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segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Globo 27/09 - - Ricardo Noblat

"A democracia é exatamente isso : cada um fala o que quer , escreve o que quer, e o povo faz o grande julgamento" (Lula)

Melhor esquecer

Droga de campanha, esta. Fora do controle do seu marqueteiro, Dilma revelou-se incapaz de dissertar sobre qualquer coisa com começo, meio e fim. A racionalidade excessiva de Serra embotou todo tipo de emoção que ele pudesse transmitir. Marina arrancou lágrimas de empresários em pequenas auditórios, mas saiu-se mal nos debates de televisão.
Alguém sabe citar de cor as principais promessas feitas pelos candidatos? Lembro das seis mil creches e das não sei quantas Unidades de Pronto Atendimento de Dilma, do salário mínimo de R$ 600,00 e do reajuste dos aposentados de Serra, e do governar com os melhores de Marina. Em suma: promessas pontuais ou genéricas.

Um projeto para o país? Algo ambicioso, mas necessário para quem se preocupa com o futuro? Os candidatos ficaram devendo. Ou porque não têm projeto, ou porque acham que projeto não atrai votos. Dilma fala em dar continuidade ao governo Lula. Serra diz que o Brasil pode mais. Marina atesta: é possível crescer respeitando o meio ambiente.

Dilma mimetizou Lula de tal maneira que usou em várias ocasiões expressões que são dele. Deu com o rosto na porta quem imaginou que o governo de Lula foi de Lula. Não foi. Foi de Lula e de Dilma, a se acreditar na propaganda bem cuidada da candidata. Os dois governaram juntos o país nos últimos sete anos e poucos meses.

Serra mimetizou Serra de tal forma que deu a impressão de estar de volta a 2002 quando era ministro da Saúde. Ou quando era candidato a presidente da República recém-saído do Ministério da Saúde. Marina não mimetizou ninguém. Apenas pareceu esquecida de que trocou o PT por outro partido. Perderá feio no Acre porque lá ela ainda é PT.

E o confronto de idéias entre os candidatos? Não houve. Dilma fugiu da maioria dos debates. E as regras dos debates impediram o confronto tão desejável. Votará em Dilma quem gostaria de votar em Lula e não se incomoda em lhe passar um cheque em branco. Em Serra, quem não vota em Lula e no PT de jeito nenhum. E em Marina, os sonhadores.

Na ausência de idéias e de debates, as pesquisas de intenção de voto pautaram o comportamento dos candidatos, ocuparam generoso espaço na mídia e serviram para animar discussões exacerbadas na internet. Os responsáveis pelos institutos de pesquisas ganharam uma importância que não tiveram em eleições anteriores.

Montenegro, do Ibope, previu a eleição de Serra com mais de um ano de antecedência. Foi obrigado mais recentemente a pedir desculpas pelo seu erro. O sempre discreto Marcos Coimbra, do Vox Populi, escreveu artigos semanais para jornais, revistas e blogs explicando por que Dilma deverá se eleger no primeiro turno.

É, de fato, o que por ora está escrito nas estrelas - a eleição de Dilma no próximo domingo. José Roberto Toledo, analista de pesquisas do jornal O Estado de S. Paulo, observa que o contingente de eleitores indecisos está perto de se esgotar como fator de crescimento dos candidatos Serra e Marina.

Para que haja segundo turno, a estarem certas as pesquisas, é preciso que Serra e Marina tomem eleitores de Dilma. Não será uma tarefa fácil, adverte Toledo. Dilma tem algo como 10 milhões de votos a mais do que Serra e Marina somados. Do último sábado até o dia da eleição, Serra e Marina teriam de subtrair de Dilma 625 mil votos por dia.

Só um fato devastador para a reputação de Lula poderia provocar uma migração de votos tão grande e tão rápida. Mesmo assim, o PT receia a convergência de causas mais prosaicas - entre elas, uma abstenção elevada no Norte e Nordeste e a regra que só permite o voto dos que exibam o título de eleitor e outro documento de identificação.

É razoável a aflição do PT. Faltam apenas seis dias para que Lula consiga por meio de Dilma o que não foi possível em 2002 e 2006 - a eleição no primeiro turno. Em seis dias tudo pode acontecer - inclusive nada. O mais provável é que nada aconteça.

Globo 27/09 - - Um Rio contra a maré

Pesquisa mostra Marina empatada com Serra no estado, confirmando tradição de voto em candidatos que não são preferência nacional
Fábio Vasconcellos

E, na reta final da disputa nacional, a preferência eleitoral do Rio de Janeiro começa a destoar do restante do país. Os dados da última pesquisa Datafolha, divulgada na semana passada, mostram a candidata do PV à Presidência, Marina Silva, empatada com José Serra, do PSDB, que têm, respectivamente, 22% e 23% das intenções de voto no estado. Na capital, a verde já ultrapassou o tucano.

Tem 24% contra 21%. Para especialistas, o crescimento de Marina indica uma certa tradição do Rio por candidatos que, nacionalmente, ainda não caíram no gosto dos eleitores. Eles não acreditam em viradas, já que a candidata do PT, Dilma Rousseff, tem 45% no estado, mas concordam que os dados têm lastro histórico.

Em 2002, quando o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva já tinha a preferência nacional dos eleitores, no Rio o ex-governador Anthony Garotinho venceu o petista nas urnas no primeiro turno (42% a 41%). Quatro anos depois, mesmo com a vitória de Lula no estado, a candidata do PSOL, Heloísa Helena, obteve no Rio o maior percentual de votos: 17%, e ficou em terceiro lugar.

O índice superou, inclusive, sua votação em Alagoas (13%), base eleitoral da candidata.

Pelo Datafolha, a intenção de voto em Marina no Rio subiu dez pontos percentuais em relação a julho. Com isso, seu patamar está nove pontos acima da sua média nacional, que é de 13%. José Serra, por outro lado, perdeu oito pontos de julho a setembro.

Caiu de 31% no Rio para 23%, e está cinco pontos abaixo de sua média nacional, que é de 28%, segundo o instituto de pesquisa.

Professor e cientista político da UFRJ, Paulo Baía diz que o Rio tem tradicionalmente um comportamento de oposição à tendência nacional.

Em 1989, por exemplo, Leonel Brizola venceu no Rio contra Collor, que tinha boa intenção de voto no país. A diferença foi de 2,6 milhões para Brizola. Para Baía, os votos de Marina podem estar vinculados à memória da última eleição municipal, quando o então candidato Fernando Gabeira (PV) conseguiu mobilizar o eleitorado.

O Rio tem essa tendência de oposição, embora isso não se manifeste em todas as eleições. E essa tendência é mais forte na capital, onde se concentram 50% dos votos.

