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quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Tocqueville e a revolução

Eis o prometido trecho do livro mencionado no início do post, páginas 226 a 229. A editora é Martins Fontes 2009, 1ª edição, com tradução de Rosemary Costehek Abílio (com um ou outro ajustezinho meu). Vive la France!


O contraste entre a benignidade das teorias e a violência dos atos, que foi uma das características mais estranhas da Revolução Francesa, não surpreenderá ninguém que levar em conta que essa revolução foi preparada pelas classes mais civilizadas da nação e executada pelas mais incultas e rudes. Como os homens das primeiras não tinham entre si nenhum laço preexistente, nenhum hábito de se ouvirem, nenhuma ascendência sobre o povo, este se tornou quase de imediato o poder dirigente, assim que os antigos poderes foram destruídos. Onde não governou por si mesmo, deu pelo menos seu espírito ao governo; e quem, por outro lado, pensar na maneira como esse povo vivera sob o Antigo Regime, não terá dificuldade em imaginar o que ele ia ser.

As próprias particularidades de sua condição haviam lhe dado várias virtudes raras. Libertado cedo e há muito tempo proprietário de uma parte do solo, mais isolado do que dependente, ele se mostrara comedido e altivo; era habituado ao sofrimento, indiferente às delicadezas da vida, resignado nos maiores maiores, firme no perigo; raça simples e viril que vai guarnecer aqueles poderosos exércitos sob cuja força a Europa se curvará. Mas a mesma causa fazia dele um senhor perigoso. Como durante séculos carregara quase sozinho todo o fardo dos abusos; como vivera apartado, alimentando-se em silêncio de seus preconceitos, invejas e ódios, calejara-se nesses rigores de seu destino e tornara-se capaz ao mesmo tempo de tudo suportar e tudo fazer sofrer.

É nesse estado que, apoderando-se do governo, ele se dispôs a concluir pessoalmente a obra da Revolução. Os livros haviam fornecido a teoria; ele se encarregou da prática e ajustou as ideias dos escritores a seus próprios furores.

Os que, lendo este livro, estudaram atentamente a França no século XVIII, puderam ver nascer e desenvolver-se em seu seio duas paixões principais, que não foram contemporâneas e nem sempre tenderam para o mesmo objetivo.

Uma, mais profunda e vinda de mais longe, é o ódio violento e inextinguível pela desigualdade. Ele nascera e alimentara-se da visão dessa mesma desigualdade e desde muito tempo impelia os franceses, com uma força contínua e irresistível, a querer destruir até as bases tudo o que restava das instituições medievais e, esvaziando o terreno, construir nele uma sociedade em que os homens fossem tão semelhantes e as condições tão iguais quanto a humanidade comporta.
A outra, mais recente e menos enraizada, levava-os a desejar viver não apenas iguais, mas livres.

Por volta do final do Antigo Regime essas duas paixões são tão sinceras e parecem tão vivas uma quanto a outra. Às portas da Revolução elas se encontram; então se misturam e se confundem por um momento, aquecem-se mutuamente no contato e por fim incendeiam ao mesmo tempo todo o coração da França. É 1789, tempo de inexperiência realmente, mas de generosidade, entusiasmo, virilidade e grandeza, tempo de imortal memória, para o qual se voltarão com admiração e respeito os olhares dos homens, quando aqueles que o viram e nós mesmos tivermos desaparecido há muito.

Então os franceses ficaram suficientemente orgulhosos de sua causa e de si mesmos para acreditar que podiam ser iguais na liberdade. Assim, no meio das instituições democráticas colocaram em toda parte instituições livres. Não apenas reduziram a pó aquela legislação antiquada que dividia os homens em castas, em corporações, em classes e tornava seus direitos mais desiguais ainda que suas condições, como também destruíram de um só golpe aquelas outras leis, obras mais recentes do poder régio, que haviam tirado da nação a livre disposição de si mesma e colocado ao lado de cada francês o governo, para ser seu preceptor, seu tutor e, se necessário, seu opressor. Com o governo absoluto também caiu a centralização caiu.

Mas, quando essa geração vigorosa, que começara a Revolução, foi suprimida ou desfibrada, como costuma acontecer a toda geração que enceta esses empreendimentos; quando, seguindo o curso natural dos acontecimentos dessa espécie, o amor à liberdade desencorajou-se e arrefeceu em meio à anarquia e à ditadura popular, e a nação desnorteada começou a procurar como que às apalpadelas seu senhor, o governo absoluto encontrou facilidades prodigiosas para renascer e firmar-se, as quais foram descobertas e usadas sem dificuldade pelo gênio daquele que ia ser simultaneamente o continuador da Revolução e seu destruidor [ou seja, Napoleão].
De fato, o Antigo Regime tivera todo um conjunto de instituições recentes que, não sendo hostis à igualdade, podiam facilmente ocupar um lugar na sociedade nova e que entretanto ofereciam ao despotismo facilidades únicas. Procuraram-nas no meio dos escombros de todas as outras e encontraram-nas. Outrora essas instituições tinham gerado hábitos, paixões, ideias que tendiam a manter os homens divididos e obedientes; reavivaram esta e valeram-se dela. Recuperaram a centralização em suas ruínas e restauraram-na; e como, ao mesmo tempo que ela se reerguia, tudo o que anteriormente pudera limitá-la ficava destruído, das próprias entranhas de uma nação que acabava de derrubar a realeza viu-se sair subitamente um poder mais extenso, mais detalhado, mais absoluto do que o que fora exercido por qualquer de nossos reis. O empreendimento pareceu de uma temeridade extraordinária e seu sucesso, inaudito, porque pensavam apenas o que viam e esqueciam o que haviam visto. O dominador caiu, mas o que havia de mais substancial em sua obra permaneceu de pé; morto seu governo, sua administração continuou a viver; e desde então, toda vez que se quis derrubar o poder absoluto, não se fez mais que colocar a cabeça da Liberdade em um corpo servil.

Várias vezes, desde que a Revolução começou até nossos dias, temos visto a paixão pela liberdade extinguir-se, depois renascer, depois extinguir-se novamente e depois novamente renascer; assim fará por muito tempo, sempre inexperiente e mal regulada, fácil de desencorajar, de assustar e de vencer, superficial e passageira. Durante esse tempo a paixão pela igualdade continua a ocupar o fundo dos corações dos quais foi a primeira a apossar-se e onde se agarra aos sentimentos que nos são mais caros; enquanto uma muda continuamente de aspecto, míngua, cresce, fortalece-se e debilita-se de acordo com os acontecimentos, a outra continua a mesma, sempre apegada ao mesmo objetivo com o mesmo ardor obstinado e frequentemente cego, disposta a tudo sacrificar àqueles que lhe permitem satisfazer-se e a fornecer ao governo que quiser favorecê-la e afagá-la os hábitos, as ideias, as leis de que o despotismo necessita para reinar.

A Revolução Francesa não será mais que trevas para aqueles que quiserem olhar apenas para ela; é nos tempos que a precedem que se deve procurar a única luz que pode aclará-la. Sem uma visão nítida da antiga sociedade, de suas leis, de seus vícios, preconceitos, misérias, de sua grandeza, jamais se compreenderá o que os franceses fizeram no decurso dos sessenta anos seguintes à sua queda; mas essa visão ainda não bastaria a quem não se aprofundasse até a própria índole de nossa nação.

Quando considero esta nação em si mesma, acho-a mais extraordinária do que qualquer dos eventos de sua história. Terá jamais surgido na Terra uma única que fosse tão cheia de contrastes e tão extremada em cada um de seus atos, mais conduzida por sensações, menos por princípios; fazendo assim assim sempre pior ou melhor do que se esperava, ora abaixo do nível comum da humanidade ora muito acima; um povo tão inalterável em seus principais instintos que ainda é reconhecível em retratos feitos dele há dois ou três mil anos, e ao mesmo tempo tão variável em seus pensamentos cotidianos e em seus gostos que acaba se tornando um espetáculo inesperado até para si mesmo e frequentemente fica tão surpreso quanto os estrangeiros ao ver o que acaba de fazer; o mais caseiro e de todos o mais fiel à rotina quando o deixam entregue a si mesmo e, no momento em que o arrancarem a contragosto de sua morada e de seus hábitos, disposto a avançar até o extremo do mundo e a tudo ousar; indócil por temperamento e no entanto se adaptando melhor ao império arbitrário e mesmo violento de um principe do que ao governo regular e livre dos principais cidadãos; hoje inimigo declarado de toda obediência, amanhã pondo no servir uma espécie de paixão que as nações mais dotadas para a servidão não podem alcançar; conduzido por um fio enquanto ninguém resiste, ingovernável tão logo o exemplo da resistência é dado em algum lugar; sempre enganando assim seus senhores, que o temem demais ou não o bastante; nunca tão livre que se deva desesperar de subjugá-lo nem tão subjugado que não possa vir a romper o jugo; apto para tudo mas excelente apenas na guerra; adorador do risco, da força, do sucesso, do brilho e do alarde, mais que da verdadeira glória; mais capaz de heroísmo que de virtude, de genialidade que de bom senso, mais inclinado a conceber imensos projetos do que a levar a cabo grandes empreendimentos; a mais brilhante e a mais perigosa entre as nações da Europa, e a mais dotada para tornar-se sucessivamente um objeto de admiração, de ódio, de piedade, de terror, porém nunca de indiferença?

Apenas ela podia gerar uma revolução tão súbita, tão radical, tão impetuosa em seu curso e no entanto tão cheia de reviravoltas, de fatos contraditórios e de exemplos opostos. Sem as razões que mencionei, os franceses nunca a teriam feito; mas é preciso reconhecer que todas essas razões juntas não teriam vingado para explicar uma revolução como essa em outro lugar que não a França.

domingo, 17 de julho de 2011

Folha 17/07/2011 - - 'BNDES é Bolsa Família para acionistas'

Entrevista - Cláudio Haddad
'BNDES é Bolsa Família para acionistas'

Juros subsidiados pelo banco público superam verbas de programa assistencial do governo, diz ex-banqueiro

Para Haddad, atuar em favor da formação de conglomerados como o 'Carreçúcar' prejudica a defesa da concorrência

OSCAR PILAGALLO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Crítico de longa data da atuação do BNDES, o economista Cláudio Haddad, 64, acredita que a confusa participação do banco na frustrada compra do Carrefour pelo Pão de Açúcar deveria provocar um debate sobre o papel da instituição.
O desempenho do BNDES favorece as grandes empresas com juros subsidiados: pelas suas contas, o banco dá em subsídios, a acionistas das empresas, mais do que o orçamento do Bolsa Família.
Além disso, diz ele, o banco compromete a defesa da concorrência, ao favorecer a formação de conglomerados, e solapa a política monetária, ao emprestar recursos com juros mais baixos do que a taxa básica do Banco Central.
Para Haddad, que teve passagem pelo BC, foi banqueiro e hoje é presidente da escola de negócios Insper (Instituto de Ensino e Pesquisa), o BNDES deveria voltar ao papel de origem, de financiar projetos de infraestrutura. A seguir, trechos da entrevista.




Folha - Qual deveria ser o papel do BNDES?
Cláudio Haddad - O foco principal deveria ser o de identificar situações em que a rentabilidade social do investimento é alta e a lucratividade é baixa, e financiar esse tipo de projeto. Estou falando de projetos de infraestrutura, que poderiam ser tocados em parceria com o setor privado. Em vez de emprestar para grandes empresas, que têm capacidade de captar recursos no mercado, o BNDES pode ser indutor do desenvolvimento. Entregar recursos públicos e subsidiados dessa maneira é um desperdício.

A que subsídio se refere?
Como os recursos são públicos, o custo de captação é o da dívida pública, basicamente o da taxa Selic [referência do mercado, hoje em 12,25% ao ano]. Se o BNDES empresta a taxas abaixo desse custo, está havendo subsídio, quer o BNDES diga que sim ou diga que não.
Contabilmente o BNDES usava a justificativa de que, com a utilização de recursos do FAT [Fundo de Amparo ao Trabalhador], remunerados a 6% ao ano, não haveria subsídio se o BNDES emprestasse acima dessa taxa. É uma falácia, porque o custo relevante é aquele pelo qual o Tesouro capta.
Hoje, depois das capitalizações, os subsídios estão mais patentes. O governo capitalizou o BNDES com recursos captados a mais de 12% ao ano, e o banco empresta cobrando a TJLP [taxa de juros de longo prazo], que é de 6% ao ano ""a diferença, de mais de 6%, é o subsídio.

