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segunda-feira, 28 de junho de 2010

Estadão 28/06 - - Mato sem cachorro :: Marcelo de Paiva Abreu

A semana passada foi bastante adversa para a candidatura de José Serra à Presidência da República. Pela primeira vez Dilma Rousseff passou a liderar as pesquisas de opinião, explicitando o que já era sabido sobre a combinação da popularidade do presidente Lula com a eficácia na transferência de votos para a sua candidata. Mas não foi essa a única má notícia para a candidatura Serra.

Há muitas razões para questionar a candidatura Rousseff: desejável alternância de poder, que criaria condições para desmontar, ao menos parcialmente, o aparelhamento da máquina pública; a limitada legitimidade política da candidata, em vista de sua falta de exposição prévia a processos eleitorais; as carências pessoais da candidata e seu estilo baseado na crença na substituição persistente da competência pela veemência.

Tal questionamento poderia ser ainda aprofundado pelo contraste entre programas alternativos de governo. Tarefa que seria, em princípio, facilitada pela pouco verossímil conversão de Dilma Rousseff às virtudes de uma política econômica prudente e quanto ao papel do Banco Central. Para não falar das ideias extremadas da candidata quanto às vantagens da ação do Estado na esfera econômica.

A entrevista de José Serra no programa Roda Viva, na segunda-feira passada, foi, contudo, outra má notícia para a oposição. Por estranho que pareça, é exatamente quando trata de assuntos econômicos - tema no qual se crê especialista - que o candidato expõe opiniões claramente equivocadas.

Evidenciando fixação algo doentia, retomou o tema Banco Central, repetindo críticas que já havia feito em relação a alegados erros da política monetária, na esteira da crise econômica mundial. Em nenhum momento foi mencionado que, segundo a legislação vigente, o Banco Central tem como objetivo manter a inflação sob controle, pautado por metas fixadas pelo Conselho Monetário Nacional. A preocupação fundamental do candidato seria o câmbio apreciado. Quando perguntado sobre qual deveria ser a política para enfrentar a entrada de capitais externos, dedicou-se a explicar as diferenças entre capital produtivo e especulativo, como se tal contraste fosse relevante do ponto de vista do impacto sobre a taxa de câmbio. O problema seria resolvido, segundo o candidato, "numa nice". O candidato não elucidou o que isso significava nesse contexto específico...

Nas críticas à atuação do Banco Central do Brasil, ocupou lugar proeminente o contraste com o banco central chileno. Lá, segundo Serra, não há política "cucaracha" (sic), como aqui, pois o ministro da Fazenda participa das decisões relativas à política monetária. Mas quase tudo o que se sabe sobre o arranjo institucional chileno contraria as afirmações do candidato. O ministro da Fazenda do Chile de fato tem voz, mas não voto, em tais reuniões. Além disso, os diretores do Banco Central do Chile têm mandato fixo e a definição das metas inflacionárias e da política cambial cabe ao próprio banco.

Pelo que se pode depreender das críticas de Serra, o regime que lhe pareceria mais conveniente seria algo bem diferente do chileno. O ministro da Fazenda teria peso suficiente para fazer valer sua influência, a despeito do que pudesse ser a posição da diretoria do Banco Central. Como ministro da Fazenda é cargo de confiança do presidente, o que se propõe é que o presidente controle as decisões do Banco Central. Difícil pensar que não agrade ao candidato simplesmente ejetar o regime de metas, cabendo ao Palácio do Planalto decidir qual seria o "pouquinho de inflação" aceitável.

Outro tema econômico abordado na entrevista, indiretamente associado à política monetária, foi a proteção à produção doméstica em relação à penetração das importações estimuladas pelo que lhe parece a apreciação cambial indevida. O candidato lançou-se em discurso de denúncia de alegada dependência excessiva da indústria brasileira em relação à importação de insumos, citando nominalmente a Embraer como uma empresa que seria problemática por importar "60% ou 70% da sua produção". Como se a empresa pudesse ser competitiva sem a importação maciça de componentes. Citando jingles estudantis, lamentou uma situação em que o Brasil "exporta aço e importa navios". Que o aço seja exportado para a China e seja incorporado em manufaturas chinesas exportadas para o Brasil lhe parece especialmente objetável.

São ideias que revelam perigoso banzo em relação ao Brasil autárquico e estão alinhadas ao retrospecto do candidato como paladino dos interesses do setor automotivo em meados da década de 1990.

O candidato da oposição tem renegado, de forma sistemática, os pilares do programa econômico implementado durante o governo Fernando Henrique Cardoso. O mais grave é que tal postura abre espaço para que Dilma Rousseff se aproprie de uma plataforma econômica relativamente modernizante e deixe o atraso por conta da oposição. O eleitor está num mato sem cachorro em face da triste escolha entre a perpetuação perigosa do poder lulista e as propostas econômicas equivocadas da oposição.

DOUTOR EM ECONOMIA PELA UNIVERSIDADE DE CAMBRIDGE, É PROFESSOR TITULAR NO DEPARTAMENTO DE ECONOMIA DA PUC-RIO

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