Se contarmos as cidades no entorno, o percentual pula para 73%. Ou seja, a capital tem uma influência considerável no comportamento eleitoral do estado diz Baía. Os votos em Marina, a meu ver, são uma forma de os eleitores cariocas, tradicionalmente mais críticos, pressionarem Dilma a assumir as bandeiras da candidata do PV, caso seja eleita.

Maria Celina DAraujo, professora do departamento de sociologia e ciência política da PUC-RJ, lembra que foi no Rio que surgiu o movimento verde e manifestações culturais que se expandiram para o restante do país. Na avaliação de Maria Celina, a classe média carioca tem um comportamento mais progressista quando se trata de temas nacionais.

Ela, ressalta, contudo, que a tendência desse comportamento eleitoral não se manifesta nas eleições locais, onde ainda prevalecem antigas práticas: Brizola dizia que São Paulo era o polo de negócios, e o Rio um polo de ideias. Nós temos no Rio uma classe média que, historicamente, se mostrou mais irreverente do ponto de vista político, na música e em outros movimentos. O Rio é a cidade que abraça a Lagoa, que teve a famosa sunga do Gabeira na praia.

Além disso, o Rio tem uma relação mais intensa com a natureza do que, por exemplo, São Paulo. Aqui o movimento ecológico é mais forte.

Professora do programa de pósgraduação da UFRJ, a cientista política Ingrid Sarti ressalta que o voto no estado sempre foi mais à esquerda.

Ele explica, por outro lado, que o crescimento de Marina no Rio se deve também à perda de força do PSDB no Rio, que não conseguiu mobilizar os eleitores de Serra.

A Marina subiu com os votos dos indecisos. Tradicionalmente, o Rio tem um voto mais à esquerda. O Lula sempre teve boa votação aqui.

Globo 26/09 - - Tráfico de influência com conta no exterior

Quícoli, que denunciou esquema na Casa Civil, diz que propina iria para Hong Kong
Tatiana Farah SÃO PAULO

Oesquema de tráfico de influência instalado na Casa Civil contaria até com duas contas em Hong Kong, na China, para onde deveriam ser enviadas as propinas pagas pelas facilidades obtidas, segundo o empresário Rubnei Quícoli, de Campinas. Esse esquema seria comandando pelo ex-diretor de Operações dos Correios Marco Antonio de Oliveira, seu sobrinho Vinícius Castro, ex-funcionário da Casa Civil, e Israel Guerra, filho da exministra da pasta Erenice Guerra.

A denúncia, que consta de reportagem da revista Veja desta semana, foi confirmada ontem por Quícoli. O empresário que, em parceria com as empresas de energia EDRB e KVA, tentava um empréstimo de R$ 9 bilhões no BNDES enviou ontem ao GLOBO, por email, os números de duas contas no HSBC de Hong Kong, em nome de Right Day Enterprises Limited e Tartar International Limited, que seriam do genro de Marco Antonio, o empresário Roberto Ribeiro. Este negou ao GLOBO ter passado os dados com o propósito de que fosse depositado dinheiro fruto de propina, mas confirmou ter se reunido com Quícoli.

Pedido de propina de R$ 5 milhões

Segundo Veja, Marco Antonio chegou a pedir que o genro, que mora em Miami, viesse ao Brasil para se reunir com Quícoli. O encontro, conta a reportagem, ocorreu em 12 de junho, no Hotel Inter Continental da Alameda Santos, em São Paulo.

Essa conta (no exterior) é do genro do Marco Antonio. Após o Vinícius não ter sucesso comigo, o M.A. (como Marco Antonio é chamado) tomou frente para arrecadar R$ 5 milhões dizendo que seria para a Erenice apagar um incêndio dela e da Dilma e outro valor não mencionado pelo M.A. para ajudar na campanha do Helio Costa respondeu Quícoli, por e-mail, ao GLOBO.

O e-mail de Ribeiro a Quícoli é datado de 25 de maio deste ano.

No dia 6 de maio, Quícoli já havia recebido um e-mail que seria de Vinícius, em que é apresentada uma conta para depósito no Brasil, em nome da Synergy Assessoria e Consultoria Empresarial LTDA, de Brasília.

No texto, Vinícius pede que, tão logo possível, (Quícoli) encaminhe minuta do contrato para levarmos ao jurídico e providenciarmos o preenchimento da respectiva nota fiscal.

Primeiro, o Vinícius me enviou essa conta (a da Synergy). Eu enrolei e, lógico, não aceitei jamais respondeu Quícoli ao GLOBO.

O contrato seria feito com a Capital Assessoria, empresa da mãe de Vinícius Castro e de Saulo Guerra, outro filho de Erenice Guerra. O serviço prestado pela Capital seria a intermediação do empréstimo no BNDES para a construção de uma usina de energia eólica no Nordeste do país.

O grupo de lobistas teria se contentado em receber R$ 5 milhões para viabilizar o empréstimo. Esse é o dinheiro que deveria ter sido depositado nas contas de Hong Kong. Segundo Veja, os números das contas no exterior foram oferecidos a Quícoli como uma opção mais discreta para o recebimento da propina. Quícoli, porém, afirma que não aceitou a proposta e não pagou a propina. Segundo o empresário, o empréstimo do BNDES foi suspenso depois que ele se negou a pagar pelo lobby.

Apesar de negociar com a Capital, Quícoli já afirmara ao GLOBO que nunca se encontrou com os irmãos Saulo e Israel Guerra, filhos de Erenice.

Mas disse que participou de várias reuniões na Casa Civil, a primeira com a então secretária do ministério, Erenice Guerra. Na ocasião da entrevista, Quícoli disse não saber se os R$ 5 milhões pagariam dívidas de campanha, nem se Dilma e Erenice sabiam do pedido milionário: Não me disseram que era (para cobrir) um rombo da campanha.

Acho que eram dívidas particulares.

Alguma coisa assim que o partido não tinha como sustentar.

Acho que eram coisas particulares e não tinham nada a ver com o partido, em si. Ele (Marco Antonio) me disse que era dos três, na verdade, Dilma, Erenice e Helio Costa.

Ex-braço direito de Dilma Rousseff, candidata do PT à Presidência, Erenice negou ter permitido um esquema de facilitações a empresas na Casa Civil. O PT ingressou com uma ação na Justiça Eleitoral contra o empresário de Campinas, alegando calúnia e difamação contra o partido.

Helio Costa também negou ter pedido dinheiro. O BNDES negou a existência de lobby para favorecer as empresas ligadas a Quícoli.

Veto foi estopim da denúncia

Perguntado sobre sua motivação e a data escolhida para fazer a denúncia, publicada pela Folha de S. Paulo há duas semanas, o empresário respondeu que aproveitou o momento das denúncias do empresário Fabio Baracat sobre a Capital: Como uma ministra coloca os filhos dela lá para viabilizar aporte de R$ 9 bilhões? Quando vi que o contrato que eu tinha, da empresa (Capital), era a mesma, conversei com a empresa (ERDB) e falei: vou me manifestar.