Qual o custo desse subsídio?
Cerca de R$ 18 bilhões por ano. Num cálculo rápido, são os 6% da diferença aplicados sobre o valor das captações, de quase R$ 300 bilhões. O governo está dando muito mais do que um Bolsa Família por ano a quem pega dinheiro no BNDES [o orçamento do programa para este ano é de R$ 13,4 bilhões]. E quem se beneficia são os acionistas das empresas.

E o papel de financiador de longo prazo?
É importante, mas o BNDES poderia emprestar a longo prazo com taxas reajustáveis, sem subsídios. Havendo dinheiro subsidiado, é evidente que as empresas vão preferir usá-lo. Mas não se trata de demanda nova por crédito, e sim de uma substituição do que seria tomado na rede bancária. Tanto que, depois das capitalizações dos últimos anos, o crédito do setor privado às empresas deu uma travada. Na estrutura de empréstimos bancários, o BNDES tem uma fatia de mais de 15%, o que é significativo. Também é preciso considerar que o mercado de capitais, com os IPOs [sigla em inglês para lançamento inicial de ações], se transformou numa fonte importante.

Como avalia a orientação de favorecer a formação de conglomerados com alcance global, os "campeões nacionais"?
O país precisa ter grandes empresas, sem dúvida, mas sou muito cético em relação a essa ideia. Dar dinheiro sem exigir metas de desempenho, sem um objetivo claro e sem políticas paralelas, como um esforço educacional, em geral leva ao fracasso. Se uma empresa quiser virar campeã nacional, que faça isso por conta própria, que seja uma campeã natural, e não artificial.

Não há contradição entre a ação do BNDES, que favorece a formação de conglomerados, e a do Cade [Conselho Administrativo de Defesa Econômica], que tenta proteger a concorrência?
Sim. A política de formação de campeões, além de ser pouco eficiente, promove concentração de poder econômico.

Quando o BNDES se afastou do seu objetivo original, de financiar projetos de infraestrutura?
Talvez nos anos 70, quando resolveu ser a locomotiva do crescimento e incentivar projetos de larga escala. Nos anos 90, o governo FHC tentou mudar a orientação do BNDES, e o banco ficou mais voltado para o mercado de capitais. No governo Lula, o BNDES retomou o que tinha sido feito nos anos 70.
Hoje a política é parecida com a daquela época. Para aqueles sem acesso ao BNDES, o fogo dos infernos, com juros lá cima; para quem tem acesso, o paraíso total, com juros subsidiados.


RAIO-X
CLÁUDIO HADDAD

CARGO ATUAL
Presidente da escola de negócios Insper (Instituto de EnsinoePesquisa)

HISTÓRICO PROFISSIONAL
Diretor do Banco Central (1980-1982) e sócio e superintendente do Banco Garantia (1983-1998)

FORMAÇÃO ACADÊMICA
Doutor em economia pela Universidade de Chicago

Globo 17/07/2011 - - BNDESPar se associa a grandes grupos e efeito colateral é uma 'perda' de R$ 3 bi

Anabolizante de empresas

BNDESPar se associa a grandes grupos e efeito colateral é uma 'perda' de R$ 3 bi

Bruno Villas Bôas (bruno.villas@oglobo.com.br)

RIO - Contestadas por especialistas, seis das maiores operações realizadas nos últimos anos pela BNDESPar, braço de participações do banco, dão pistas de que podem não ter sido exatamente um bom negócio. São operações que envolvem desde a polêmica capitalização da Petrobras, passando pela internacionalização de frigoríficos brasileiros, até a compra de ações de empresa do bilionário Eike Batista, um dos homens mais ricos do mundo. Levantamento do GLOBO mostra que as operações acumulam uma "perda" de R$ 3,04 bilhões em valor de mercado, considerando o montante injetado pelo banco para comprar participação societária nessas companhias a partir de 2007 em comparação ao atual valor das ações negociadas na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa). A "perda", claro, é contábil, não se consolidou porque a BNDESPar não se desfez dos papéis.
Maior perda da carteira, o valor investido na compra de ações da Petrobras em setembro passado, quando ocorreu a megaoferta pública, encolheu em R$ 2,37 bilhões. O braço de participações do BNDES aplicou R$ 22,41 bilhões na empresa, numa operação bombardeada por especialistas. Desde então, os papéis preferenciais (PN) da Petrobras recuam 9,76% e as ordinárias (ON, com voto) caem 11,94%.
Para bancar a compra de ações da Petrobras, o BNDES, que tem como fonte de recursos o FAT e o Tesouro, transferiu R$ 15 bilhões para a BNDESPar.
- O governo usou riquezas do Brasil para aumentar sua participação numa empresa estatal que tem acionistas privados. É preciso se indagar se essa seria a destinação de recursos que o país precisa - avalia Mansueto de Almeida, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Duas das seis grandes operações realizadas pela BNDESPar nos últimos anos foram orientadas para internacionalizar frigoríficos brasileiros, a Marfrig e o JBS. O banco gastou R$ 715,65 milhões e R$ 1,136 bilhão, respectivamente, na compra de ações das empresas para apoiar investidas das companhias no exterior. Essas operações registram perdas de R$ 201,4 milhões, caso da Marfrig, e de R$ 377,9 milhões, no do JBS. Os resultados não consideram dividendos.
Objetivo não é lucro, diz especialista
Para Almeida, como a BNDESPar, assim como o BNDES, não é um banco de investimento no sentido mais estrito do mercado - aquele que compra participações para vendê-las com lucro. Perdas seriam inclusive toleráveis. Ele critica, no entanto, perdas com o uso do banco como "hospital" de empresa, como ocorreu na fusão da Votorantim com a Aracruz, que teve grandes prejuízos com operações cambiais. A compra das ações para apoiar essa $ão, que resultou na criação da Fibria, registra perda acumulada de R$ 160 milhões para o banco.
- O problema é que o BNDESPar tem atuado como banco de investimento. Entra em grandes operações, sem benefícios claros para a sociedade. Estão sendo incentivados setores que já são competitivos, como de exportação de carnes, papel e celulose, energia - afirma o pesquisador do Ipea.
No setor de energia, a BNDESPar investiu R$ 179,2 milhões na compra de ações da MPX, do bilionário Eike Batista. Essa operação resulta agora numa perda de R$ 71,3 milhões em valor de mercado na carteira do banco. Especialistas questionam se MPX, como outras empresas incentivadas pela compra de participação societária, teria condições de levantar recursos entre investidores privados, no mercado de ações ou de dívida, sem a necessidade de recursos públicos.
- O BNDES deveria focar sua atuação em empresas que têm dificuldade em conseguir dinheiro no mercado. É claro que todo empresário vai preferir recursos do banco, que são subsidiádos. Mas nem todos precisam - avalia Samuel Pessôa, economista do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getulio Vargas (FGV) no Rio. - O BNDES tem um capital humano muito bom, muito bem treinado. Mas o papel institucional do BNDES está envelhecido. Esta é uma política de 20 anos atrás. É preciso modernizá-lo institucionalmente.
Por trás das "perdas" da carteira está o mau momento enfrentado pela Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa). O humor de investidores azedou em meio à crise de países como Grécia e Irlanda. Também pesa a aceleração da inflação e o aumento dos juros no Brasil, o que provoca migração de recursos da Bolsa para a renda fixa. O Ibovespa, índice de referência do mercado, acumula este ano queda de 14,18% até o fechamento da última sexta-feira.
O professor Nelson de Souza, do Ibmec-Rio, lembra que perdas fazem parte dos riscos do mercado de renda variável. Mas acrescenta que a Bolsa sobe e desce de acordo com os ciclos da economia e notícias. Em tese, nada impede, portanto, uma melhora do clima nos mercados mundiais e a recuperação do preço das ações. Nesse cenário, o desempenho da carteira da BNDESPar se recuperaria.
Das seis grandes operações avaliadas pelo GLOBO, a única a registrar ganho foi a compra de ações da BRF-Brasil Foods, em agosto de 2009. A empresa injetou R$ 400 milhões em troca de 10 milhões de ações da companhia, operação que produziu um ganho de R$ 130 milhões em valor de mercado. Mas a aplicação de dinheiro público na companhia não deixa de ser polêmica. Resultado da associação entre Sadia e Perdigão, a fusão vai aumentar a concentração no mercado de alimentos no país, com prejuízo aos consumidores e fornecedores.
Eduardo Fiúza, ex-técnico da Secretaria de Defesa Econômica (SDE) do Ministério da Justiça, discorda da participação de um banco público na operação. Ele afirma que a concepção do governo de eleger "campeões na$" para competir no mercado internacional é equivocada.
- Não faz sentido o governo marombar empresas brasileiras para competir no mercado internacional se elas não terão competição aqui dentro - afirma Fiúza.
Segundo ele, falta transparência na atuação da BNDESPar. As decisões de investimento do braço de participações do banco são tomadas por um comitê gestor, sem consulta prévia ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
- Quando o projeto chega ao Cade, ele já tem uma chancela do governo por meio das participações do BNDES. Aparentemente não existe modelagem, nada, e o governo chancela a operação sem saber os impactos sobre o mercado. São dois lados do governo que não se conversam - acrescenta Fiúza, para quem o governo federal deveria au$a transparência do banco e estabelecer metas mais claras de gestão e atuação.
Na carteira, 11 empresas falidas
Essa falta de transparência foi uma das razões que levaram o Ministério Público Federal (MPF) do Distrito Federal a abrir investigações sobre o interesse do BNDES em participar da polêmica operação entre o Pão de Açúcar e o Carrefour, liderada pelo empresário Abilio Diniz e o banco de investimentos BTG Pactual. A promotoria queria saber a forma como são feitas as escolhas dos projetos a serem financiados pelo banco de fomento.
Além das "perdas" bilionárias, a carteira da BNDESPar retrata erros $política de fomento do banco ao longo de décadas. Das 148 empresas que compõem a carteira de participação societária da BNDESPar, 11 delas estão fechadas ou faliram. A carteira carrega esqueletos de outros tempos e governos, como a Elebra (símbolo da reserva do mercado de informática no país), Casa Anglo Brasileira (dona da antiga rede Mappin, de São Paulo), as Lojas Arapuã e a CTC-Rio, empresa de ônibus do Rio que foi liquidada em 1996.
Parte dos papéis não é retirada da carteira da BNDESPar porque as empresas ainda têm inscrição de CNPJ, embora estejam fechadas. A carteira de ações é o principal ativo da BNDESPar. Ao fim de 2010, essa carteira totalizava R$ 102,89 bilhões. Ela rendeu R$ 2,229 bilhões em dividendos em 2010, queda de 8% frente ao ano anterior. Procurado, oficialmente, o BNDES não se pronunciou.

sábado, 16 de julho de 2011

O GLOBO - 16/07/11 - Nhenhenhenhenem - Coluna Jorge Bastos Moreno

O GLOBO - 16/07/11

Nem a minha amiga Denise Bandeira — que está escrevendo um seriado de ficção política a oito mãos, com Euclydes Marinho, Nelson Motta e Guilherme Fiúza — imaginaria tal situação. Um dos protagonistas da mais recente crise introduziu um novo personagem no cenário dos escândalos: trata- se de uma ministra de Estado, absolutamente louca. Ela simplesmente odeia a presidente. Queres fazer mal a alguém? Basta dizer à ministra que Dilma adora essa pessoa. Ela destrói essa pessoa. É doença! Que as duas nunca se bicaram, até as carpas do Planalto já sabiam. Mas não com essa intensidade toda.

Solidão do poder
O que se diz hoje da Dilma é a mesma coisa que sempre disseram de Ulysses Guimarães:
— A presidente Dilma é uma mulher solitária, na sua intimidade política.

Cabra macho
Luiz Antonio Pagot, um dos protagonistas da mais recente crise, informa que não se importa mais com a sua demissão do cargo de diretor do Dnit. E avisa:
— Quero apenas preservar as minhas honra e dignidade pessoal. Não sairei deste episódio com o nome sujo.

Prosas pantaneiras Como conterrâneo e não como juiz, o ministro Gilmar Mendes e eu rompemos a madrugada dessa sexta recordando os tempos em que eu mandava nele e a colonização de Mato Grosso pelos paranaenses que hoje dominam o estado e o agronegócio do país no mercado mundial.
— Blairo não botou o Pagot no Dnit para roubar, mas para construir estradas de escoamento agrícola. Mas o Dnit foi usado por outros, não por eles, como centro arrecadador de campanhas — disse. Realmente, com um faturamento anual de US$ 4 bi, Blairo não precisa roubar.

