imprimir sua marca na diplomacia - a começar pela questão dos direitos humanos, particularmente cara à ela - e o contexto internacional mudou.

Com a transição entre governos, o próprio Garcia parece ter recalibrado o discurso. O Brasil "não tem simpatia por autocratas", diz, e "nenhuma afinidade com o Irã". Olhando para o passado, porém, ele defende que os abraços de Lula no líbio Muamar Kadafi ou no sírio Bashar Assad não são motivos de constrangimento. O "professor", como é chamado, subiu ainda o tom das críticas à intervenção na Líbia, um "precedente autorizando, sempre que houver uma guerra civil, a ONU a interferir em proveito de uma força". A seguir, a entrevista.

Há indícios - entre eles o voto do Brasil na ONU pelo envio de um relator ao Irã - de que a política externa está tomando um novo caminho. Qual é a dimensão dessa mudança?

Primeiro, é preciso falar sobre o voto em si. Já havia iniciativas do governo Lula nessa área e, diante de denúncias, nós votamos simplesmente pela criação de um relator. Caberá a ele definir em seu informe qual é a situação encontrada e, então, nós teremos de nos manifestar.

Há mudanças na política externa brasileira? Claro que sim. Elas são determinadas não só pelas alterações na realidade internacional, mas também pela diferente percepção que a presidente tem em relação ao mundo. Não vou trabalhar com a ideia de diplomacia presidencial, mas as grandes decisões partem do presidente. Lula sempre deu grande ênfase às questões sociais. Dilma manterá essa sensibilidade do governo anterior, mas quer enfatizar as questões ligadas a seu passado de prisioneira política.

E isso significará, por exemplo, uma mudança na forma como o Brasil vota na ONU quando o assunto é direitos humanos?

Cada caso é um caso. É evidente que um exemplo já foi dado. Outros virão.

Ao contrário do que tem sido dito, não houve da parte do governo brasileiro leniência no que diz respeito aos direitos humanos. Mais de 90% das moções apresentadas no Conselho de Direitos Humanos da ONU tiveram voto positivo do Brasil. Nós temos a preocupação de que essas votações não sejam seletivas - apenas contra os países do sul - e possam abordar de forma equilibrada todas as situações.

O Brasil nunca votou contra Cuba e sempre votou contra Israel. Isso não é ser seletivo?

Nós teríamos de ver concretamente quais foram as moções apresentadas. Não posso comentar em aberto. Na própria entrevista da presidente ao Washington Post, que tem sido tão mencionada como um ponto de inflexão, ela dizia querer rever tanto a situação do Irã quanto a de Guantánamo. No caso do Irã, quem suscitou a questão da senhora Sakineh (Ashtiani, condenada a apedrejamento) foi o Lula. Quando estivemos em Teerã, concluímos um processo que levou à libertação da francesa Clotilde Reiss. Houve iniciativas do chanceler Celso Amorim em relação aos cineastas presos e à comunidade bahai. Trabalhamos numa outra clave, mas de maneira nenhuma há leniência.

Ao mesmo tempo, quando se pensa na relação com o Irã, é impossível esquecer a frase comparando opositores massacrados a torcedores frustrados.

Essa comparação foi em uma outra situação, na eleição. Eu invoco o que disse à época: "Acho muito positivo (o protesto nas ruas)". Essa era a avaliação da diplomacia brasileira. Positivo porque demonstra a vida política na sociedade iraniana.

E a brutalidade de um regime disposto a tudo para se manter no poder.

Sim, mas houve manifestações. Não tenho informações para dar ou não validade às eleições. Mais ainda, não temos nenhuma afinidade com o governo do Irã. Ele é religioso, nós somos uma república laica. Eles têm leis que condenamos. Mas o que nós fomos fazer no Irã naquele momento foi outra coisa: tentar frear um programa (nuclear) militar, permitindo uma solução negociada. As potências não aceitaram e optaram pelas sanções.