Primeiro, chequei no BNDES e deu que o meu projeto estava totalmente anulado. Daí, deu a entender que, realmente, o poder deles, por eu não ter assinado o contrato, foi de vetar.

Foi o estopim para mim.

Globo 26/09 - - Cresce apoio a manifesto pela imprensa

Lançado na quarta-feira, documento já havia obtido 35,6 mil assinaturas de adesão, até a tarde de ontem

SÃO PAULO. Lançado na quartafeira na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), o Manifesto em defesa da democracia e da liberdade de imprensa reunia até a tarde de ontem cerca de 35,6 mil assinaturas, segundo o site www.defesadademocracia.com.br, que divulga o documento e recolhe adesões. Endossam o manifesto personalidades como os juristas Hélio Bicudo e Miguel Reale Jr.; o arcebispo emérito de São Paulo, dom Paulo Evaristo Arns; o exprocuradorgeral da República Aristides Junqueira; o ex-presidente do STF Carlos Velloso; o ex-ministro Pedro Malan; e o escritor Ferreira Gullar.

O cerne da democracia é a vigilância. É uma plantinha tenra, e, se não tomarmos cuidado, pisam nela disse ontem Bicudo, que leu o manifesto em seu lançamento.

A iniciativa foi uma reação aos ataques nas últimas semanas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à imprensa e à convocação de um ato contra a mídia na quinta-feira, na sede do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, que contou com o apoio de centrais sindicais, do PT e do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST).

Quando o li o documento, me lembrei da Carta aos brasileiros, lida por Gofreddo da Silva Telles na ditadura. Antes, era uma proposta de luta contra a ditadura militar. Agora, é contra qualquer tipo de ditadura em decorrência do acúmulo do poder nas mãos de uma só pessoa comparou Bicudo.

sábado, 25 de setembro de 2010

Globo 25/09 - - Limites

Merval Pereira

A pesquisa do Ibope divulgada ontem pelo "Jornal Nacional" confirma a tendência de redução da diferença entre a líder, Dilma Rousseff, e seus mais próximos competidores, o tucano José Serra e a verde Marina Silva. Pelo Ibope, essa redução está se dando mais pela definição dos indecisos em favor deles do que de uma queda da candidata oficial, o que significa que esse movimento não é suficiente para impedir que Dilma vença no primeiro turno.

Mas essa quebra de rotina das últimas pesquisas mostra que pelo menos alguma coisa se move na disputa eleitoral, e que os candidatos oposicionistas estão sendo capazes de produzir mais fatos do que a governista nesta reta final.

Principalmente Marina, que está recolhendo apoios simbólicos importantes, como o do senador Pedro Simon, do PMDB independente, e a da modelo internacional Gisele Bündchen.

Serra tenta reforçar sua presença em Minas e em São Paulo, os dois estados governados por tucanos que teoricamente deveriam dar a ele uma dianteira que permitisse partir para a disputa eleitoral com uma vantagem importante.

Não é o que está acontecendo, embora nas últimas horas a vitória de Dilma em São Paulo pareça estar se diluindo.

Em Minas, prevalece o voto Dilmasia (Dilma e Anastasia), mas o apoio ontem, em Diamantina, do ex-presidente Itamar Franco é simbólico de uma distensão na política mineira que pode, num eventual segundo turno, reverter o quadro naquele estado.

Itamar, que caminha para se eleger senador pelo PPS, simbolizava a resistência mineira à supremacia paulista na política brasileira.

Enfim, a política está tendo lugar nesta campanha eleitoral e por uma decisão equivocada, para o seu objetivo político, do próprio presidente Lula.

Ele quebrou o marasmo que predominava na campanha para sair em ataque aos meios de comunicação e aos adversários eleitorais, na tentativa de neutralizar os estragos que a crise com a demissão da ministra Erenice Guerra da chefia da Casa Civil poderia provocar na candidatura de sua escolhida.

Completamente sem limites, Lula foi pulando de palanque em palanque, ora anunciando a determinação de "extirpar" o DEM, ora tentando insuflar o povo contra o que chamam de "mídia" ou "grande imprensa", que estaria conspirando contra o seu governo.

O partido oposicionista tem sido uma barreira no Senado contra as ações governistas, e foi o protagonista da maior derrota pessoal de Lula, a derrubada da CPMF, que ele nunca engoliu.

Uma tarefa a que Lula se dedica nessa campanha é tentar impedir que políticos como os senadores Agripino Maia e Marco Maciel, do DEM, voltem a ter uma cadeira no Senado. Pode conseguir o intento em alguns estados, em outros será derrotado.

Mas a sua desenvoltura em assumir a posição de cabo eleitoral de uma candidata - situação que ele mesmo já ironizou, menosprezando as críticas à sua atuação - e os ataques diretos aos meios de comunicação provocaram reações radicalizadas em seu próprio grupo, e geraram reação contrária na sociedade.

Estimulados pela agressividade do chefe, logo centrais sindicais, ONGs, partidos políticos e entidades que servem como correia de transmissão do governo como a UNE convocaram uma manifestação contra um suposto "golpe midiático" que teria o objetivo de impedir a vitória de Dilma Rousseff no primeiro turno.

A reação da sociedade veio imediatamente, e hoje já são mais de 30 mil assinaturas - e segue aumentando a adesão pela internet - ao manifesto de intelectuais, políticos e representantes da sociedade civil contra o "autoritarismo" do governo, que trata adversários políticos como inimigos e os meios de comunicação como partidos políticos de oposição.

A arrogância de se anunciar a própria "opinião pública" mostra a que ponto chegou a megalomania do presidente Lula.

Na mesma quinta-feira em que se anunciava a manifestação de sindicatos "pelegos" contra a liberdade de expressão, participei no Clube Militar do Rio, em companhia de Reinaldo Azevedo e de um representante da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), de um painel sobre as ameaças à liberdade de expressão.

O único tumulto havido foi provocado por um pequeno grupo de manifestantes em frente ao Clube Militar, protestando contra o que classificavam de "hipocrisia" dos militares defendendo a democracia.

Na sala lotada, não houve uma só manifestação de radicalização política, e o consenso foi de que é preciso ficar atento permanentemente às tentativas do governo de controlar os meios de comunicação, seja através de projetos que criem conselhos cuja função específica seria tutelar a imprensa, seja através de constrangimentos comerciais que criem problemas financeiros às empresas jornalísticas independentes.

Ao mesmo tempo, o governo monta a sua sombra e à custa do erário público uma cadeia de blogs e de jornais e televisões, inclusive a estatal, para garantir um noticiário favorável a suas ações.

Como tenho escrito aqui na coluna desde os primeiros movimentos do governo no sentido de controlar a produção jornalística e cultural no país, é a sociedade que dá os limites aos avanços do PT.