A realidade, como sempre, supera a ficção
Euclydes Marinho, sem favor, um dos maiores autores da dramaturgia brasileira, me mostrou a sinopse de uma das cenas do seriado a que me referi lá atrás, passada dentro do fictício “Palácio Copacabana”.
— É tão real — comentei, depois de lê-la. Euclydes, chegou minha vez de te mostrar uma história real com cara de ficção. Inventaram que Dilma tinha de fazer uma festa de seis meses de governo para esconder a baita crise que estamos vivendo. Contrariada, mas, para demonstrar que é flexível, a presidente topou, com uma condição:
— Mas não me tragam um bolo horroroso de casamento como aquele da festa do PT com o PMDB. Nunca vi coisa mais ridícula! Lembra, Euclydes? O bolo de casamento tinha um boneco dela com um do Temer).
Marcado para as sete e meia da noite, no Alvorada, Dilma só chegou uma hora depois. Era outra Dilma, mais simpática impossível. Parecia a Hebe, beijinhos em todo mundo.
Aí, meu caro Euclydes Marinho, vem a coisa mais sensacional. Dilma chamou todo mundo para fora do Palácio: “Vamos tirar fotos deste encontro maravilhooooooso!”. Como um seriado, segue no próximo bloco.

Bota-fora
Os convidados todos correram para a rampa. Cada um queria o melhor lugar. A sessão de fotografias foi muito rápida. E, quando todos se preparavam para retornar com ela de novo para dentro do Palácio, Dilma se despediu dos convidados ali mesmo. Euclydes do céu! A maioria das mulheres tinha deixado as bolsas lá dentro. De vergonha, foram para casa sem elas. Dia seguinte, tinha uma fila de devolução de bolsas, casacos e celulares tão grande que foi preciso senha. O melhor, ninguém se zangou. Todos querem copiar agora o modelo de expulsão.

Concurso de beleza
Depois de ver o apoio de Lula à candidatura de Fernando Haddad para a prefeitura de São Paulo, o governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, me diz: “Também apoio porque ele, além de tudo, é bonito, só que menos que eu.”

Preso pela boca
No Congresso da UNE, Lula era só elogios a Haddad.
Mas agora o ministro não quer mais deixar o MEC.
Depois de 20 anos com a fama de pior cozinha do poder, uma ousada estagiária de gastronomia do Iesb, universidade particular, acaba
de revolucionar o menu e prepara um manjar dos deuses para ele.

Meia mentira
A coluna divulgou, com local e data, uma reunião entre possíveis candidatos de oposição à prefeitura.
Meia verdade.
Realmente, informalmente, inclusive na Assembleia, na Câmara dos Vereadores e até em casamentos, essas pessoas estão conversando sobre eleições de 2012.
Mas aquela reunião, naquele local, não aconteceu. E Marcelo Freixo informa que não conhece pessoalmente Cesar Maia. Não sabe
o que está perdendo!
Não é, Eduardo Paes?!

terça-feira, 12 de julho de 2011

OGlobo: Imprensa é incluída no projeto de poder de Correa

Controle da mídia

Publicada em 11/07/2011 às 23h36m

José Casado (jose.casado@oglobo.com.br)

RIO - Rafael Correa, presidente do Equador, é um fenômeno político. Com apenas 600 dias de carreira pública, no Ministério da Economia, candidatou-se e se elegeu presidente, em 2006. Com 100 dias no poder, reescreveu a Constituição. Antes de completar dois anos de mandato já controlava o Poder Legislativo. Nesta semana, completa um processo iniciado há 18 meses para obter, também, a submissão do Poder Judiciário: uma comissão designada e subordinada ao Executivo vai indicar novos juízes, entre os quais um grupo que poderá interpretar a Constituição equatoriana a favor de seu interesse em um terceiro mandato, em 2014.

O projeto de poder de Correa inclui, é claro, a imprensa. Prepara uma lei para controlar os meios de comunicação em todos os níveis - da propriedade acionária à participação no mercado, passando pelo conteúdo editorial com um comitê governamental específico.
A renúncia de Emilio Palacio, editor de Opinião e colunista do "El Universo", de Guayaquil, é apenas um capítulo nessa batalha.

Correa não gosta de opiniões contrárias, principalmente quando publicadas. Usa os meios de comunicação governamentais para, literalmente, xingar quem discorda. E utiliza tribunais para processar, como pessoa física, quem não concorda com o presidente da República. Quando não pode enfrentar o crítico, acusa o mensageiro. Foi o que fez, por exemplo, ao pedir indenização de US$ 10 milhões contra dois jornalistas, Gustavo Calderón e Christian Zurita. Eles são autores de um livro ("El Gran Hermano") com denúncias do irmão mais velho de Correa, Fabricio, sobre corrupção no gabinete presidencial. "Ele não aceita quem pensa diferente", lembra o irmão do presidente.

Correa, agora, está empenhado em "vender" suas ideias para a América do Sul. Na última quinzena o chanceler equatoriano Ricardo Patiño anunciou a decisão do seu presidente de lutar na União de Nações Sul Americanas (Unasul) para a adoção de "uma lei que regule o conteúdo dos meios de comunicação" em toda a região.

É um sonho que Correa compartilha com vários políticos sul-americanos. Em comum, além da sedução autoritária, eles têm biografias sitiadas por denúncias de corrupção e agressões à democracia.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Concentração no varejo bate recorde, diz pesquisa

Concorrência levou a fusões e aquisições, além do fechamento de lojas sem força para a disputa com gigantes do setor

Publicado em 10/08/2009 | AGÊNCIA ESTADO

A concentração de poder econômico nas grandes redes de comércio varejista brasileiro atingiu em 2008 o nível mais alto desde 2003. A informação é de uma pesquisa da empresa de informações e análises econômico-financeiras Serasa Experian. Numa escala de 0 a 1, na qual 0 significa igualdade total (todas as lojas têm a mesma participação no mercado), e 1 significa concentração total (apenas um estabelecimento detém todo o mercado), o indicador atingiu 0,931 no ano passado, ante 0,909 em 2007. Em 2003, início da série histórica, o índice era de 0,896.

Para calcular os níveis de concentração, a Serasa Experian usou como base dados de 9,8 mil empresas comerciais, que juntas faturaram R$ 268,9 bilhões no ano passado. As explicações para o crescimento da concentração recorde variam de setor para setor. Mas são duas as mais importantes, ressalta o gerente de indicadores de mercado da Serasa Experian, Luiz Rabi. A primeira, são os movimentos de fusões e aquisições. A outra está ligada ao que ele chama de crédito desigual.

Aniele Nascimento/Gazeta do Povo

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Lojas de eletromóveis em Curitiba: setor viu várias redes desaparecerem nos últimos anos
“A dificuldade dos pequenos e médios varejistas em oferecer crédito em condições similares às das grandes redes os fez perder mercado nos últimos anos”, explica Rabi. A principal vantagem dos grandes, segundo ele, é a possibilidade de parcelar o preço da venda à vista em até 10 ou 12 meses sem juros, por meio do uso de cartão da própria loja, coisa que os pequenos e médios não conseguem oferecer.

Concentração

No Brasil, o crescimento da concorrência e da concentração a partir de meados dos anos 90 foi violenta. A abertura e a estabilização da economia viabilizaram os investimentos estrangeiros no setor de distribuição, dando partida a um amplo processo de fusões e aquisições, que atingiu inicialmente o setor de supermercados. Grupos estrangeiros como o português Sonae, o francês Carrefour e o holandês Royal Ahold foram às compras no mercado brasileiro.

No setor de eletroeletrônicos, o processo foi cruel. “Ele se deu muito menos por aquisições e muito mais por fechamento e falência de empresas”,conta o professor Faculdade de Administração e Economia da USP e consultor de varejo, Nelson Barrizzelli. Mais de 180 empresas tiveram problemas, como mostra o caso da Arapuã e o recente processo de recuperação judicial da paranaense Dudony. As que sobreviveram, no entanto, emergiram mais fortes e preparadas.

Para Barrizzelli, o mapa do varejo brasileiro vai sofrer nova e profunda modificação em breve. Por incapacidade de adaptação às novas exigências de competitividade e às novas regras tributárias, 50% dos pequenos varejistas vão sumir ou ser engolidos pelos mais fortes nos próximos dois a três anos.

“A informalidade é que permite ao pequeno concorrer em certo nível de igualdade com o grande”, diz o consultor. “A situação começa a mudar do ponto de vista tributário por dois fenômenos chamados substituição tributária e nota fiscal eletrônica, e a única maneira do pequeno sobreviver vai ser por meio de lucro operacional.”

sábado, 28 de maio de 2011

CONTAG E O NOVO CÓDIGO FLORESTAL

25/05/2011


Há quatro anos a CONTAG vem discutindo propostas de adequação do Código Florestal, reforçando a necessidade de estabelecer o tratamento diferenciado para a agricultura familiar em face das dificuldades dos agricultores diante de um passivo ambiental que colocou grande parte deles na ilegalidade. Por isso, a CONTAG participou dos diversos fóruns de discussão e apresentou um conjunto de propostas que atendesse a demanda da agricultura familiar.

Na noite de 24 de maio, a Câmara dos Deputados aprovou o novo texto do Relator Aldo Rabelo. Ele deverá constituir o novo marco ambiental jurídico e nele está contemplado a maioria das propostas apresentadas pela CONTAG. Entre elas está o conceito de agricultura familiar, previsto na Lei 11.326/2006; o manejo sustentável da área de preservação permanente (APP) e da reserva legal (RL); o uso das áreas de várzeas para plantios temporários; a utilização das (APP) no cômputo da reserva legal (agora somente vale para quem tem mais de 4 módulos fiscais); a comprovação simplificada da reserva legal; a continuidade das atividades nas áreas consolidadas (uva, café, maçã...) para a agricultura familiar, entre outros.

No entanto, o conceito da Agricultura Familiar como parâmetros para estabelecer diferenciação entre agricultura familiar e patronal foi desconsiderado. O relator cedeu às pressões da Bancada Ruralista e estendeu os possíveis benefícios para os grandes produtores, ferindo frontalmente, o princípio da diferenciação proposto pela CONTAG. Rejeita a utilização da nossa proposta e da agricultura familiar para beneficiar a agricultura patronal e o latifúndio. O texto aprovado põe em dúvida a opção pela agricultura familiar, assim como a potencialização de políticas necessárias à sua viabilização.

A aprovação da controvertida Emenda 164 abre para os estados a competência exclusiva da União para legislar e autorizar a supressão de vegetação nos estados e municípios nos casos considerados de interesse social, utilidade pública e de baixo impacto ambiental para atividades agrosilvopastoris, ecoturismo e turismo rural em áreas de preservação permanente. Esta brecha abre possibilidades para a ampliação do desmatamento e de especulação imobiliária, especialmente em áreas de manguezais.

O tema do pagamento por serviços ambientais previsto no texto aparece apenas como uma remota possibilidade, longe de se consolidar em uma política diferenciada de valorização do meio rural para além da produção estritamente agrícola, conforme havia proposto a CONTAG.

A desobrigatoriedade de reserva legal para as propriedades de até quatro módulos fiscais, inclusive para grandes produtores e empresas rurais, não foi proposta da CONTAG. Essa isenção implica deixar de recompor aproximadamente 15 milhões de hectares. A concessão de anistia dos crimes ambientais sem nenhuma distinção e tipificação entre agricultura familiar e a patronal é extremamente danoso e discriminatório para as políticas de meio ambiente. Esta opção penaliza aos agricultores que zelaram e cuidaram dos remanescentes florestais e privilegia a conduta predatória e ilegal sedimentando o caminho aberto da impunidade.

O texto segue agora para a apreciação do Senado, onde poderão ser apreciadas novas emendas. A CONTAG e suas Federações filiadas vão continuar defendendo nossas propostas, sobretudo, de estabelecer no novo Código, o tratamento especial e diferenciado para a agricultura familiar, que é responsável por 70% dos alimentos produzidos no país.