Em 2003, o Brasil ajudou a eleger a Líbia presidente da Comissão de Direitos Humanos da ONU. Meses depois, Trípoli conseguiu, com apoio brasileiro, suspender da comissão a ONG Repórteres Sem Fronteiras, que havia protestado contra a eleição. Esse tipo de voto tem lugar no governo Dilma?

A presidente tem um critério definido para a questão de direitos humanos - o qual compartilho totalmente. Ela, pessoalmente, tem uma história muito vinculada à questão dos direitos humanos - foi presa política. E diz o seguinte: "Por fidelidade à minha história, serei intransigente quanto aos direitos humanos e à defesa das mulheres". Nisso aí, não há nenhuma posição idiossincrática.

Parece bem diferente de Lula, que não se importava em abraçar ditadores.

O presidente Lula tem seu estilo, diferente do apresentado por Dilma. Nunca ninguém observou o fato de que Lula chamava Bush de "companheiro". Não acredito que, do ponto de vista estrito, Bush pudesse ser qualificado de "companheiro". Mas são estilos. Da mesma forma que ele conviveu aqui com pessoas que vinham do "antigo regime" (ditadura militar), ele podia perfeitamente conviver com certas figuras internacionais. Quando se fizer a história da política externa do governo Lula, esse aspecto não terá caráter fundamental. O que há de fundamental - e continuará neste governo - é a boa relação com a América do Sul, América Latina, África, China, Índia, União Europeia e EUA.

Bom relacionamento com os EUA, mas com grandes atritos - bases na Colômbia, Irã, Honduras, Cuba, comércio...

E o que você queria? Que ficássemos silenciosos?

Constato um fato: houve atritos significativos na relação bilateral.

A relação com os EUA é boa, mas, como em todo relacionamento, tem áreas de aproximação e de conflito. Muitas das críticas vêm de um período em que bom relacionamento significava submissão. Como diz o Chico Buarque, era a época em que falávamos fino em Washington e grosso com o Paraguai e com a Bolívia. Isso acabou, agora falamos igual com todo o mundo.

Sobre a situação na Líbia, o Brasil pede ou não a saída de Kadafi?

Não. O Brasil não tem incorporado essa questão.

E como o sr. avalia a intervenção da Otan em território líbio?

Ao lado de Alemanha, Rússia, Índia e China - ou seja, de boa parte do Conselho de Segurança -, nós nos abstivemos na última votação porque estávamos antevendo que poderia haver problemas. Naquele dia, disse a um colega de um país do Conselho de Segurança que uma votação daquele tipo, primeiro, poderia abrir uma caixa de pandora na região e, segundo, criava um precedente gravíssimo, autorizando agora, sempre que houver uma guerra civil, que as Nações Unidas intervenham em proveito de uma força.

Se não fosse a ação militar, Kadafi teria tomado Benghazi, o que levaria a um massacre. O Brasil não fica numa posição confortável de criticar a intervenção sem propor uma forma concreta de evitar a tragédia?

Na mesma época da votação houve um massacre de cem pessoas na capital do Bahrein. As Nações Unidas saíram para proteger a população massacrada lá? Não temos nenhuma simpatia por Kadafi e por nenhum regime autocrático naquela região. As grandes potências, sim, têm simpatias. E têm revelado isso de forma muito enfática. Kadafi estava extremamente próximo das potências nos últimos tempos.

Lula chamou Kadafi de "meu amigo, meu chefe". Isso não é ter simpatia?

Nós não temos, posso lhe assegurar. Se tivéssemos, desenvolveríamos ações conjuntas com Kadafi. Uma vez ele me propôs a criação de uma espécie de Otan do Atlântico Sul. Disse-lhe: "Isso não está na nossa agenda, não vamos desenvolver". Claro que o Brasil tinha interesses econômicos na Líbia - inferiores aos da China, França, EUA e Grã-Bretanha. Mas tinha. Na verdade, a Otan interveio em uma guerra civil na Líbia. Agora está discutindo armar os rebeldes. Houve uma ação extremamente violenta, que acabou com o poder de fogo de Kadafi.

Seria melhor não ter essa intervenção e ficar diante de prejuízos humanos ao estilo Ruanda ou Darfur?

