Manuel Zelaya, ex-presidente de Honduras
É a CIA, a agência de inteligência americana, a culpada por tudo: desde a crise que levou ao golpe até o atual exílio do ex-presidente hondurenho Manuel Zelaya em Santo Domingo, capital da República Dominicana. A opinião é do próprio Zelaya, quase um ano depois de ser derrubado do poder e pouco mais de quatro meses após partir para o país do Caribe, depois de passar outros quatro meses refugiado na embaixada do Brasil em Tegucigalpa. Na República Dominicana, o líder deposto evita proferir declarações públicas, em sinal de respeito aos anfitriões “que o acolheram tão bem” – mas, ainda assim, traz essa nova leitura dos fatos, segundo a qual os EUA estão por traz do seu infortúnio.
Zelaya, o homem do bigode frondoso e do chapelão de vaqueiro, foge das entrevistas. As conversas no exílio são só ao pé do ouvido, como as que, segundo Zero Hora apurou, teve com os presidentes da Venezuela, Hugo Chávez, em 4 de maio, e de Cuba, Raúl Castro, em 15 de maio. Os contatos, discretos, ocorrem na casa alugada pelo governo dominicano para o “visitante”. Zelaya, 59 anos, mora em Los Cacicazgos, bairro de alto padrão de Santo Domingo, onde convive com banqueiros. Ao seu lado na visita de Raúl Castro, por exemplo, estava a filha Xiomara Hortensia. A mulher, também Xiomara, fica na ponte aérea: em Honduras, zela pelos interesses do marido. Zelaya resiste. Mas ZH insistiu.
– Ele não fala nem para os meios de comunicação hondurenhos. É uma questão de respeito a seu anfitrião – desculpou-se Eduardo Reina, seu atencioso secretário particular.
– E escrever, ele escreve?
– Ora, tenta mandar um e-mail, é assim que ele se comunica até comigo.
Foi assim, por e-mail, que Zelaya deu uma rara entrevista em seu exílio dominicano. As respostas chegaram na última terça-feira pelo seu BlackBerry. Mas, enfim, ele falou. Confira os principais trechos da conversa:
Zero Hora – Como está sua vida em Santo Domingo?
Manuel Zelaya – Tenho de reconhecer o grande afeto que recebo do povo e da família dominicana neste exílio. O desterro involuntário, de qualquer forma, sempre afeta o exilado e, especialmente, sua família. É um crime o que comete o governo de Honduras ao manter meu desterro involuntário, algo que é expressamente proibido por nossa Constituição.
ZH – O sr. cogita retornar a Honduras e voltar a ser presidente?
Zelaya – Meu retorno a Honduras só será possível quando os Estados Unidos retificarem sua posição de cobrir com um manto de impunidade o crime que foi o meu sequestro a balaços e rajadas de metralhadora em minha casa (quando foi deposto e mandado de pijama por militares para a Costa Rica, em 28 de junho do ano passado) e todas as violações à Constituição e aos tratados internacionais resultantes de um golpe de Estado. Será possível quando os EUA deixarem de manipular países e a opinião pública, deixarem de proteger os autores intelectuais e materiais do golpe, responsáveis por crimes de lesa-humanidade, com mais de uma centena de opositores ao regime assassinados e milhares de perseguidos encarcerados e torturados, além de duas centenas de exilados.
ZH – O Itamaraty lhe deu, por quatro meses, uma polêmica guarida na embaixada brasileira em Tegucigalpa. Agora, pouco mais de quatro meses após sua saída para o exílio dominicano, como o sr. vê a postura do Brasil?
Zelaya – A posição do Brasil e do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e sua equipe foi sempre coerente com os princípios democráticos, com a defesa do Estado de Direito e com os compromissos com o direito internacional.
ZH – O sr. é oriundo de uma abastada família de proprietários rurais. No poder, alinhou-se com a esquerda. Quem é, ideologicamente, Manuel Zelaya?