Fonte: Direção da Contag

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Veja como cada deputado votou o texto-base do Código Florestal

Renata Camargo, do Congresso em Foco (via Azenha)

Com a base rachada, o projeto de lei que cria o novo Código Florestal, de autoria do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), mostrou que, no Congresso, a força do Executivo dependerá do teor da matéria. Muito polêmica, a votação do novo código separou o plenário em dois grupos de força: de um lado, ruralistas, que uniram a maioria da base e oposição, e de outro, ambientalistas, que agora terão que traçar novas estratégias para costurar mudanças no texto no Senado.

Do maior partido da Casa, o PT, os votos contrários ao texto de Aldo vieram de 35 deputados. A orientação do partido foi favorável à matéria, mas o líder da bancada, deputado Paulo Teixeira (SP), liberou os parlamentares que quiseram votar contra. Do PMDB, segundo maior partido, todos os parlamentares encaminharam a favor. O PSDB, terceiro partido em tamanho na Câmara, contou apenas com o voto contra do deputado Ricardo Tripoli (SP).

Veja como cada deputado votou o texto-base do relatório de Aldo Rebelo sobre o novo Código Florestal:


DEM
Abelardo Lupion PR Sim
Alexandre Leite SP Sim
Antonio Carlos Magalhães Neto BA Sim
Arolde de Oliveira RJ Sim
Augusto Coutinho PE Sim
Claudio Cajado BA Sim
Davi Alcolumbre AP Sim
Eduardo Sciarra PR Sim
Efraim Filho PB Sim
Eleuses Paiva SP Sim
Eli Correa Filho SP Sim
Fábio Souto BA Sim
Felipe Maia RN Sim
Fernando Torres BA Sim
Guilherme Campos SP Sim
Heuler Cruvinel GO Sim
Hugo Napoleão PI Sim
Irajá Abreu TO Sim
Jairo Ataide MG Sim
Jorge Tadeu Mudalen SP Sim
José Nunes BA Sim
Júlio Campos MT Sim
Júlio Cesar PI Sim
Junji Abe SP Sim
Lira Maia PA Sim
Luiz Carlos Setim PR Sim
Mandetta MS Sim
Marcos Montes MG Sim
Mendonça Prado SE Sim
Onofre Santo Agostini SC Sim
Pauderney Avelino AM Sim
Paulo Cesar Quartiero RR Sim
Paulo Magalhães BA Sim
Professora Dorinha Seabra Rezende TO Sim
Rodrigo Maia RJ Sim
Ronaldo Caiado GO Sim
Vitor Penido MG Sim
Walter Ihoshi SP Sim
Total DEM: 38

PCdoB
Aldo Rebelo SP Sim
Alice Portugal BA Sim
Assis Melo RS Sim
Chico Lopes CE Sim
Daniel Almeida BA Sim
Delegado Protógenes SP Sim
Edson Pimenta BA Sim
Evandro Milhomen AP Sim
Jandira Feghali RJ Sim
Jô Moraes MG Sim
Luciana Santos PE Sim
Manuela D`Ávila RS Sim
Osmar Júnior PI Sim
Perpétua Almeida AC Sim
Total PCdoB: 14

PDT
Ademir Camilo MG Sim
André Figueiredo CE Sim
Ângelo Agnolin TO Sim
Brizola Neto RJ Não
Damião Feliciano PB Sim
Dr. Jorge Silva ES Sim
Enio Bacci RS Sim
Felix Mendonça Júnior BA Sim
Flávia Morais GO Sim
Giovani Cherini RS Sim
Giovanni Queiroz PA Sim
João Dado SP Sim
José Carlos Araújo BA Sim
Manato ES Sim
Marcelo Matos RJ Sim
Marcos Medrado BA Sim
Miro Teixeira RJ Não
Oziel Oliveira BA Sim
Paulo Pereira da Silva SP Sim
Paulo Rubem Santiago PE Não
Reguffe DF Não
Salvador Zimbaldi SP Sim
Sebastião Bala Rocha AP Obstrução
Sueli Vidigal ES Sim
Vieira da Cunha RS Não
Wolney Queiroz PE Sim
Zé Silva MG Sim
Total PDT: 27

PHS
Felipe Bornier RJ Sim
José Humberto MG Sim
Total PHS: 2

PMDB
Adrian RJ Sim
Alberto Filho MA Sim
Alceu Moreira RS Sim
Alexandre Santos RJ Sim
Almeida Lima SE Sim
André Zacharow PR Sim
Aníbal Gomes CE Sim
Antônio Andrade MG Sim
Arthur Oliveira Maia BA Sim
Átila Lins AM Sim
Benjamin Maranhão PB Sim
Camilo Cola ES Sim
Carlos Bezerra MT Sim
Celso Maldaner SC Sim
Danilo Forte CE Sim
Darcísio Perondi RS Sim
Edinho Araújo SP Sim
Edinho Bez SC Sim
Edio Lopes RR Sim
Edson Ezequiel RJ Sim
Eduardo Cunha RJ Sim
Elcione Barbalho PA Sim
Fabio Trad MS Sim
Fátima Pelaes AP Sim
Fernando Jordão RJ Sim
Flaviano Melo AC Sim
Francisco Escórcio MA Sim
Gastão Vieira MA Sim
Gean Loureiro SC Sim
Genecias Noronha CE Sim
Geraldo Resende MS Sim
Henrique Eduardo Alves RN Sim
Hermes Parcianello PR Sim
Hugo Motta PB Sim
Íris de Araújo GO Sim
João Arruda PR Sim
João Magalhães MG Sim
Joaquim Beltrão AL Sim
José Priante PA Sim
Júnior Coimbra TO Sim
Leandro Vilela GO Sim
Lelo Coimbra ES Sim
Luciano Moreira MA Sim
Lucio Vieira Lima BA Sim
Luiz Otávio PA Sim
Manoel Junior PB Sim
Marcelo Castro PI Sim
Marinha Raupp RO Sim
Marllos Sampaio PI Sim
Mauro Benevides CE Sim
Mauro Mariani SC Sim
Mendes Ribeiro Filho RS Sim
Moacir Micheletto PR Sim
Natan Donadon RO Sim
Nelson Bornier RJ Sim
Newton Cardoso MG Sim
Nilda Gondim PB Sim
Osmar Serraglio PR Sim
Osmar Terra RS Sim
Paulo Piau MG Sim
Pedro Chaves GO Sim
Professor Setimo MA Sim
Raimundão CE Sim
Raul Henry PE Sim
Reinhold Stephanes PR Sim
Renan Filho AL Sim
Rogério Peninha Mendonça SC Sim
Ronaldo Benedet SC Sim
Rose de Freitas ES Sim
Saraiva Felipe MG Sim
Solange Almeida RJ Sim
Valdir Colatto SC Sim
Washington Reis RJ Sim
Wladimir Costa PA Sim
Total PMDB: 74

PMN
Dr. Carlos Alberto RJ Sim
Fábio Faria RN Sim
Jaqueline Roriz DF Sim
Walter Tosta MG Sim
Total PMN: 4

PP
Afonso Hamm RS Sim
Aguinaldo Ribeiro PB Sim
Arthur Lira AL Sim
Beto Mansur SP Sim
Carlos Magno RO Sim
Carlos Souza AM Sim
Cida Borghetti PR Sim
Dilceu Sperafico PR Sim
Dimas Fabiano MG Sim
Eduardo da Fonte PE Sim
Esperidião Amin SC Sim
Gladson Cameli AC Sim
Iracema Portella PI Sim
Jair Bolsonaro RJ Sim
Jeronimo Goergen RS Sim
José Linhares CE Sim
José Otávio Germano RS Sim
Lázaro Botelho TO Sim
Luis Carlos Heinze RS Sim
Luiz Argôlo BA Sim
Luiz Fernando Faria MG Sim
Márcio Reinaldo Moreira MG Sim
Missionário José Olimpio SP Sim
Nelson Meurer PR Sim
Neri Geller MT Sim
Paulo Maluf SP Sim
Raul Lima RR Sim
Rebecca Garcia AM Sim
Renato Molling RS Sim
Roberto Balestra GO Sim
Roberto Britto BA Sim
Roberto Dorner MT Sim
Roberto Teixeira PE Sim
Sandes Júnior GO Sim
Simão Sessim RJ Sim
Toninho Pinheiro MG Sim
Vilson Covatti RS Sim
Waldir Maranhão MA Sim
Zonta SC Sim
Total PP: 39

PPS
Arnaldo Jardim SP Sim
Arnaldo Jordy PA Não
Augusto Carvalho DF Sim
Carmen Zanotto SC Sim
César Halum TO Sim
Dimas Ramalho SP Sim
Geraldo Thadeu MG Sim
Moreira Mendes RO Sim
Roberto Freire SP Não
Rubens Bueno PR Sim
Sandro Alex PR Sim
Stepan Nercessian RJ Sim
Total PPS: 12

PR
Aelton Freitas MG Sim
Anthony Garotinho RJ Sim
Aracely de Paula MG Sim
Bernardo Santana de Vasconcellos MG Sim
Diego Andrade MG Sim
Dr. Adilson Soares RJ Sim
Dr. Paulo César RJ Não
Francisco Floriano RJ Sim
Giacobo PR Sim
Giroto MS Sim
Gorete Pereira CE Sim
Henrique Oliveira AM Sim
Homero Pereira MT Sim
Inocêncio Oliveira PE Sim
Izalci DF Sim
João Carlos Bacelar BA Sim
João Maia RN Sim
José Rocha BA Sim
Laercio Oliveira SE Sim
Liliam Sá RJ Não
Lincoln Portela MG Sim
Lúcio Vale PA Sim
Maurício Quintella Lessa AL Sim
Maurício Trindade BA Sim
Neilton Mulim RJ Sim
Paulo Freire SP Sim
Ronaldo Fonseca DF Sim
Sandro Mabel GO Sim
Tiririca SP Sim
Vicente Arruda CE Sim
Wellington Fagundes MT Sim
Wellington Roberto PB Sim
Zoinho RJ Sim
Total PR: 33

PRB
Acelino Popó BA Sim
Antonio Bulhões SP Sim
George Hilton MG Sim
Heleno Silva SE Sim
Jhonatan de Jesus RR Sim
Jorge Pinheiro GO Sim
Márcio Marinho BA Sim
Otoniel Lima SP Sim
Ricardo Quirino DF Sim
Vilalba PE Sim
Vitor Paulo RJ Sim
Total PRB: 11

PRP
Jânio Natal BA Sim
Total PRP: 1

PRTB
Aureo RJ Sim
Vinicius Gurgel AP Sim
Total PRTB: 2

PSB
Abelardo Camarinha SP Sim
Ana Arraes PE Sim
Antonio Balhmann CE Sim
Ariosto Holanda CE Sim
Audifax ES Não
Domingos Neto CE Sim
Dr. Ubiali SP Sim
Edson Silva CE Sim
Fernando Coelho Filho PE Sim
Gabriel Chalita SP Sim
Givaldo Carimbão AL Sim
Glauber Braga RJ Não
Gonzaga Patriota PE Sim
Jefferson Campos SP Sim
Jonas Donizette SP Sim
José Stédile RS Sim
Júlio Delgado MG Sim
Keiko Ota SP Sim
Laurez Moreira TO Sim
Leopoldo Meyer PR Sim
Luiz Noé RS Sim
Luiza Erundina SP Não
Mauro Nazif RO Sim
Pastor Eurico PE Sim
Paulo Foletto ES Sim
Ribamar Alves MA Sim
Romário RJ Sim
Sandra Rosado RN Sim
Valadares Filho SE Sim
Valtenir Pereira MT Sim
Total PSB: 30

PSC
Andre Moura SE Sim
Antônia Lúcia AC Sim
Carlos Eduardo Cadoca PE Sim
Deley RJ Não
Edmar Arruda PR Sim
Erivelton Santana BA Sim
Filipe Pereira RJ Sim
Hugo Leal RJ Sim
Lauriete ES Sim
Marcelo Aguiar SP Sim
Nelson Padovani PR Sim
Pastor Marco Feliciano SP Sim
Ratinho Junior PR Sim
Sérgio Brito BA Sim
Silas Câmara AM Sim
Stefano Aguiar MG Sim
Takayama PR Sim
Zequinha Marinho PA Sim
Total PSC: 18