Foi o que aconteceu também dessa vez. Diante da péssima repercussão que tiveram as críticas do presidente Lula e a manifestação contra a liberdade de imprensa promovida por sindicatos "pelegos", o governo refluiu nos seus ataques.

A reunião paulista acabou se realizando a portas fechadas no Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, esvaziada de sua representatividade pela ausência de dirigentes partidários ou sindicais de peso, e já há movimentos dentro do governo para convencer o presidente Lula de que suas críticas estão provocando um ambiente de tensão política que, em última análise, não é bom para sua candidata.

O que mais Dilma quer, para usarmos a metáfora futebolística tão ao gosto do nosso presidente, é, a esta altura do campeonato, não entrar em bola divida e deixar o tempo correr para manter a vantagem que já conseguiu.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Terra 23/09 - - Entrevista do Lula para o portal Terra

Lula: 'nove ou dez famílias dominam a comunicação no Brasil'

23/09/2010 |
Antonio Prada, Bob Fernandes e Gilberto Nascimento
Terra Notícias

BRASÍLIA - A três meses e meio do término de seu governo, o presidente Lula está certo da vitória de sua candidata à presidência da República, Dilma Rousseff, mas recomenda: "cautela". Numa conversa exclusiva de uma hora com o Terra no Palácio do Planalto, Lula, provocado, esmiúça o que pensa da mídia e sobre a mídia. Diz que, de alguma forma, o país tem, terá que discutir e legislar - no Congresso, ele ressalva - sobre o assunto. Para definir como percebe o olhar da chamada grande mídia, Lula resume:

- Eles têm preconceito, até ódio...

A ênfase, a contundência no julgamento e comentários quando o tema é este, mídia, são permeadas por gestos e palavras que mostram um presidente da República disposto e pronto para o próximo comício. Bem humorado, carregado de adrenalina. Antes do início da entrevista, Lula quer conversar, diluir ansiedades e tensões.

"Baby...", diz a um jornalista, "pô, que gravador é esse, não tinha um digital?", provoca outro. Segura a gravata de um terceiro, parece admirar o tecido, os desenhos, e opina:

- Mas essa gravata... esses desenhos parecem uma ameba!

O presidente da República faz as honras da casa, pede que se sirva um cafezinho, uma água antes de, atraído para o tema, partir para o ataque:

- Na campanha passada, os caras diziam porque o avião do Lula... porque o Aerolula... (Estavam) disseminando umas bobagens... vai despolitizando a sociedade. Agora, estão dizendo que a TV pública é a TV do Lula. Nunca disseram que a TV pública de São Paulo é do governador de São Paulo e as outras são dos outros governadores...

Para Lula, críticas à falta de liberdade na área de comunicação, mais do que injustas, não têm sentido. Ele diz duvidar que outros países tenham mais liberdade de informação do que o Brasil:

- Nesse momento do Brasil, falar em falta de liberdade de comunicação? Eu duvido. Eu quero até que vocês coloquem em negrito isso aqui. Eu duvido que exista um país na face da Terra com mais liberdade de comunicação do que neste País, da parte do governo.

O presidente se mostra disposto a um duro embate com setores da mídia: - A verdade é que nós temos nove ou dez famílias que dominam toda a comunicação desse País. A verdade é que você viaja pelo Brasil e você tem duas ou três famílias que são donas dos canais de televisão. E os mesmos são donos das rádios e os mesmos são donos dos jornais.

"No Brasil - foi o Cláudio Lembo que disse isso para o Portal Terra -, a imprensa brasileira deveria assumir categoricamente que ela tem um candidato e tem um partido. Seria mais simples, seria mais fácil. O que não dá é para as pessoas ficarem vendendo uma neutralidade disfarçada", cobra Lula.

O presidente sinaliza que mudanças nessa área deverão ser discutidas no Congresso Nacional e poderão ser viabilizadas no próximo governo:

- O Brasil, independentemente de que de quem esteja na Presidência da República, vai ter que estabelecer o novo marco regulatório de telecomunicações desse País. Redefinir o papel da telecomunicação. E as pessoas, ao invés de ficarem contra, deveriam participar, ajudar a construir, porque será inexorável.

A seguir, a primeira das três partes da entrevista com Lula que o Terra publica ao longo desta quinta-feira (23).

Terra - Presidente, em 1978 o senhor era um líder operário, estava na Bahia em um encontro de petroleiros, no Hotel da Bahia, eu era um estudante de comunicação, ainda tinha AI-5, censura à imprensa. Na década seguinte, nos anos 80 e 90, em inúmeras conversas com o senhor o assunto acabava de alguma forma passando pelo monopólio na mídia. No ano 2002, na véspera da eleição, de novo conversamos sobre isso. Em 2006, a uma semana do senhor ser reeleito presidente, numa conversa o senhor disse que não iria "tirar nada" de ninguém, que isso não seria democrático, mas que a ideia era redistribuir meios, ajudar os meios, ter uma maior diversidade de opinião. Chegando agora, nesta reta final (em 2010) o senhor tem feito críticas duras, dizendo que a imprensa, a mídia tem um candidato e não tem coragem de assumir e, ao mesmo tempo, o contraditório diz que existiria um Projeto Político, projeto vocalizado outro dia pelo José Dirceu, para "enquadrar meios de comunicação". Então, queria que o senhor dissesse o que o senhor realmente pensa disso, e se realmente existe uma expectativa, se existe alguma coisa em relação a isso...

Luiz Inácio Lula da Silva - Olha, primeiro, na nossa passagem pela Terra... não pelo Terra, pela Terra, a gente ouve coisas absurdas, que a gente gosta e que a gente não gosta. Veja, qualquer coisa nesse País tem o direito de me acusar de qualquer coisa. É livre. Aliás, foi o PT que, no congresso de São Bernardo do Campo, decidiu que era proibido proibir. Era esse o slogan do PT no congresso de 1981.

Terra - O Caetano vai dizer que é dele...
O que acontece muitas vezes é que uma crítica que você recebe é tida como democrática e uma crítica que você faz é tida como antidemocrática. Ou seja, como se determinados setores da imprensa estivessem acima de Deus e ninguém pudesse ser criticado. Escreveu está dito, acabou e é sagrado, como se fosse a Bíblia sagrada. Não é verdade. A posição de um presidente é tomada como ser humano, jornalista escreve como ser humano, juiz julga como ser humano. Ou seja, temos um padrão de comportamento e julgamento e, portanto, todos nós estamos à mercê da crítica. No Brasil - , e foi o Cláudio Lembo que disse para o Portal Terra -, a imprensa brasileira deveria assumir categoricamente que ela tem um candidato e tem um partido, que falasse. Seria mais simples, seria mais fácil. O que não dá é para as pessoas ficarem vendendo uma neutralidade disfarçada. Muitas vezes fica explícita no comportamento que eles têm candidato e gostariam que o candidato fosse outro. Tiveram assim em outros momentos. Acho que seria mais lógico, mais explícito. Mas, eles preferem fingir que não têm lado e fazem críticas a todas as pessoas que criticam determinados comportamentos e determinadas matérias.

