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quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Estadão 15/09 - - As elites e a antidemocracia

Rolf Kuntz



O presidente Lula tem razão: as elites são perigosas, mas não tanto por negarem aos pobres o acesso à escola. Esse tipo de elite já não existe nos Estados mais desenvolvidos. Sobrevive, ainda vigorosa, nos fundões do País, nas áreas controladas pelos velhos condôminos do poder. É quase toda vinculada ao governo petista, sócio das oligarquias mais atrasadas e corruptas. Vejam, por exemplo, quem é governo e quem é oposição no Congresso e como se negociam e se distribuem cargos na administração, direta e indireta. Essa gente é sem dúvida perigosa. Mas a mais temível é provavelmente a outra elite, a do Brasil industrializado, emergente e candidato a potência econômica internacional.

Essa classe não se opõe à educação para todos, até porque depende, cada vez mais, de mão de obra qualificada ou pelo menos em condições de receber treinamento. Diplomados, pós-graduados, poliglotas e cada vez mais integrados no mercado internacional, líderes desse grupo têm exibido uma assustadora semelhança com os novos integrantes da classe média e com os beneficiários da Bolsa Família e de programas afins: mostram-se encantados com a prosperidade presente, otimistas em relação ao curto prazo e nem um pouco preocupados com a centralização do poder e com o risco, cada vez mais evidente, de um mergulho num autoritarismo de recorte populista.
Alguns dos melhores comentaristas políticos do Brasil têm exibido um espantoso otimismo. Segundo sua análise, lambanças no governo, como a violação de sigilo fiscal, pouco significam para a maioria dos eleitores, por causa do peso de suas preocupações imediatas. A explicação parece bem fundada. Os mais pobres continuam batalhando pela sobrevivência. Outros procuram consolidar a condição de recém-egressos da pobreza. Outros, ainda, estão satisfeitos porque a economia cresce, há mais empregos e a combinação de salários e crédito facilita o acesso a um padrão mais alto de consumo.
Essa interpretação pode ser sustentável, mas conta apenas uma parte da história. A indiferença mais notável não é a desses grupos pobres, egressos da pobreza ou mesmo de uma classe média pouco atenta a questões institucionais e pouco preocupada com as liberdades democráticas. A indiferença escandalosa é a da elite econômica das áreas mais industrializadas do País.

Porta-vozes desse grupo se mexeram recentemente. Mas não para protestar contra o uso partidário de órgãos do Estado, não para denunciar o voluntarismo da política econômica, nem para criticar o presidente Lula, cada vez mais enrolado na confusão de seu cargo com a condição de líder petista.
Mexeram-se para apoiar as operações parafiscais do BNDES e seus padrões muito discutíveis de seleção dos beneficiários. Alguns o defenderam como se alguém houvesse proposto sua extinção. Mas ninguém havia apresentado essa tolice. Da mesma forma, nenhuma pessoa razoavelmente informada negaria a necessidade de mais financiamentos de longo prazo. Os alvos da crítica eram outros: a promiscuidade entre o Tesouro e o banco, a concentração das aplicações, a obscuridade dos critérios e o uso de meios públicos para objetivos definidos de forma nada transparente.

Essa é uma elite estranha. Sustenta bandeiras com ar de modernidade, pregando a reforma tributária, a segurança jurídica, a redução dos entraves burocráticos e a expansão dos investimentos em educação e pesquisa. Propõe a adoção de uma política de competitividade. Mas defende, ao mesmo tempo, um câmbio administrado para sua conveniência, uma política monetária feita sob medida e, de vez em quando, intervenções protecionistas, sem o cuidado, sequer, de examinar as várias ações permitidas pelas normas internacionais.

A maior parte dessa elite permaneceu silenciosa quando o governo apresentou o famigerado Decreto dos Direitos Humanos. Quando interveio, limitou-se a discutir um ou dois tópicos, sem dar sinais de haver notado a extensão das barbaridades propostas naquele documento de 92 páginas - quase um esboço de uma constituição autoritária, com propostas de "democracia direta", sujeição da pesquisa e do investimento a sindicatos e ONGs e controle dos meios de comunicação.

As ameaças contidas nesse documento não estão superadas. Serão retomadas, porque são essenciais para o projeto de poder de seus autores. Mas quem se interessa por isso? Não, certamente, os beneficiários atuais e potenciais de todas as bolsas - não só aquelas destinadas aos pobres, mas também as oferecidas à elite, como a Bolsa Subsídio, a Bolsa Conteúdo Nacional e tantas outras.


JORNALISTA

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