PSDB
Alfredo Kaefer PR Sim
André Dias PA Sim
Andreia Zito RJ Sim
Antonio Carlos Mendes Thame SP Sim
Antonio Imbassahy BA Sim
Berinho Bantim RR Sim
Bonifácio de Andrada MG Sim
Bruna Furlan SP Sim
Bruno Araújo PE Sim
Carlaile Pedrosa MG Sim
Carlos Alberto Leréia GO Sim
Carlos Brandão MA Sim
Carlos Roberto SP Sim
Carlos Sampaio SP Sim
Cesar Colnago ES Sim
Delegado Waldir GO Sim
Domingos Sávio MG Sim
Duarte Nogueira SP Sim
Dudimar Paxiúba PA Sim
Eduardo Azeredo MG Sim
Eduardo Barbosa MG Sim
Hélio Santos MA Sim
João Campos GO Sim
Jorginho Mello SC Sim
Jutahy Junior BA Sim
Luiz Carlos AP Sim
Luiz Fernando Machado SP Sim
Luiz Nishimori PR Sim
Manoel Salviano CE Sim
Mara Gabrilli SP Sim
Marcio Bittar AC Sim
Marcus Pestana MG Sim
Nelson Marchezan Junior RS Sim
Otavio Leite RJ Sim
Paulo Abi-Ackel MG Sim
Pinto Itamaraty MA Sim
Raimundo Gomes de Matos CE Sim
Reinaldo Azambuja MS Sim
Ricardo Tripoli SP Não
Rodrigo de Castro MG Abstenção
Rogério Marinho RN Sim
Romero Rodrigues PB Sim
Rui Palmeira AL Sim
Ruy Carneiro PB Sim
Valdivino de Oliveira GO Sim
Vanderlei Macris SP Sim
Vaz de Lima SP Sim
Wandenkolk Gonçalves PA Sim
William Dib SP Sim
Total PSDB: 49

PSL
Dr. Francisco Araújo RR Sim
Dr. Grilo MG Sim
Total PSL: 2

Psol
Chico Alencar RJ Não
Ivan Valente SP Não
Total Psol: 2

PT
Alessandro Molon RJ Não
Amauri Teixeira BA Não
André Vargas PR Sim
Angelo Vanhoni PR Sim
Antônio Carlos Biffi MS Não
Arlindo Chinaglia SP Sim
Artur Bruno CE Não
Assis do Couto PR Sim
Benedita da Silva RJ Sim
Beto Faro PA Sim
Bohn Gass RS Sim
Cândido Vaccarezza SP Sim
Carlinhos Almeida SP Sim
Carlos Zarattini SP Sim
Chico D`Angelo RJ Não
Cláudio Puty PA Não
Décio Lima SC Sim
Devanir Ribeiro SP Sim
Domingos Dutra MA Não
Dr. Rosinha PR Não
Edson Santos RJ Sim
Eliane Rolim RJ Sim
Emiliano José BA Sim
Erika Kokay DF Não
Eudes Xavier CE Não
Fátima Bezerra RN Não
Fernando Ferro PE Não
Fernando Marroni RS Não
Francisco Praciano AM Não
Gabriel Guimarães MG Sim
Geraldo Simões BA Sim
Gilmar Machado MG Sim
Henrique Fontana RS Não
Janete Rocha Pietá SP Não
Jesus Rodrigues PI Não
Jilmar Tatto SP Não
João Paulo Lima PE Não
João Paulo Cunha SP Sim
Jorge Boeira SC Sim
José De Filippi SP Sim
José Guimarães CE Sim
José Mentor SP Sim
Joseph Bandeira BA Sim
Josias Gomes BA Sim
Leonardo Monteiro MG Não
Luci Choinacki SC Sim
Luiz Alberto BA Não
Luiz Couto PB Sim
Márcio Macêdo SE Não
Marco Maia RS Art. 17
Marcon RS Não
Marina Santanna GO Não
Miriquinho Batista PA Sim
Nazareno Fonteles PI Não
Nelson Pellegrino BA Sim
Newton Lima SP Não
Odair Cunha MG Sim
Padre João MG Não
Padre Ton RO Não
Paulo Pimenta RS Não
Paulo Teixeira SP Sim
Pedro Eugênio PE Sim
Pedro Uczai SC Não
Policarpo DF Sim
Professora Marcivania AP Não
Reginaldo Lopes MG Sim
Ricardo Berzoini SP Sim
Rogério Carvalho SE Não
Ronaldo Zulke RS Sim
Rui Costa BA Sim
Ságuas Moraes MT Sim
Sérgio Barradas Carneiro BA Sim
Sibá Machado AC Não
Taumaturgo Lima AC Sim
Valmir Assunção BA Não
Vicente Candido SP Sim
Vicentinho SP Sim
Waldenor Pereira BA Não
Weliton Prado MG Sim
Zé Geraldo PA Sim
Zeca Dirceu PR Sim
Total PT: 81

PTB
Alex Canziani PR Sim
Antonio Brito BA Sim
Arnaldo Faria de Sá SP Sim
Arnon Bezerra CE Sim
Celia Rocha AL Sim
Danrlei De Deus Hinterholz RS Sim
Eros Biondini MG Sim
João Lyra AL Sim
Jorge Corte Real PE Sim
José Augusto Maia PE Sim
José Chaves PE Sim
Josué Bengtson PA Sim
Jovair Arantes GO Sim
Nelson Marquezelli SP Sim
Nilton Capixaba RO Sim
Paes Landim PI Sim
Ronaldo Nogueira RS Sim
Sabino Castelo Branco AM Sim
Sérgio Moraes RS Sim
Silvio Costa PE Sim
Walney Rocha RJ Sim
Total PTB: 21

PTC
Edivaldo Holanda Junior MA Sim
Total PTC: 1

PTdoB
Cristiano RJ Sim
Lourival Mendes MA Sim
Luis Tibé MG Sim
Total PTdoB: 3

PV
Alfredo Sirkis RJ Não
Antônio Roberto MG Não
Dr. Aluizio RJ Não
Fábio Ramalho MG Não
Guilherme Mussi SP Não
Lindomar Garçon RO Não
Paulo Wagner RN Não
Ricardo Izar SP Não
Roberto de Lucena SP Não
Roberto Santiago SP Não
Rosane Ferreira PR Não
Sarney Filho MA Não
Total PV: 12

quarta-feira, 25 de maio de 2011

A implacável lógica da política brasileira

Fabiano Santos, cientista político

Imprevisibilidade quase sempre associada a uma lógica implacável, eis uma das verdades elementares da política. Vejam os casos da criação e sucesso imediato do PSD, levada a cabo por liderança sem expressão nacional; e a recente controvérsia legislativa em torno da votação do novo Código Florestal.

Não é tão difícil perceber que o novo partido conservador surge como resultado daquilo que os cientistas políticos costumam chamar de realinhamento. A centro-direita brasileira, representada pelos partidos que compuseram a coalizão de apoio à administração do presidente Fernando Henrique Cardoso, demonstra sinais visíveis de decomposição e exaustão. Boa parte do bloco deslocou-se para o centro, acomodando sua agenda e persuadindo apoios tradicionais, no sentido de aderir ao projeto governista de centro-esquerda, representado pelos oito anos de governo Lula e a bem sucedida campanha de eleição de Dilma Rousseff. A parte que ficou na oposição ou vê minguar de forma significativa seus quadros, no caso do DEM, ou, no caso do PSDB, se enreda em disputas de cúpula pelo controle das instâncias decisórias fundamentais do partido.

O surgimento do Partido Social Democrata (PSD) é revelador porque remete à implacável lógica da política em contextos de democracia representativa associada à economia de mercado. A proposição é simples: não existe opção partidária viável sem que suas lideranças estejam articuladas com as forças vivas da vida econômica. Estas, por ora, ou se encontram associadas ao projeto governista, ou não veem seus interesses representados na atual roupagem assumida pela oposição. Nesse sentido, o PSD aparece como experimento de um subconjunto das elites políticas conservadoras em busca de seus apoios e agrupamentos "naturais". "Ir" ao governo, nesse caso, não é mera capitulação ao canto de sereia governista. Trata-se de nítida tentativa de rearticulação de setores politicamente órfãos, como é exemplo típico o agribusiness, com as demais forças empresariais do país, movimento cujo sentido é exatamente o de permitir à direita política uma voz mais ativa no processo de expansão do capitalismo brasileiro.

Conflitos de cúpula afastam partidos de interesses econômicos

O caso do conflito em torno da votação do novo Código Florestal é ainda mais rico naquilo que expressa a lógica implacável da política brasileira contemporânea. O quadro é aparentemente confuso: o PCdoB, partido de esquerda, aliado histórico do PT e do governo, apresenta substitutivo que é apoiado pela oposição mais radical e setores econômicos avessos, nos símbolos e nos interesses, a tudo aquilo que a atual coalizão hegemônica vem realizando. O PT, de forma até certo ponto surpreendente, considera inaceitáveis a anistia de multas e a diminuição do tamanho das reservas legais, artigos essenciais ao relatório de Aldo Rebelo, pelo que representa em termos de acomodação dos interesses do agribusiness com as expectativas da agricultura familiar.

A essência da atuação do PCdoB é clara e evidente: preservar a soberania nacional sobre o solo pátrio, permitindo aos setores do capital e do trabalho boas condições de utilização de nossos recursos na geração de riqueza. A coalizão com os ruralistas vem daí. A rejeição do PT ao acordo, no entanto, é mais complexa e potencialmente explosiva.

O PT assume o governo em 2002 com votação parecida com a que vinha obtendo nos pleitos anteriores, acrescida de setores do capital e das classes médias descontentes com o fraco desempenho da centro-direita em final de mandato. Ao longo de seu primeiro governo e, com mais intensidade no segundo, Lula redefine a coalizão de apoio que historicamente propunha um governo petista ao país. Faz isso consolidando o apoio de segmentos expressivos do setor empresarial e nacionalizando o apoio ao trabalhismo através de políticas voltadas para a camada social excluída. Não é exagero dizer que o governo de Lula promove o encontro do PT com a questão nacional ao formular estratégia de expansão do capitalismo brasileiro em bases mais humanas e organizadas do que aquelas que observamos durante o período militar e até mesmo durante o desenvolvimentismo.

A perda da classe média, entretanto, visível nos mapas eleitorais das eleições de 2006 e 2010, não é absorvida pela cúpula partidária, localizada em São Paulo. Não há chance de vitória neste Estado sem seu apoio. Não há chance, sobretudo, de derrotar seu principal inimigo - o PSDB paulista. A questão nacional para o PT pós-Lula transforma-se unicamente na perspectiva de derrotar os tucanos em solo bandeirante. Aqui entra então o endurecimento na negociação do Código Florestal. O que vemos, na verdade, é a tentativa de resgatar para o seio do partido parcelas da classe média perdida e que dão o voto de minerva em eleitorados como o de São Paulo. Se o namoro com os verdes e com os eleitores de Marina Silva adquire agora inteligibilidade, nada mais longe dos interesses envoltos na expansão do capitalismo brasileiro e das possibilidades de aprofundamento de uma agenda trabalhista. Namoro que na ótica da esquerda nacionalista significa tão somente recepcionar uma agenda ecológica de inspiração exógena.

Dilemas e conflitos de cúpula afastam os principais partidos do cenário político atual dos reais interesses econômicos dos brasileiros. No caso da direita a doença é mais antiga e o realinhamento partidário é um experimento de solução. No caso da esquerda, seu principal partido fornece sinais visíveis de trocar o nacional pelo local, o curto pelo longo prazo. Talvez ainda não seja o caso de se prescindir da liderança lulista.

Fabiano Santos é cientista político e professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

terça-feira, 24 de maio de 2011

Sobre o Trem-Bala

Trem-bala: debate contaminado por argumentos insustentáveis

Por José Augusto Valente – Diretor Técnico do TI
O artigo do ex-governador de SP, Alberto Goldman, na Folha de São Paulo (6/5/2011), sob o título “Trem bala: não há nada que o justifique”, traz argumentos que confundem a natureza de um empreendimento como o trem-bala com os serviços públicos do modal ferroviário. Os argumentos que pretendem fundamentar “a não justificação do empreendimento” são insustentáveis e tentaremos demonstrá-lo, a seguir.

O principal argumento do articulista é o seguinte “A rede de metrô de São Paulo é de 70 km. Custaria hoje, para ser construída, de R$ 21 a R$ 28 bilhões. Menos que o TAV, que não transportará 5% do que uma linha do metrô paulista transporta. Com os seus recursos, poderíamos construir mais de 100 km de metrô em todo o país, atendendo milhões de brasileiros. O TAV só se justificaria econômica, social e moralmente se as demandas por transporte público, metropolitano, regional e aéreo, e pelo transporte ferroviário de cargas estivessem equacionadas. Cumprida essa missão, aí, sim, colocar-se-ia a questão da construção de um trem de alta velocidade.”