Terra - Então, não existiria nenhum projeto futuro...
Se existir uma idéia, ela será discutida pelo próximo governo. Pelos próximos governos. Ela será decidida pelo Congresso Nacional , porque é impossível você imaginar fazer uma coisa que discuta comunicação se você não passar pelo Congresso. Quando nós tomamos a decisão de fazer a Conferência da Comunicação - nós já fizemos conferências de tudo que você possa imaginar, até de segurança pública -, quando fizemos a Conferência de Comunicação, alguns setores das comunicações participaram, algumas tevês participaram, algumas empresas telefônicas participaram e muitos jornais participaram. Ela foi feita a nível municipal, a nível estadual e nível nacional. Determinados setores da imprensa não quiseram participar e começaram a achar que aquilo era antidemocrático, que aquilo era não sei das contas. Eu não sei qual é a preocupação que as pessoas têm de a sociedade discutir comunicação. Uma legislação que está regulamentada em 1962. Portanto, não tem nada a ver com a realidade que nós temos hoje, com os meios de comunicação que nós temos hoje. Com a agilidade da internet, por exemplo. Então, o que nós achamos é que o Brasil, independentemente de quem esteja na Presidência da República, vai ter que estabelecer o novo marco regulatório de telecomunicações desse País. Redefinir o papel da telecomunicação. E as pessoas, ao invés de ficarem contra, deveriam participar, ajudar a construir, porque será inexorável. Ninguém tinha a dimensão há 15 anos atrás do que seria a internet hoje. Ninguém tinha. Ninguém tem a dimensão ainda do que pode ser a TV digital. E a pluralidade que ela pode permitir de utilização dos canais de televisão. Então, discutir isso é uma necessidade da nação brasileira. Uma necessidade dos empresários, dos especialistas, dos jornalistas, ou seja de todo o mundo para ver se a gente se coloca de acordo com o que nós queremos de telecomunicações para o futuro do País.

Terra - Como essa discussão quase sempre se dá em meio a campanha, a gente não tem a oportunidade de falar assim tão claramente. O que mais incomoda o senhor: é a cobertura (ser) crítica de um lado e não existir a investigação sobre os demais candidatos? Seria isso?
Não, não. Veja, Bob você me conhece há muito tempo e sabe o que eu tenho afirmado. Só existe uma possibilidade no meu governo de alguém não ser investigado. É não cometer erro. Se cometer erro, tem de ser investigado. Isso vale para todo mundo. Agora, eu acho que a imprensa presta um papel importante.

Terra - O senhor está dizendo que ela é desequilibrada? Só está cobrindo um lado e não está cobrindo...
É que eu acho que a imprensa está cumprindo um papel importante quando ela denuncia. Por que? Ou você sabe porque alguém denunciou, ou você sabe porque alguém cobriu ou você sabe porque saiu na imprensa. Quando sai alguma coisa na imprensa você vai atrás. Você vai, então, apurar. De tudo aquilo que é uma feijoada, o que é feijão, o que é carne, o que é costela, o que é carne seca. Você vai separar as coisas para saber o peso de cada uma. E é exatamente o que a gente faz nesse governo. Ou seja, eu vou te dar um exemplo, sem citar jornal. Na campanha passada, os caras diziam, "porque o avião do Lula...", porque o Aerolula... Passando para a sociedade, disseminando umas bobagens, vai despolitizando a sociedade. Agora, estão dizendo que a TV pública é a TV do Lula. Nunca disseram que a TV pública de São Paulo é do governador de São Paulo e as outras são dos outros governadores. Agora, uma TV para um presidente que está terminando o mandato daqui a três meses, é a TV Lula. Ou seja, esse carregamento de...composto de ...de muita ...de muita, eu diria, de muito preconceito ou de muita até, eu diria até, às vezes, ódio, demonstra o que? O velho Frias (Octavio Frias de Oliveira, publisher da Folha, falecido em abril de 2007) me dizia: "Lula, o pessoal do andar de cima não vai permitir você subir lá...". Quem me dizia isso era o velho Frias repetidas vezes: "Lula, cuidado, o pessoal do andar de cima não vai permitir você chegar naquele andar...". Sabe? Então, o pessoal se comporta como se o pessoal da Senzala tivesse chegando à Casa Grande. E ficam transmitindo uma coisa absurda. Nesse momento do Brasil, falar em falta de liberdade de comunicação....? Nesse momento do Brasil! Eu duvido, duvido. Eu quero até que vocês coloquem em negrito isso aqui: Eu duvido que exista um país na face da Terra com mais liberdade de comunicação do que neste País, da parte do governo. Agora, a verdade é que nós temos nove ou dez famílias que dominam toda a comunicação desse País. A verdade é essa. A verdade é que você viaja pelo Brasil e você tem duas ou três famílias que são donas dos canais de televisão. E os mesmos são donos das rádios e os mesmos são donos dos jornais...

Terra - Nos municípios, isto tem uma capilaridade: o chefe político tal...
Então, muita gente não gostou quando, no governo, nós pegamos o dinheiro da publicidade e dividimos para o Brasil inteiro. Hoje, o jornalzinho do interior recebe uma parcela da publicidade do governo. Nós fazemos propaganda regional e a televisão regional recebe um pouco de dinheiro do governo. Quando nós distribuímos o dinheiro da cultura, por que só o eixo Rio-São Paulo e não Roraima, e não o Amazonas, e não o Pernambuco, e não o Ceará receber um pouquinho? Então, os homens da Casa Grande não gostam que isso aconteça.