O Brasil não tem má consciência com os casos de Ruanda ou Darfur. Que os países que têm esse problema parem de tentar expiar isso pelo restante da vida. A Líbia, o Egito e todos os países da região têm direito a governos democráticos, com eleições e tudo. Fantástico. Mas a escolha desses governos deve ser resultante de um processo interno. O papel da comunidade internacional é assegurar que isso se faça sem violência. Agora, está se fazendo com violência. Será que o Iraque - com dezenas de milhares de mortos e com a brutal violação dos direitos humanos - não serviu de exemplo? Lá não morreram noventa e poucas pessoas, como no primeiro momento na Líbia.

Lula teve uma relação pessoal calorosa não só com Kadafi, mas com outros líderes da região que agora estão em apuros. É o caso do sírio Bashar Assad, que hoje ordena suas tropas a abrir fogo contra civis desarmados. Isso é motivo de constrangimento para o governo brasileiro?

Nossa "relação calorosa" com Bush é motivo de constrangimento? Da mesma forma que há um grupo que faz acusações gravíssimas contra o presidente Assad, há outro que responsabiliza os EUA por violações gravíssimas no Iraque. Procuramos desenvolver um diálogo com todas as forças políticas e nunca fizemos concessões - nas visitas que realizamos, não fomos celebrar o governo do Irã, da Líbia ou da Síria.

Há rumores de que, com a transição entre Lula e Dilma, o sr. perdeu espaço no governo.

Minha sala continua do mesmo tamanho (risos). Em novembro, havia um movimento quase consensual para que eu substituísse o ex-presidente argentino Néstor Kirchner como secretário-geral da Unasul. Vários governos haviam se manifestado nessa direção. Como a eleição (de Dilma) já havia ocorrido, eu expus à presidente a situação. Ela pediu que eu continuasse como assessor de política externa. Aceitei e aproveitei para solicitar uma estrutura maior. A presidente concordou.

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Emiliano José: Não morder a isca

Não morder a isca

por Emiliano José, em 25 de março de 2011 às 10:01h, na Carta Capital (via Azenha)

Antes que fossem concluídos os 30 dias do governo Dilma, estabeleceu-se, em alguns órgãos da mídia hegemônica, um curioso debate em torno da personalidade da presidenta, descoberta agora como uma mulher decidida, capaz, com um estilo próprio, e simultaneamente, o discurso de que ela rompia com o estilo Lula, e que isso seria muito positivo. Deixava sempre trair o profundo preconceito contra Lula, pela comparação entre uma presidenta letrada (que cumprimenta em inglês a secretária Hillary Clinton…) e o outro, com seu português, essa língua desprezível. Não se sabe se seriam esquizofrenias da mídia hegemônica, ou táticas confluentes destinadas a diminuir o extraordinário legado do presidente-operário e a camuflar a continuidade de um mesmo projeto político.

Não custa tentar avaliar essa operação. Durante a campanha, a mídia seguiu a orientação de que Dilma era uma teleguiada, incapaz de pensar por conta própria. No governo, como era inexperiente, seria manipulada por Lula. Bem, ocorre que foi eleita. O que fazer diante da esfinge? Nos primeiros momentos, cobra que ela fale o tanto que Lula falava. Dilma, que tem estilo próprio, ao contrário do que a mídia dizia, seguia adiante, sem subordinar-se às cobranças. Toca o governo com toda firmeza, que é o que importa. Não se rende às expectativas midiáticas, sinal de uma personalidade forte, muito distante da figura de fácil manipulação que se tentou esculpir antes.

As coisas estão no mundo, minha nega, só é preciso entendê-las, é Paulinho da Viola. A mídia não raramente passa batida diante das coisas que estão no mundo. Ou tenta dar a interpretação que lhe interessa sobre a realidade já que de há muito se superou a idéia de um jornalismo objetivo e imparcial por parte de nossa mídia hegemônica. Todo o esforço para separar Lula e Dilma é inútil. Parece óbvio isso. Mas, não para a mídia. Ela prossegue em sua luta para isso. Lula e Dilma, e lá vamos nós com obviedades novamente, são diferentes. Personalidades diversas. E o estilo de um e de outro naturalmente não são os mesmos. O que não se pode ignorar é que Dilma dá continuidade ao projeto político transformador iniciado com a posse de Lula em 2003. Essa é a questão essencial.