Essa afirmação não se sustenta, e podemos demonstrar. Os trens urbanos e os metrôs - que são primos de primeiro grau - caracterizam-se como transporte de massa, movimentando dezenas de milhares de passageiros/hora. Tanto o metrô quanto o trem urbano ou metropolitano exigem vultosos recursos de investimento que não podem impactar nas tarifas, exatamente por se tratar de transporte de massa. Desse modo, em todo o mundo, os investimentos de implantação e de aumento de capacidade do transporte de massa é financiado por recursos públicos, podendo ter operação privada (Rio de Janeiro) ou pública (São Paulo).

No metrô, nos trens urbanos e nos metropolitanos, a operação – que pode ser feita pela iniciativa privada – é retornada, parcial ou totalmente, pela tarifa e esta tem que ser módica para garantir que grande parte ou a totalidade da população possa utilizar esses sistemas. Independentemente do modelo de gestão adotado, é sempre subsidiado.

Um dos principais argumentos contra o projeto do trem-bala Rio-SP-Campinas, em processo de licitação, diz respeito à decisão de aplicação dos 30 ou 50 bilhões de reais nesse empreendimento. O articulista alega que a melhor decisão seria a de destinar esses recursos na ampliação da capacidade de metrôs e trens urbanos. Não há dúvida de que essa destinação é necessária e inadiável. O PAC 1 e 2 tentam acelerar a resolução desse problema.

Entretanto, o que inviabiliza essa decisão é a impossibilidade de poder escolher“não fazer o trem-bala para fazer metrôs e trens”.

Como mencionado acima, trens urbanos e metrôs são transporte de massa. O aumento de capacidade, com expansão de linhas, é altamente oneroso. Suas tarifas, por outro lado, têm que ser, obrigatoriamente, módicas, o que significa que têm que ser subsidiadas. Essas duas condições, que ocorrem simultaneamente, inviabilizam que a iniciativa privada participe integralmente nesse processo, exceto na operação.

Assim, para a expansão das linhas e aumento da capacidade do transporte por metrô e trens é o governo estadual o destinatário dos recursos do BNDES ou de qualquer outra agência de fomento. Atualmente, para liberação desses financiamentos, é necessário que o governo tenha capacidade de endividamento, o que está se tornando cada vez mais difícil.

Para se ter idéia do que estou dizendo, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) aprovou, em abril de 2010, financiamento de R$ 766 milhões à Companhia do Metropolitano de São Paulo para a expansão da rede metroviária da cidade de São Paulo. Nota do BNDES, na ocasião, dizia: “Trata-se de um dos maiores financiamentos aprovados pelo banco para o setor de transporte público urbano”. O financiamento do BNDES correspondia a 13% do investimento total do projeto, de R$ 6 bilhões.

Outros recursos para o projeto viriam, segundo a nota, do Banco Mundial (BIRD) e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), além de contrapartida do Estado de São Paulo.
É óbvio que esses recursos nem de longe serão retornados via pagamento das tarifas pelos usuários. Trata-se de “dinheiro afundado”, a ser bancado pelos contribuintes em geral e não, apenas, pelos usuários do sistema.

No caso do trem-bala, em processo de licitação, ao contrário, será uma empresa que receberá os recursos do BNDES. Com estes recursos, a empresa viabilizará o seu fluxo de caixa - pagamento do financiamento, demais despesas e lucro -, juntamente com as receitas do empreendimento, ao longo do período de concessão. O usuário do trem-bala, em última análise, é quem financiará esse empreendimento e não todos os contribuintes. Como trata-se de um serviço de transporte como o avião, a tarifa não tem que ser módica e sim aquela que permita o retorno do investimento realizado, a uma TIR atrativa para o empreendedor.
Assim, pode-se discutir fazer ou não fazer o trem-bala ou, ainda, se é para fazer, qual o melhor conceito a utilizar. Entretanto, não se pode discutir não fazer o trem-bala para fazer metrôs.

Há um outro erro recorrente nas avaliações que é o de analisar o trem de alta velocidade considerando apenas os benefícios econômicos do empreendimento. Grande parte dos grandes investimentos de serviços públicos não suportam essa lógica. Há um conjunto de benefícios intangíveis, que nunca são mencionados, tais como:

i) Redução da quantidade de viagens de avião, de ônibus e de automóveis – cujos passageiros e condutores seriam desviados para o trem – , com a conseqüente redução da emissão de poluentes decorrentes da queima de combustíveis fósseis dessas modalidades de transporte;
ii) Redução da poluição sonora para a população que mora na área de abrangência de pousos e decolagens em aeroportos como o Santos Dumont e Congonhas;
iii) Oferta de maior conforto e segurança aos passageiros que se disponham a pagar a tarifa do trem;
iv) Redução do tempo total de deslocamento entre a origem e destino do passageiro;
v) Redução das necessidades de investimentos pesados, na ampliação da capacidade aeroportuária e rodoviária;
vi) Implantação, consolidação e crescimento da indústria de trens de alta e altíssima velocidade, no país, propiciando ao país se tornar um dos principais “players” mundiais, como ocorre hoje com a Embraer

Atualmente, a industria ferroviária dispõe de trens de alta velocidade (imagem acima) - que atingem até 250 km/h - e de altíssima velocidade (trem-bala) - que atingem velocidades máximas entre 300 e 500 km/h.
Este fato enseja, portanto, um debate coerente que pode ser feito, mas que ainda não está ocorrendo. Trata-se de escolher entre o conceito de trem de alta velocidade (até 250 km/h) e o de altíssima velocidade (entre 300 e 500 km/h).

Essa escolha exige estudos de viabilidade técnico-econômica que considerem o quanto o trem de alta velocidade pode atrair de passageiros. De forma intuitiva, é possível visualizar que um trem pendular, com velocidade máxima de 250 km/h, pode fazer o percurso Rio-São Paulo em, no máximo, duas horas e meia, com algumas paradas em cidades estratégicas como Barra Mansa e São José dos Campos, que contribuirão com o aumento da demanda.

O estudo mostrará se essa velocidade é ou não atrativa para os usuários de avião. Sabe-se que, embora o tempo de vôo entre as duas cidades seja de uma hora, gasta-se um bom tempo de deslocamento até e desde o aeroporto, mais o tempo necessário para check-in e taxiamento do aviao, entre outros tempos e movimentos a considerar.

Uma outra vantagem para o trem de alta velocidade é que ele é pontual, já que chuvas, neblina, nuvens e outras intempéries – que provocam atrasos nos vôos – não afetam os horários de partida e de deslocamento dos trens.

Agregue-se a isso o fato de que os custos de implantação e operação do trem de alta velocidade (até 250 km/h) são bem menores do que os do trem-bala. O que significa que, para uma mesma demanda de passageiros, ou um pouco inferior, a tarifa será, também, bem menor do que a do trem-bala, contribuindo para aumentar a atratividade do sistema.

Como penso ter demonstrado, se eliminarmos os argumentos insustentáveis desse debate chegaremos à conclusão de que o trem de alta ou de altíssima velocidade é uma necessidade, já que é pontual, seguro, confortável, agradável, ambientalmente correto e pode ter um preço atraente para o usuário, cabendo, apenas, a discussão do conceito e da tecnologia a ser adotada.

A favor dessa alternativa, conta o fato de que pode ser totalmente, ou em grande parte, financiado pelo usuário através das tarifas. Muitas capitais e cidades de grande porte poderão ser interligadas, garantindo um patamar superior de transporte de passageiros, na média e longa distância, criando uma rede com alta demanda.

Dispensar essa opção é abrir mão de desenvolver um modal de transporte de passageiros que – queiramos ou não – representa um dos elementos de sustentabilidade para o futuro do país e da América do Sul, com o Brasil país jogando um papel estratégico no desenvolvimento econômico e social da região.

José Augusto Valente – Diretor Técnico do TI

sábado, 14 de maio de 2011

"É a expectativa de poder que explica o PSD"

Autor(es): Murillo Camarotto e Maria Cristina Fernandes | Do Recife
Valor Econômico - 13/05/2011



Depois de acompanhar todo o processo que resultou na criação do PSD, o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, fala com tranquilidade sobre os rumos tomados pelo partido do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab. Defende a legitimidade da legenda, que vem a ocupar um lugar que foi do PDS e depois, do PFL, como um espaço para um conjunto de forças que precisa de uma perspectiva de poder.

Aos 45 anos, o governador de Pernambuco não especula sobre 2014. Diz que a vez é de Dilma. Na entrevista, concedida na tarde de quarta-feira no Palácio do Campo das Princesas, sede do governo, Campos diz que a presidente resgatou os valores que emergiram da campanha de 2010 para além da polarização do PT x PSDB. Interrompida apenas por um telefonema do ministro Édison Lobão, que trataria de uma especulação, já desmentida, de uma usina nuclear no Estado, a conversa com o Valor é a que segue:

Valor: Só se fala em obras nesse país premido pelo gargalo da infraestrutura e às vésperas da Copa. O programa nacional de seu partido na TV fala na cultura do fazer. Não tem cimento demais e massa cinzenta de menos nesses investimentos?

Eduardo Campos: O Brasil precisa, sim, seguir acumulando as condições de aproveitar a janela demográfica que nos dê, nos próximos 20 a 30 anos, a possibilidade de acumular riqueza para suportar um ciclo de crescimento com qualidade de vida para os que, daqui a pouco, entrarão na terceira idade. Isso nos impõe uma preocupação de política econômica e de desenvolvimento social, um olhar na educação, na inovação tecnológica, na pesquisa aplicada, que possa resultar em um aumento da produtividade. O gargalo de infraestrutura já está sendo enfrentado. Demora, mas ele é conhecido, tem soluções e precisa mais de dinheiro do que de conhecimento e técnica. Mais de espaço fiscal, de modelos de financiamento alternativos, concessão, PPP e mais PAC. Mas, no centro do projeto de país está o investimento em inovação. Porque parte desse investimento em massa cinzenta vai fazer com que a gente dê qualidade ao gasto público. Essa massa de brasileiros que estão ascendendo socialmente não é a expressão da classe média que estamos acostumados a lidar. Eles continuarão a precisar do serviço público, diferente da classe média tradicional, que fugiu da escola, do SUS e até da segurança pública. Eles ascenderam não por obra e graça do espírito santo, não foi por favor, foi por muita luta. Sabem que precisam se capacitar senão recuam.

Valor: Antes da posse da presidente Dilma Rousseff, o senhor afirmou que ela precisaria fazer um apelo à classe média...

Campos: Ela fez. Com imprensa, política externa, direitos humanos, valores... A eleição de 2010 foi muito despolitizada. Do jeito que ela foi tocada - e aí eu não quero fazer nenhum juízo de valor, porque está no fato, vocês relataram -, o fato é que ela não legou para o pós-eleição o debate de projetos que ficaram. A disputa não legou um pensamento para ser disputado. O único pensamento que se expressou foi o da candidatura Marina, onde uns colocavam a sustentabilidade, outros os direitos humanos, outros da ocupação dos cargos públicos. Então, era o voto de quem não queria negar os avanços de Lula, mas também não queria dar uma vitória no 1º turno. A presidente, eleita, fez uma leitura rápida dos resultados, viu esses valores e aproximou-se deles, com os quais ela tem identidade histórica. Daí vem uma certa surpresa positiva de muita gente que sequer votou nela.

"Dilma acenou aos valores que emergiram em 2010, mas o PT foi na mão inversa refiliando Delúbio"

Valor: O partido da presidente está imbuído desses valores a partir do momento em que reincorpora Delúbio Soares?

Campos: Dilma fez a leitura desses valores emergentes com grande legitimidade dada a caminhada dela e de muitas pessoas do próprio PT. Quem a conhece sabe que esses valores reafirmados depois das eleições ela sempre os teve. Agora, uma coisa é um movimento que ela faz, outra coisa é o do partido.

Valor: O senhor reconhece que não são movimentos que caminham na mesma direção?

Campos: São movimentos que caminham em direção contrária, mas ela tem responsabilidade sobre os movimentos que faz e sobre a Presidência. E cabe aos dirigentes do PT explicarem porque levaram Delúbio de volta.

Valor: No que sua posição sobre essa necessidade de se atingir a classe média difere do que defendeu o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso no artigo em que ele sugeriu à oposição que se voltasse para essa camada da população?