Terra - A propósito de "Casa Grande", sociologia etc..., na semana passada um importante sociólogo, Fernando Henrique Cardoso, evocou Mussolini ao se referir ao senhor como chefe de uma facção. Chegando ao final desses 16 anos (governos FHC e Lula), o senhor acha que ainda existe...
Eu acho que, sinceramente, as pessoas deveriam olhar para o Brasil e olhar para os outros países. E todo o mundo deveria agradecer a Deus o Brasil ser do jeito que ele é, o Brasil ter o governo que ele tem e ter o povo que tem. Eu lembro que o João Roberto Marinho, quando voltou da eleição do México passada, numa conversa que teve comigo falou: "Ô presidente, eu estava no México e foi de lá que eu aprendi a valorizar a democracia no Brasil. Porque, aqui no Brasil, todo mundo acata o resultado. Lá no México, eu vi um milhão de pessoas na rua contra o resultado eleitoral". Ou seja, aqui no Brasil nós não corremos esse risco. Porque esse País tem um outro jeito de exercitar a democracia. E a democracia ela só será exercitada - vocês estão lembrados que eu dizia quando era líder sindical ainda -, democracia não é o povo ter o direito de gritar que está com fome, democracia é o povo ter direito de comer. Nós estamos chegando lá, estamos chegando lá, então as pessoas, sabe, que talvez tenham problemas ideológicos, problemas de preconceito, ou seja, que não admite que...meus queridos, vejam o que vai acontecer amanhã, sexta-feira; a Bovespa, que tinha ódio de mim, e quando tinha medo de mim ela tinha apenas 11 mil pontos, hoje já chegou a 72 (mil pontos), já chegou a 68 (mil pontos). Ou seja, acima dos 60 mil pontos. E vai exatamente um presidente da República, que tanta gente tinha medo, fazer a maior capitalização da história da humanidade. Ouso dizer: nunca antes na história do planeta Terra houve uma capitalização da magnitude do que vai acontecer na sexta-feira, sabe, com a minha presença.

Terra - E isso lhe dá um prazer especial?
Me dá. Me dá um prazer especial porque é um sucesso do Brasil, é um sucesso da Petrobrás, é um sucesso do investimento em tecnologia, é um sucesso de acreditar neste País. Mas na verdade é o sucesso da ascensão do Brasil no mundo. Ou seja, quem acompanha a imprensa internacional percebe que hoje nós ocupamos na imprensa internacional num mês aquilo que a gente não ocupava em três décadas, há pouco tempo atrás. Porque no Brasil, as pessoas precisam aprender uma coisa: ninguém respeita quem não se respeita. E muita gente do Brasil costumava chegar nos Estados Unidos ou na Europa de cabeça baixa, se achando um ser inferior.

Terra - Tirava o sapato...
É. Eu, quando eu tomei posse, disse para os meus meninos: se alguém tirar o sapato, se eu souber, porque também não vou, não estou com eles, mas também se chegar lá para tirar o sapato é melhor vir embora. Porque eu mando embora. A única coisa que eu acho que vai acontecer lá é o seguinte: o Brasil vai sair mais honrado deste processo, o Brasil vai sair mais forte e não vai ser o Lula que vai ganhar, o Lula está fora disso em dezembro, meu filho.

Terra - O senhor está se referindo a isso por causa da pergunta, Mussolini...?
É, por causa disso, ou seja, eles confundem populismo com popular. Eles não sabem o que é popular porque eles nunca tiveram perto do povo. Essa gente, essa gente que não gosta de mim, na época das eleições até sorri pros pobres, até fazem promessa pros pobres, mas depois das eleições... o pobre passa perto deles um quilômetro. Então, sabe, isso é uma confusão maluca entre o populismo e o popular. O que é o populismo? É um cara, sabe, que não tem nada a ver com ninguém e aparece fazendo promessas, aparece fazendo política demagógica. Não é o nosso caso. Todas as políticas minhas são decididas, Bob... Já foram 72 conferências nacionais, conferências que começam lá no município, vai para o Estado e vem pra cá. Algumas conferências participaram 300 mil pessoas até chegar na conferência nacional. E aí nos decidimos as políticas públicas. Então eles...obviamente eu acho que tem muita gente incomodada e eu não tenho culpa, eu não tenho culpa. Sabe, tirar deles incomodou muita gente no Brasil. A Coroa Portuguesa durante muito tempo ficou incomodada por conta daqueles que diziam que era preciso mudar. Ficaram incomodados até com Dom Pedro quando ele quis mudar. Por que não ficar comigo?

Terra - O Brasil mudou e eu faço a seguinte pergunta, quer dizer, a política brasileira mudou? O senhor antigamente falava muito em reforma política, que era uma das bandeiras e hoje a gente vê os partidos enfraquecidos. Como o senhor avalia hoje a política, a necessidade da reforma política e um adendo: em uma viagem ao Pará, nas vésperas da eleição passada, em um vôo o senhor disse na entrevista que uma das suas primeiras medidas que o senhor tentaria seria a reforma política. Por quê não saiu? Por que é tão difícil de fazer?
Porque a reforma política não é uma coisa do presidente da República. A reforma política é uma coisa dos partidos políticos. E do jeito que os partidos se comportam parece que a gente tem um monte de partidos , todos criticando, sabe, a legislação que regulamenta a política no Brasil. Todo mundo quer uma reforma política, mas ninguém mexe. Porque desagrada a muita gente. Então, veja, eu mandei duas propostas de reforma, de coisas que precisariam mudar para poder melhorar a política brasileira e que não foi votado. Nós mandamos, por exemplo, a regulamentação do financiamento de campanha, para acabar com o financiamento privado e ficar com financiamento público, que na minha opinião é a forma mais honesta de se fazer campanha neste País, a fidelidade partidária... porque o que é o ideal? É você ter partido forte para você negociar com partido. Isso faz parte da democracia. Quando você faz coalizão com partido político você estabelece regras nesta coalizão, você partilha um poder com essa coalizão. Agora, do jeito que está é quase que impossível, porque a direção dos partidos não representa mais os partidos. O líder da bancada não representa mais a bancada, ou seja se criou grupos de deputados, grupos por região, grupos...ou seja, e está muito difícil para eles próprios...então, o que eu acho? Quando eu deixar a presidência, eu quero, primeiro dentro do PT, convencer o PT da necessidade de fazer uma reforma política, convencer os partidos da base aliada do governo da necessidade de se fazer uma reforma política neste País pra que a gente não fique com legenda de aluguel, como nós temos agora.

Terra - Na semana passada, o Lembo disse até naquela entrevista, primeiro que a oposição vai estar em frangalhos nas urnas e ele é do DEM, e que na verdade não vão existir praticamente partidos, só o movimento social e que seria liderado pelo senhor. O senhor concorda?
Eu não concordo porque eu não sou líder do movimento social, eu sou um dirigente partidário. O movimento social tem suas lideranças próprias. Agora, eu acho que...eu não concordo com o Lembo que não tenha partido político, o PT é um grande partido político. Nas pesquisas da opinião pública, o PT aparece com 30% de preferência em qualquer pesquisa que se faça. Demonstração de que isso é um partido, sabe, como poucas vezes no mundo você teve um partido assim, você teve um PRI, um partido comunista mexicano que era extremamente forte e aí sim era populismo, você tinha um partido comunista italiano que tinha 30% dos votos e que era um baita de um partido na Itália, embora nunca tenha chegado no poder, você tinha a social democracia que revezava o poder em uma parte da Europa, os socialistas franceses que revezavam. E você tem no Brasil o PT que é um partido organizado nacionalmente e muito forte. Agora, eu acho que as reformas, elas se darão por dentro dos partidos políticos, dentro do Congresso Nacional. E ela se dará porque nós não precisamos ter uma legenda que aluga na época da eleição, que tem horário de televisão...