Dilma seguirá com as políticas destinadas a superar a miséria no Brasil, tal e qual o fez Lula nos seus oito anos de mandato, coisa que até os adversários reconhecem, e o fazem porque as evidências são impressionantes. Mexeu-se para melhor na vida de mais de 60 milhões de pessoas, aquelas que saíram da miséria absoluta e as que ascenderam à classe média. Agora, a presidenta pretende aprofundar esse caminho, ao situar como principal objetivo de seu mandato combater a miséria absoluta que ainda afeta tantas pessoas no Brasil. Essa é a principal marca de esquerda desse projeto: perseguir a idéia de que é possível construir, pela ação do Estado, um país mais justo, que seja capaz de estabelecer patamares dignos de existência para a maioria da população. O desenvolvimento tem como centro a distribuição de renda, e o crescimento econômico deve estar a serviço disso. Aqui se encontram Dilma e Lula. O resto é procurar pêlo em ovo.

A terrorista cantada em prosa e verso pela mídia durante a campanha virou agora a heroína dos direitos humanos, e nós saudamos a chegada da mídia na defesa dos direitos humanos quando se trata de outros países. Que maravilha, do ponto de vista de pessoas que amargaram tortura e prisão no Brasil, ver a presidenta recebendo as Mães da Praça de Maio na Argentina e se emocionando com elas. E condenando qualquer tipo de violação dos direitos humanos no mundo.

No caso da mídia, seria muito positivo que ela também apoiasse a instalação da Comissão da Verdade para apurar a impressionante violação dos direitos humanos no Brasil durante a ditadura militar. Foi Lula que encaminhou o projeto da Comissão da Verdade, apoiando proposta do então ministro Paulo Vannuchi. As últimas eleições consagraram o projeto político desse novo Brasil que começou em 2003. Dilma está sabendo honrar a confiança que foi depositada nela, uma digna sucessora de Lula.

A mídia não descansará em seus objetivos. O de agora é o de tentar desconstruir Lula, tarefa que, cá pra nós, é pra lá de inútil pela força não apenas do carisma extraordinário do ex-presidente operário, mas pelo significado real das políticas que ele conseguiu levar a cabo, mudando o Brasil pra valer. Com esse objetivo, a desconstrução de Lula, elogia Dilma e destrata Lula. Este, naturalmente, não está nem aí. Sabe que a mídia hegemônica nunca gostou dele, nunca vai gostar. Ele é uma afronta às classes conservadoras, às quais a mídia hegemônica pertence. A existência dele como o mais extraordinário presidente de nossa história afronta a consciência conservadora. Ele seguirá seu caminho de militante político, cujos compromissos políticos sempre estiveram vinculados ao povo brasileiro, às classes trabalhadoras de modo especial, às multidões.

O segundo passo, mesmo que não consiga nada com o primeiro, que seria desconstruir Lula, será o de vir pra cima da presidenta, que ninguém se engane. Nós não temos o direito de nos iludir. As classes conservadoras mais retrógradas não podem aceitar um projeto como este que vem sendo levado a cabo desde 2003, quando Lula assumiu. A mídia hegemônica integra as classes conservadoras, é a intérprete mais fiel delas. Por isso, não cabe a ninguém morder essa isca. As diferenças de estilo entre Lula e Dilma são positivas. E é evidente que uma nova conjuntura, inclusive no plano mundial, reclama medidas diferentes, embora, como óbvio para quem quer enxergar as coisas, dentro de um mesmo projeto global de mudanças do País, sobretudo com a mesma idéia central de acabar com a miséria extrema em nossa terra. O povo brasileiro sabe o quanto recolheu de positivo do governo Lula. E tem consciência de que estamos no mesmo rumo sob a direção da presidenta Dilma. Viva Lula. Viva Dilma.

Emiliano José é jornalista, escritor, deputado federal (PT/BA)