Campos: Você tem duas formas de discutir o documento: pinçando uma frase e fazendo uma luta política ou pegando todo o texto, como eu peguei duas vezes, e vendo que ali está um esforço orgânico de um intelectual e militante político experiente, pensando como rearranjar a oposição. Eu não vi ninguém da oposição fazer um esforço desses. E com uma visão estratégica correta. Há um novo Brasil, construído por todos nós, por avanços que aconteceram nos governos FHC e Lula que mexeram na desigualdade. Isso transformou a realidade e ninguém pode transformar o que vem adiante se não compreender o que houve. Quem mais precisa compreender? Quem ganhou ou quem perdeu? Quem perdeu! Caso contrário não encontra o caminho de ganhar. A Dilma rapidamente leu as posições que saíram das eleições e se aproximou de valores que estavam sendo questionados. A oposição demorou a fazer. Precisou o Fernando Henrique escrever o texto. Ele foi mal interpretado em uma frase e o debate não prosseguiu.

Valor: O senhor cultiva a ideia da meritocracia na gestão pública. Na educação, um dos subprodutos é a bonificação de professores. Esse tema está em crise nos EUA, de onde se originou, e em São Paulo. E em Pernambuco, qual a avaliação que se faz hoje do programa?

Campos: Estamos seguindo. Temos o programa implantado há três anos. É um período muito curto para um julgamento. Não é só uma política de bonificação que vai fazer uma escola funcionar de forma adequada. Tem vários outros mecanismos como qualificação, conteúdos que despertem maior interesse, jogos educativos, suplementação de aula à distância. Um dia você vai poder fazer uma pesquisa para saber o que ajudou mais. E até a influência da chegada de uma geração que teve oportunidade de passar por creche e foi alfabetizada no tempo certo. Nenhum projeto isoladamente consegue resolver o desafio da educação.

Valor: O senhor se filia aos que acreditam que as medidas macroprudenciais podem servir no combate à inflação ou acha que a política monetária está arriscando demais?

Campos: Não vejo nenhuma mudança substancial na política monetária, a não ser no campo da especulação. A equipe do Banco Central é praticamente a mesma. Saiu um presidente, ficou um indicado pelo que saiu. A inflação não é brasileira, mas global. Há um contingente de preços administrados por regras, ainda do processo das privatizações, que fazem com que os serviços estejam subindo acima dos produtos marcados pela demanda. Estamos em uma escalada de juros há quatro meses, a inflação de demanda já projeta convergência para o centro da meta, e temos aí um outro problema: na hora que o juro real sobe para ser efetivamente o mais alto do mundo, com o conceito que o Brasil ganhou lá fora, você enfrenta uma entrada de dólar que deprecia o câmbio e que se, por um lado, ajuda no combate à inflação, por outro ajuda a destruir a indústria. Então, você tem que fazer, a um só tempo, movimentos que equilibrem os preços relativos e que segurem a inflação sem depreciar o câmbio demais e manter o crescimento em torno dos 4%. É isso que se está tentando fazer. Se você só elevar o juro, pode não ter resposta na inflação e ganhar outros complicadores. É como um remédio que não cura a doença e gera outra.

"O texto de FHC é um esforço de um intelectual e político experiente para rearranjar a oposição"

Valor: A presidente tem um apoio histórico no Congresso. A agenda do governo no Congresso reflete essa base? A agenda não é pouco ambiciosa frente à facilidade que se tem para a aprovação? Qual seria a sua agenda prioritária?

Campos: É uma faca de dois gumes. Ela vai ter mais objetividade nessa agenda, até aprendendo com as experiências dos governos que sucede. Ela tem uma base larga, mas essa base não é para votar tudo e qualquer coisa. Se for para votar contra interesse da própria base, em alguma medida essa base vai querer interferir na formação do governo.

Valor: Quais os temas seriam sensíveis para fraturar essa base?

Campos: Uma reforma tributária que vá alterar a estrutura e a lógica do sistema tributário essa base não aguenta. Agora, ajustes para que ele fique mais racional, menos cumulativo, que ganhe alguma atualidade, dá. Desonerar folha de pagamento, não permitir incentivos fiscais de ICMS nas importações, por exemplo. Agora, se for discutir se o imposto é sobre consumo ou renda, aí nem os partidos historicamente próximos da presidente aguentam fazer esse debate.

Valor: O senhor acredita que a necessidade de contemplar uma base tão heterogênea pode acabar inibindo o governo?

Campos: Ela não está contemplando, pelo contrário. Ela vai precisar contemplar se ficar mandando muita coisa. Se ela mandar o que passa naquele Congresso, e o que vocês, na imprensa, vão apoiar, o que as entidades representativas da sociedade vão apoiar, pode ser coisa singela, mas dá pra ser feito, é o que é possível.

Valor: E o que é possível ser feito para não levantar essas demandas que paralisariam o governo?

Campos: Acho que tem que cravar um pensamento sobre duas reformas: tributária e política. Todo mundo fala sobre elas e nada acontece. Você deveria pautar para 2022, que é uma data símbolo para o Brasil, chegar com as reformas tributária e política feitas. Que não é só uma reforma eleitoral: é uma reforma de como o Estado se organiza, se relaciona com a sociedade, como funciona o Poder Judiciário, quais os principais códigos de processo no Brasil.

Valor: O PSB apoia o voto em lista proposto pelo PT?

Campos: Não. Acho que a lista tem que ser arrumada pelo povo. É mais democrático do que se nós dirigentes partidários fizermos o papel da sociedade. Não concordo. Agora, mandato de cinco anos, fim da reeleição, coincidência de eleições de todos os níveis no mesmo ano, são coisas que o PSB já amadureceu um debate em torno.

Valor: E o fim das coligações?

Campos: Era um ponto para ser apreciado, mas fazer uma reforma só para o fim das coligações, aí não seria reforma. Aí é só o jogo eleitoral dos grandes partidos ou dos médios partidos.

Valor: O que se faz para tirar do Judiciário essa prerrogativa de legislar a política, a chamada judicialização da política?

Campos: Quem tem que legislar é o Congresso. É uma responsabilidade de nós, dirigentes partidários, e dos parlamentares. Desde que começamos o processo de abertura política no Brasil, toda eleição tinha uma lei nova. Agora tem uma resolução nova. Nesse aspecto, retroagimos. Precisamos ter uma lei que estruture o processo eleitoral brasileiro.

Valor: A cada tentativa de amarrar o sistema político, a própria política dá um jeito de desamarrar. A criação do PSD não é uma resposta da política ao instituto da fidelidade partidária?

Campos: Fidelidade partidária é algo que vem da consciência. Eu mesmo tive todos os meus mandatos em um só partido. E não é porque está na lei. Não é uma questão de discutir de forma isolada. O fato é que houve transformações no país que vão se expressando na cena política. Essas mudanças econômicas, políticas e sociais também se expressam no quadro partidário. O PSDB não existiria se houvesse fidelidade partidária, pois todo mundo saiu do PMDB. O PT não teria surgido se não tivesse a anistia e as pessoas não pudessem sair de partidos clandestinos e de juntarem com outros, que vieram do MDB, e formar um novo partido. O PSDB e o PT nasceram de um oportunismo? Não. Nasceram de um processo histórico e de circunstâncias que se colocaram diante de um conjunto de políticos e personalidades.

Valor: E o PSD nasce de que processo histórico?

Campos: O PSD nasce de um processo que é assemelhado ao que o PDS nasceu. Esgotou-se a Arena como partido majoritário. Uma parte sai para o PP, com um bloco que vinha do MDB mais moderado. Aí você tinha o PDS com uma nova roupagem para disputar a eleição de 1982. O PDS se inviabiliza com o fim do regime militar. Sai uma tropa para formar o PFL, para garantir a transição democrática, apoiar o Tancredo Neves. Esse mesmo PFL viabiliza uma aliança com Fernando Henrique para a Presidência. Ganha o Lula e o PFL se vê na oposição pela primeira vez. E aí, vê que suas principais lideranças saíram da cena majoritária e era necessária uma renovação para ocupar espaço entre os formadores de opinião e ter um projeto de poder. Esse projeto fica inconcluso, não se projeta pela aliança com o PSDB. Então um conjunto de forças, vendo a falta de perspectiva naquele caminho, resolve dar uma guinada, com pessoas que possam se aproximar do projeto de governo que está três vezes vitorioso e do qual participam forças que se assemelham do ponto de vista de pensamento, de caminhada e de prática política. Esse conjunto que sempre esteve participando do governo, ao cabo de oito anos fora dele resolve mudar pra ser o que eles sempre foram: base de governo.

Valor: Voltar para onde nunca gostariam de ter saído...

Campos: Porque a oposição não foi capaz nem de gerar o espaço de poder que eles tinham e nem de apontar a perspectiva dele. Duas coisas seguram um conjunto político: o poder e a perspectiva de poder. Eles perderam três eleições e a perspectiva foi perdida. As pessoas decidiram tomar outro rumo.

Valor: O senhor acompanhou esse processo desde o início. O PSD não ficou maior que a encomenda?

Campos: Sim, porque terminou sendo a grande janela dos insatisfeitos que só tinham um lugar pra ir: o PSD.

Valor: O PSD vai ficar maior que o PSB no Congresso. Isso não o incomoda?

Campos: Não. Temos uma boa relação com o PSD e com os que estão à frente desse projeto.

Valor: Diante da crise que o PSDB está vivendo, o senhor acredita que a eleição de 2014 será novamente polarizada ou o PSDB corre o risco de estar fora dessa arena?

Campos: Não vejo como, nesse espaço de tempo, o PSDB deixar de ter um papel de relevância e expressão em 2014. Até porque o PSDB ganhou Estados importantes, teve uma vitória em Minas, em São Paulo, no Paraná. Inegavelmente não vive um momento bom, porque além de perder três eleições seguidas e não construir uma unidade interna, mais grave ainda é não encontrar o mote, o conjunto de ideias que reúna as pessoas e que possa despertar atenção no país. As grandes vitórias nas lutas políticas não foram construídas do Brasil oficial para o real, mas da rua para o mundo oficial dos partidos e do Parlamento. A própria vitória que o PSDB teve com FHC veio da rua, que sentia a estabilidade econômica mudar a vida de pessoas que tinham seus salários corroídos pela inflação, de um momento de crescimento de consumo, ou seja, veio de um fato relevante na vida do povo, que despertou a atenção para um candidato que nunca tinha disputado a Presidência e ganhou do Lula duas vezes. Então o desafio do PSDB e da oposição, hoje, é não ficar só enfrentando governo. O que propõe a oposição para o país ser melhor? A última eleição, que foi uma oportunidade para isso, se discutiu mais o aborto e a fé cristã do que se a inflação poderia voltar, se o país podia crescer mais, se o SUS está subfinanciado ou mal administrado. Esse debate ficou por ser feito.

Valor: O senhor concorda que não há sinais no PSDB de que essa crise possa ser debelada até 2014? Se essa crise não se reverte até 2014, e essa força política que hoje está se aglutinando em torno do PSB e do PSD ganhar corpo, não corre o risco de vocês virem a tomar o lugar deles?

Campos: O PSDB não devia olhar para 2014, porque o jogo para 2014 está, de certa forma, jogado. Normalmente, o governo que se sai bem, que faz o dever de casa, se reelege. Então, nada indica que a presidenta Dilma não chegue a 2014 em condições de ser reeleita. Se ela, por acaso, dissesse que não quer mais disputar eleição, ela tem ao lado alguém que diz que se dispõe, que é presidente Lula. O PSDB deveria olhar ao longe e fazer um processo de reconstrução de relações com a sociedade que vão além da crítica. Hoje só o embate, só a crítica eu não vi vencer eleição nenhuma no Brasil. A crítica é um instrumento importante, mas tem que ter a proposta. Se fica no debate sobre se o presidente pode ou não editar medida provisória - tendo sido governo e editado todas as medidas provisórias. Esse debate encanta alguém que está lá na feira de Caruaru?

Valor: Como o senhor acha que será o desempenho do INDG, do Jorge Gerdau, no governo Dilma? Na Funasa, por exemplo, o PMDB vai deixar mexer?