Terra - Tiririca é um símbolo disso?
Veja, eu acho...eu não sou contra...

Terra - Como representação, não é demonizando...
Ele tem um partido, ele pode ser filiado no partido como qualquer outra pessoa. Deixa eu lhe falar... o Tiririca é um cidadão que representa uma parcela da sociedade brasileira.

Terra - Mas um voto de protesto...
Eu não sei se é voto de protesto, ele pode surpreender, sabe...eu acho legal o Romário estar entrando na política, acho legal o Bebeto estar entrando na política, o Marcelinho...porque, veja, a política antigamente o que era? Antigamente a política era advogado, professor, funcionário público e empresário. Ora, se você tem jogador de futebol, você tem movimento indígena, você tem...todo mundo tem que se apresentar e o Congresso estará melhor representado . Se eles trabalharem corretamente, serão valorizados. Se as pessoas não trabalharem corretamente, no próximo mandato cairão fora como já provou a história da humanidade e aqui neste País. Então, eu estou tranquilo com relação à necessidade da reforma política, ou seja, a cada dia uma pessoa só cria um partido político. Agora, na época da eleição você precisa normatizar quem é que participa do que, porque quando nós fomos criados em 80 nós tínhamos que legalizar o partido em 15 Estados e dentro de cada Estado em 20% dos municípios. Era um trabalho imenso e ter 3% de voto, sabe, para governo em 82. Não foi fácil chegar e nós fizemos. Então é preciso criar parâmetros para as pessoas organizarem. Você não pode, ou seja, você não tem um partido político, daqui a pouco os deputados são eleitos por um partido tal, antes de tomar posse, já mudaram de partido. Ou seja, você fez uma negociação com o partido que tinha 20 deputados, daqui a pouco esse partido tem 10 e a negociação está feita. Como é que fica?

Terra - Presidente, que PT é esse que neste momento da política brasileira sairá das urnas? E, segunda pergunta, onde o PT, que teve momentos de altos e baixos acentuados durante o seu mandato, onde acertou e onde errou?
Primeiro, o PT tem pouca ingerência no governo, sabe. Quando você ganha um governo, você governa, e na minha o partido tem até liberdade de em vários momentos não concordar com o governo e até fazer oposição ao governo, criticar o governo, sabe? Nós perdemos muita gente que foi do PT porque não concordou com a reforma da previdência do setor público que nós começamos a fazer em 2003. Isso faz parte também da história política do mundo inteiro. Foi assim no partido socialista francês, no alemão, no sueco, no partido democrata americano, acontece em todos os partidos políticos. Eu acho que o PT deu uma ajuda muito grande agora quando aceitou a indicação da ministra Dilma como presidente, ou seja, havia quem dissesse que o PT queria criar caso, que o PT queria uma liderança histórica, alguém com mais vínculo, e o PT aceitou tranquilamente a Dilma e eu acho que PT tomou a decisão madura e coerente, sabendo a minha relação com o PT e o peso do governo na decisão do processo eleitoral. Eu acho que foi uma decisão madura e, obviamente que, muitas vezes aceitando aquilo que a gente fazia no governo. Porque, qual é o problema do governo? Quando você chega no governo, você não participa mais da decisão de um partido. Eu, faz oito anos, sete anos, que eu não vou numa reunião do partido. Porque eu tomei como decisão de que, ao ser eleito presidente da República, eu não poderia governar para o PT, eu não poderia enxergar o mundo apenas pelo PT, eu tenho que enxergar o mundo pela pluralidade da política brasileira e da sociedade brasileira. Então, eu estabeleci uma forte relação com os trabalhadores, é verdade. Mas estabeleci também uma forte relação com os empresários, estabeleci uma relação muito forte com os setores médios da sociedade, porque é isso que é a sociedade brasileira. Ela não é apenas, sabe, vermelha ou azul ou verde. Ela é muito mais colorida do que tudo isso e o presidente da República tem que ficar com uma espécie de magistrado. Agora, quando chega época de eleição não é possível o presidente da República ficar como magistrado porque eu tenho um lado. Eu tenho um partido e tenho candidato.

Terra - O senhor tem sido muito cobrado por estar interferindo na eleição....
Deveria ser, deveria ser cobrado quem perdeu. Quem não conseguiu fazer o sucessor, porque o sucessor é uma das prioridades de qualquer governo para dar continuidade a um programa que você acredita que vai acontecer. Imagina se entra no Brasil para governar alguém que resolve querer voltar e privatizar a Petrobrás? (pausa) Onde vai o pré-sal? Ou alguém que resolva não mudar a lei e permitir que a lei do petróleo continue a mesma? A gente sabendo...o contrato de risco é quando a gente corre riscos. Mas quando a gente sabe onde tá bichinho do ouro preto, por que a gente vai fazer contrato de risco? Então, nós temos que se apoderar desta riqueza a bem do povo brasileiro, é um patrimônio do povo, não é um patrimônio da Petrobrás. Então, nós temos medo de que este País sofra um retrocesso. Por isso que eu tenho candidato. Seria inexplicável para a sociedade se eu entrasse numa redoma de vidro e falasse: olha, aconteça o que acontecer nas eleições, o presidente da República não pode dar palpite. Mas nem para escolher o Papa acontece isso.

Terra - Presidente, essas eleições já estão definidas?
Olha, nunca existe eleição decidida. Eu sempre acho que eleições e mineração a gente só sabe disso depois do resultado. Abriu a urna, agora não tem urna para abrir...

Terra - Mas tem o negócio de identidade (carteira de identidade) que pode complicar...
Olha, teria problema de identidade se você não tivesse elevado 36 milhões de pessoas da classe C. Esse povo agora está comprando, esse povo está entrando na loja, está fazendo crédito esse povo tem documento, fotografia... O que eu acho extremamente importante é que nesse processo eleitoral, a gente precisa primeiro ter muita cautela. Esse é o momento de um time que está ganhando de dois a zero. O adversário está dando botinada, está chutando no peito, está chutando na canela, o juiz não está apitando falta e nós não podemos perder a cabeça, porque o que eles querem é expulsar alguém do nosso time, para a gente ficar em minoria. Então, agora é muita cautela, vamos fazer troca de passes entre nós, vamos fazer a bola correr. Como dizia o Parreira, quando estava dirigindo o Corinthians, nós vamos ficar dominando a bola, ou seja, o tempo que a gente estiver com a bola é o tempo que a gente não toma gol...