Zelaya – Me proclamei, no exercício do poder, como centro-esquerdista, com práticas de um liberalismo pró-socialista. Trabalhei fortemente para fazer uma política de livre mercado e de desenvolvimento dos investimentos, com bons salários e benefícios sociais para os trabalhadores. O eixo do meu governo: liberdade econômica, liberdade energética e liberdade democrática. Assim como uma política externa forte, que nos libertara da dependência de um só mercado e da hegemonia do dólar, creio no multilateralismo como forma de política internacional. Oponho-me ao feudalismo comercial protecionista, ao neocolonialismo e às práticas do imperialismo que monopoliza a liberdade dos nossos povos e suas economias. Por isso, minhas críticas às distorções do comércio capitalista monopolista na globalização. Lutei 20 anos a partir da zona rural, por vias legais e democráticas, para me tornar presidente de Honduras. Trabalhei duro pelo crescimento econômico sustentado mais alto que o país já teve em 30 anos e pelos índices de redução da pobreza aos níveis mais baixos da história.
ZH – O sr. citou, antes, os confrontos e mortes que continuam, mesmo após sua saída de Honduras, em 27 de janeiro último, após ter sido acusado de tentar mudar a Constituição para se reeleger (o que é proibido no país). Como o sr. vê esse quadro?
Zelaya – Nunca tentei – e ninguém tem uma só prova do contrário – a reeleição, nem procurei continuar no exercício do poder. Eu prometi, sim, ficar até o último dia do mandato. E cumpri essa promessa. Lutei pelo mandato que o povo me deu até o último dia, o dia 27 de janeiro de 2010, na sede diplomática do Brasil. Apresentei um plano para a reconciliação nacional e a incorporação de Honduras à comunidade internacional. O país está isolado desde que uma cruel ditadura e seus sócios lhe tiraram a paz e paralisaram seu desenvolvimento.
ZH – O sr. pretende retornar à presidência hondurenha?
Zelaya – Não busquei a reeleição, como lhe provei. Sou um democrata e pratico a não-violência ativa em defesa do humanismo cristão que me orgulho de defender. Estou lutando para que nunca mais uma sociedade volte a sofrer a tragédia que hoje sofremos, de um golpe de Estado militar planejado no Comando Sul dos Estados Unidos e apoiado pela CENTRAL DE INTELIGÊNCIA AMERICANA (essas últimas palavras, ele escreveu em maiúsculas, como quem grita).
Seguidores ainda lutam
O ex-presidente Manuel Zelaya, de seu exílio, evita falar em suas pretensões de retorno ao poder. ZH, porém, apurou que seus seguidores trabalham para que ele volte a Honduras, com a instalação de uma Assembleia Constituinte. Quem diz isso é o advogado Rasel Tomei, braço direito de “Mel” Zelaya e dirigente da Frente Nacional de Resistência Popular (FNRP). Para tanto, foi iniciada a coleta de assinaturas em um documento que exige o retorno com plenas garantias e a convocação da Constituinte. No último dia 20, o atual presidente, Porfirio Lobo, sinalizou com a possibilidade da volta de Zelaya a Honduras. Prontificou-se até a ir pessoalmente buscar seu antecessor.
Em carta, a cujo conteúdo ZH teve acesso, Zelaya agradeceu, mesmo se queixando de que “os golpistas” estão impunes. “Aceitaremos a palavra de Porfirio Lobo Sosa, a quem agradecemos por suas boas intenções, e analisaremos em que consiste a proposta”, escreveu Zelaya. E completou: “O desterro é uma tortura que eu e minha família sofremos”.
LÉO GERCHMANN
Um ano de novela
Confira os passos de Zelaya desde a sua destituição:
- 28 de junho de 2009: O então presidente é retirado de casa à força por militares golpistas e expulso do país, sendo levado para a Costa Rica.
- 21 de setembro de 2009: Zelaya retorna a Honduras escondido, refugiando-se na embaixada brasileira em Tegucigalpa. Iniciam-se conversações para resolver o impasse.
- 22 de setembro de 2009: Manifestações em frente à embaixada terminam em confronto, algo que se tornaria uma rotina nos meses seguintes.
- 23 de setembro de 2009: em entrevista a Zero Hora, Zelaya diz que “a ajuda de Lula é decisiva para Honduras”.
- 10 de dezembro de 2009: o Itamaraty dá um ultimato a Zelaya, para deixar a embaixada, no máximo, em 27 de janeiro do ano seguinte.
- 27 de janeiro de 2010: com a posse do novo presidente, Porfirio Lobo, Zelaya sai da embaixada e segue para o exílio na República Dominicana.
Esse é um blog de Clipping de Miguel do Rosário, cujo blog oficial é o Óleo do Diabo.
domingo, 6 de junho de 2010
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