Campos: Vai ser como foi aqui, na segurança pública. Daqui a pouco você encontra uma turma que se encanta, que acha bom, bonito, quer saber mais. Aí você vai se juntando, animando as pessoas e quando vê, conseguiu a maioria. Quem resistir, ela [Dilma] tira.

terça-feira, 10 de maio de 2011

Folha: Interventora petista tentará abafar crise na área da Cultura

O governo nomeou uma "interventora" no Ministério da Cultura para conter disputas e preservar a ministra Ana de Hollanda, alvo de críticas, acentuadas com o uso de diárias em fins de semana sem agenda.

A secretária nacional de Cultura do PT, Morgana Eneile, se tornou assessora especial.

Planalto intervém para conter crise na pasta da Cultura

Dirigente do PT assume posto-chave no ministério para ajudar Ana de Hollanda a controlar disputa política

Divergências com antecessor, suspensão de convênios e uso de diárias de viagem desgastam ministra

Natuza Nery, Fernanda Odilla e Catia Seabra

BRASÍLIA - O governo decidiu intervir no Ministério da Cultura para tentar controlar o bombardeio sofrido pela titular da pasta, Ana de Hollanda.

Com o apoio do PT, escalou uma "interventora" para o órgão com o objetivo de represar a disputa política e evitar que a situação chegue ao ponto em que a presidente Dilma Rousseff se veja obrigada a demitir a ministra.

A secretária nacional de Cultura do PT, Morgana Eneile, foi nomeada assessora especial da ministra com a missão expressa de ajudá-la a debelar a crise e construir uma agenda positiva.

Eneile apoiou a indicação de Hollanda para o ministério, em dezembro passado.

A ministra tornou-se alvo de críticas por várias razões.

Ela quis rever a reforma na lei de direitos autorais prometida por seu antecessor, Juca Ferreira, e suspendeu o pagamento de convênios com indícios de irregularidades.

Também eliminou do site do ministério o selo "Creative Commons", licença para uso livre de conteúdo na internet.

Em outra frente, fragilizou-se entre os petistas. Provocou isso ao cancelar a nomeação do sociólogo Emir Sader para presidir a Fundação Casa de Rui Barbosa, depois que ele declarou em entrevista à Folha que a ministra era "meio autista".

Todos esses episódios, somados ao uso de diárias de viagem em finais de semana sem agenda oficial, transformaram Ana de Hollanda na mais frágil residente da Esplanada dos Ministérios.

Dilma autorizou a operação para salvar sua auxiliar, mas espera que ela dê demonstrações de que consegue neutralizar os ataques.

"Ela está sob uma guerra psicológica pesada", disse ontem o ministro Gilberto Carvalho (Secretaria-Geral).

"A posição no Planalto é de apoio e respaldo a ela. Agora, tudo depende dela e da capacidade de sua equipe de cerrar fileiras em sua defesa."

CHORO

Em encontro com lideranças do PT ontem em São Paulo, Ana de Hollanda deu sinais de fragilidade.

Observada da plateia por Morgana Eneile, que estava com outros assessores, ela chorou no início de sua fala, pediu desculpas e disse que estava emocionada. Gaguejou ao explicar a estrutura da pasta e lamentou não ter tempo para responder perguntas.

Brevemente, comentou a crise: culpou a imprensa por publicar "intrigas" e afirmou em seguida: "Meus companheiros estão comigo".

Para interlocutores de Dilma, Ana de Hollanda sofre uma das campanhas mais "sórdidas" já protagonizadas por um ministro em apenas cinco meses de gestão.

No Planalto, o ex-ministro Juca Ferreira é visto como um dos interessados no enfraquecimento da sucessora, após ter feito intensa campanha para seguir no comando do ministério. A Folha não conseguiu localizá-lo para comentar o assunto.

Para demonstrar que, por enquanto, ela conta com a retaguarda do Planalto, Gilberto Carvalho visitará a colega amanhã. Nas palavras de um interlocutor da presidente, quando um técnico tira um jogador de campo antes do fim do primeiro tempo, é porque errou na escalação. Ou seja: por ora a demissão não interessa ao Executivo.

Dilma, contudo, não pretende segurar Ana de Hollanda a qualquer preço.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

terça-feira, 3 de maio de 2011

Estadão: Aécio se aproxima do novo PSD para consolidar candidatura à Presidência

Hoje principal nome do PSDB para 2014, senador mineiro conta com auxílio do ex-presidente do DEM Jorge Bornhausen para se aproximar de Kassab; movimento visa neutralizar José Serra, que é o padrinho político do prefeito de São Paulo

02 de maio de 2011 | 23h 00

Christiane Samarco, de O Estado de São Paulo

BRASÍLIA - Até agora mero espectador do inchaço do PSD e do definhamento do DEM, o senador tucano Aécio Neves (MG), aspirante a candidato do PSDB à Presidência em 2014, colocou o partido criado pelo prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, no centro de seu radar de alianças. Com isso, o mineiro, que já tem o "espólio" do DEM, busca alargar sua rede de segurança política.

Nesta segunda-feira, 2, um dia depois de criticar os ataques de tucanos ao PSD e de defender a tese de que é preciso "conversar e manter vínculos" com os líderes do novo partido, o senador e deu um passo concreto para se aproximar da cúpula da legenda. Ele jantaria em Uberaba com o ex-presidente do DEM Jorge Bornhausen, linha de frente do prefeito de Kassab nas articulações para criar o PSD.

"Todos os que têm pretensão política devem manter as portas abertas. Acho inteligente a posição de Aécio de evitar críticas ao PSD", disse o ex-senador Bornhausen ao Estado no final da tarde de ontem, quando se preparava para o jantar na casa do deputado Marcos Montes (DEM-MG), parlamentar aecista. "A gente pode amanhã estar junto. Então, por que fazer crítica mais ácida?", emendou o ex-senador.

Com o incentivo de Bornhausen, Aécio se movimenta para fincar um pé na nova legenda, evitando que seu concorrente no PSDB - o ex-governador José Serra, que também tem um pretensões presidenciais em 2014 - tenha um canal exclusivo de diálogo com os dissidentes do DEM que estão migrando para o PSD, já que Kassab é afilhado político do ex-governador paulista.
O que abriu espaço para a aproximação em meio ao tiroteio de tucanos contra o PSD foi a declaração de Aécio durante as comemorações do 1.º de Maio em São Paulo. Ele aproveitou a festa organizada pelas centrais sindicais para falar de seu "apreço" por Kassab, embora observando que o novo partido "nasce sem identidade".

Anfitrião do jantar desta segunda, o deputado Marcos Montes informou que a senadora Kátia Abreu (TO), outra que está trocando o DEM pelo PSD, também estava sendo aguardada em sua casa. Embora a lista de convidados fosse extensa - algo em torno de 60 pessoas, a maioria delas políticos - ele adiantou que Bornhausen e Aécio seriam acomodados à mesma mesa.

"Eles são bons amigos. Bornhausen tem grande admiração pelo Aécio", justificou.

Mais do que afirmar que, hoje, Aécio está "naturalmente" melhor posicionado do que Serra no PSDB, com vistas ao projeto presidencial de 2014, Bornhausen diz que não vê "nenhum impedimento de natureza ideológica nem de ordem ética" para uma parceria futura.

O ex-presidente do DEM já saiu da legenda, mas deixará a tarefa de se filiar ao PSD reservada ao filho e deputado federal, Paulo Bornhausen (SC), hoje licenciado da Câmara para comandar a Secretaria de Desenvolvimento Econômico sustentável do governo de Santa Catarina.

"O futuro é deles. Eu serei um torcedor", afirmou o ex-senador, hoje apontado como braço direito de Kassab. "Participamos de uma etapa importante do País, com a redemocratização, e depois compartilhamos o bem sucedido governo Fernando Henrique, de mudanças. Minha função terminou", despista.

Nos bastidores, porém, sua atuação mostra que ele está bem longe da aposentadoria. No último fim de semana, acompanhou o governador de Santa Catarina, Raimundo Colombo, a uma visita ao governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB) para tratar do novo PSD. As conversas sobre fusão entre as duas legendas encerraram, mas o descarte desta hipótese não significa afastamento entre as siglas.

Muito ao contrário, os governadores Campos e Colombo acertaram uma parceria nas eleições municipais de 2012. O grande desafio do PSD é garantir a sobrevivência sem o tempo de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão, que é calculado de acordo com o desempenho da legenda nas eleições anteriores e o tamanho de suas bancadas no Congresso.

Em Santa Catarina, os candidatos a prefeito pelo PSD deverão disputar em aliança com os socialistas de forma a poderem contar com o tempo de televisão do PSB na campanha.

quinta-feira, 28 de abril de 2011

A arenização do PSDB

D. SILVANO, G. NATALINI, J. POLICE NETO, J. GADELHA, R. TEIXEIRA e S. SANTOS


O PSDB mudou: mais do que destruir a sua concepção original, o partido adota caminhos que abominava e considerava nocivos ao país


Uma das primeiras frases do programa de fundação do PSDB assinala: "Se muitos de nós decidimos deixar as agremiações a que pertencíamos, e com as quais nos identificamos ao longo de toda uma trajetória de lutas, é porque fatos graves nos convenceram da impossibilidade de continuar defendendo de maneira consequente aquilo em que acreditamos, dentro do atual quadro partidário".
A frase é a definição básica de um partido que não pretendia -ou não deveria- ser um simplório agrupamento voltado à conquista e à manutenção do poder, mas uma forja de ideias preocupada em melhorar efetivamente a vida dos cidadãos do país.
Assim como os fundadores do PSDB perceberam, há 23 anos, a arenização da grande frente democrática que foi o MDB/PMDB, o cenário atual nos remete à síntese do compromisso firmado na fundação do partido, em 1988, um tempo em que se acreditava que "as palavras de um programa nada valem se não forem acompanhadas de ação".
A arenização do PSDB paulista tem grande similaridade com a arenização do PMDB. Diagnosticavam à época os tucanos fundadores: "Receoso de enfrentar suas divergências internas, (o PMDB) deixou de tomar posição ou mesmo de debater as políticas de governo a que deveria dar sustentação". Tudo muito parecido com o que ocorre hoje com o PSDB paulistano.
A crise que culminou com o afastamento de metade da bancada de vereadores de São Paulo começa em uma mistificação formulada em 2008 por uma facção do PSDB.
À época, a maioria dos vereadores defendeu um programa construído e executado majoritariamente pelo PSDB. Mas aquela facção acreditava que o mais importante era uma candidatura própria, (mal) sustentada por um programa elaborado pelo marqueteiro de plantão. O eleitorado rechaçou essa visão pobre da política.
De lá para cá, se o PSDB tivesse sido capaz de aprofundar o debate interno, a unidade partidária fundada em princípios teria sido restaurada. Mas aquela mesma facção preferiu invocar agora, sem disfarces, uma postura de vingança, que, em recente reunião do diretório municipal, chegou a pregar ameaças de violência física contra seus oponentes, cuja tese fora vitoriosa no ano de 2008.
O PSDB mudou. Mais do que destruir sua concepção original, o partido agora adota caminhos que antes abominava e considerava nocivos ao país. Perde a credibilidade como defensor da democracia -já que nem sequer consegue praticá-la dentro de casa- e do debate político, visto que sugere resolver divergências de seus parlamentares "a peixeiradas".
Essa realidade distorcida queima as caravelas, derruba todas as pontes que poderiam levar a uma elevada discussão política e de ideais. Para os que ainda acreditam no ideário expresso no programa de 1988, tornou-se impossível conviver com a arenização tucana.
A substituição do debate político pelo facciosismo pessoal leva à pura intransigência, como diz o ex-presidente do diretório municipal e condutor do processo sucessório municipal, José Reis Lobo: "O que houve foi mesmo intolerância e incompreensão de um pessoal que sempre faz política com raiva, movido por espírito belicoso, de revanche, de vingança, e que nunca cede aos apelos da razão".
Este é um caminho inexorável de perdas. Que efeito esse conjunto de coisas terá sobre o cidadão-eleitor, a quem cabe legitimar os princípios que regem nossas ações?
Engana-se quem acredita que a frágil cantilena de belas palavras será capaz de seduzir a todos e impor uma embriaguez coletiva. O cidadão que cala é o mesmo que se afasta em busca de um novo ideal político, mais coerente e menos recheado de vaidades.
DALTON SILVANO, GILBERTO NATALINI, JUSCELINO GADELHA, RICARDO TEIXEIRA, SOUZA SANTO e JOSÉ POLICE NETO são vereadores da cidade de São Paulo que acabam de deixar o PSDB. Police Neto é também o atual presidente da Câmara Municipal de São Paulo.