Globo 24/08 - - PT e UNE deixam de ir a ato contra mídia

Presidentes de centrais sindicais mandam representantes à manifestação, que teve ataques à imprensa e apoios a Dilma

O ATO contra a mídia organizado por centrais sindicais, MST e PT na sede do sindicato dos jornalistas de São Paulo: ataques à imprensa

SÃO PAULO e RIO. O "Ato contra a mídia golpista", convocado por centrais sindicais e dirigentes petistas após o presidente Lula atacar a imprensa, reuniu cerca de 400 pessoas no Sindicato dos Jornalistas de São Paulo ontem e se tornou um misto de plenária social com comício pró-candidatura da petista Dilma Rousseff. À exceção do presidente do PCdoB, Renato Rabelo, o evento não atraiu nenhum presidente de centrais sindicais - que mandaram representantes - ou de partidos políticos.

Rabelo acusou grandes veículos de comunicação brasileiros de organizarem uma "conspiração" contra Dilma Rousseff. A grande imprensa foi atacada e acusada de ter "saudade" da ditadura.

- Eles achavam que o candidato deles, José Serra, é que ia a ganhar a eleição porque começou disparado. Quando perceberam que o povo votava contra tucanos e José Serra, começaram então a produzir factoides contra a candidata Dilma Rousseff - disse Rabelo.

O PCdoB, de Rabelo, é um dos partidos da coligação que apoia a candidatura de Dilma.

- O que eles querem mesmo não é simplesmente uma tentativa golpista de impedir o favoritismo de Dilma Rousseff. Eles vão além. É conspiração! É golpismo e conspiração! - disse Rabelo.

Representante do PT teve um "contratempo" e não foi

Representando o PSB, a deputada Luiza Erundina (SP) afirmou que a imprensa tem uma reação "irada" e "macartista", em referência à perseguição contra comunistas realizada pelo senador norteamericano McArthur nos anos 50.

- Sabem o por quê dessa reação nervosa, macarthista? É porque não têm mais o controle dos meios de comunicação como tinham antes. Sabe por que a reação irada deles? Porque deu certo o governo do primeiro operário deste país! Porque vamos eleger a primeira mulher! Vamos permanecer vigilantes porque eles vão tentar tudo! - disse Erundina, interrompida por um manifestante que gritava: "golpe militar".

O principal documento do ato, lido pelo blogueiro Altamiro Borges, pedia ainda que a subprocuradora eleitoral, Sandra Cureau, realizasse uma devassa nos contratos publicitários, "a abertura dos contratos de publicidade de outras empresas de comunicação, Editora Abril, grupo Folha, Estadão e Organizações Globo, a exemplo do que fez recentemente com a revista Carta Capital". Altamiro Borges é presidente do Centro de Estudos de Mídia Alternativa Barão de Itararé, que organizou o ato.

- É urgente uma operação Ficha Limpa na mídia brasileira! - disse o blogueiro.

Outros trechos do documento lido também continham fortes ataques aos jornais, associando os grupos empresariais à ditadura e o desejo de seu retorno.

Também discursaram no ato um secretário do PDT e representantes da CUT, CTB, CGTB e MST. A Nova Central não quis usar a palavra. A Força Sindical chegou a ser anunciada, mas nenhum representante se apresentou para falar. A mesa organizadora do evento também pediu desculpas pelas ausências de João Felício, que representaria o PT, alegando um "contratempo", e de um dirigente da UNE.

No Rio, diretor da Abert critica tentativas de restrição

O Clube Militar, no Centro do Rio, foi sede na tarde ontem de um encontro para discutir ameaças à liberdade de imprensa. O diretor de assuntos legais da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), Rodolfo Machado Moura, fez em seu discurso uma lista do que considera, desde o início do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003, tentativas de restrição à expressão. Ele citou as propostas de criação do Conselho Federal de Jornalismo, da Agência Nacional do Audiovisual (Ancinav) e o Plano Nacional de Direitos Humanos.

- (O plano) pretendia criar uma comissão que ficaria responsável por avaliar a programação das emissoras no tocante ao respeito aos direitos humanos. E essa comissão poderia, inclusive, promover a cassação das outorgas das emissoras de radiodifusão. Isso é um absurdo por si só, além de ser inconstitucional. Uma comissão sabe-se lá composta por quem - criticou Moura, no painel mediado por Paulo Uebel, diretor-executivo do Instituto Milennium.

Do evento - que teve protesto de estudantes do lado de fora, com críticas aos meios de comunicação - participaram os jornalistas Merval Pereira, do GLOBO, e Reinaldo Azevedo, da "Veja".

- No fundo, a insistência quanto ao diploma de jornalista traduz simplesmente o viés corporativista e oficialista do governo brasileiro. É um governo que acha que o Estado tem que controlar tudo - disse Merval.

Reinaldo Azevedo comentou declaração recente do presidente Lula afirmando que a imprensa é o verdadeiro partido de oposição.

- À sua maneira, ele tem razão. Porque a oposição nesse tempo foi tão mixuruca, tão despolitizada, tão vagabunda, que sobrou a imprensa. Não (para) fazer oposição. A questão é defender o artigo dos direitos individuais e da imprensa.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Folha 23/09 - - Força e espuma da onda vermelha

Renata Lo Prete



A se confirmarem os números das pesquisas, o PT não sofrerá nenhum revés relevante na eleição

A POPULARIDADE do presidente da República já havia apagado o desenho no qual os brasileiros se dividiam em três fatias mais ou menos iguais: os pró-Lula, os anti-Lula e os que se moviam ao sabor da conjuntura. Desde 2008, a parcela que o reprova não chega a um décimo.
A novidade de 2010 é que também o PT pode dar um salto e derrubar a tese de que possui piso e teto semelhantes, cada um em torno de um terço do eleitorado.
A se confirmarem os números das pesquisas, o partido não sofrerá nenhum revés significativo em 3 de outubro. Perderá apenas onde já esperava perder. Ganhará também onde não esperava ganhar.
É o caso das disputas para governador, que a legenda não tratou como prioritárias -por decisão de Lula, em vários Estados aliados foram privilegiados em troca de apoio à candidatura de Dilma Rousseff.
Ainda assim, o PT, que hoje controla quatro unidades da federação, poderá ficar com cinco ou seis.
Diferentes institutos dão como certas as vitórias no primeiro turno de Jaques Wagner (Bahia), Marcelo Déda (Sergipe) e Tião Viana (Acre).
E como prováveis as de Tarso Genro (Rio Grande do Sul) e Agnelo Queiroz (Distrito Federal).
As dificuldades para a reeleição de Ana Júlia, no Pará, não chegam a surpreender, tantos foram os erros no primeiro mandato -mesmo assim, sobrevive a possibilidade de uma arrancada na reta final.
Surpreendente é a dianteira de Tarso, que conseguiu atrair mais adesões do que o insosso -e por isso mais palatável- PMDB gaúcho.
Ou o resultado consagrador que se avizinha na Bahia, não obstante os adversários de peso.
No Senado, o PT poderá pular dos atuais 8 para até 15 representantes.
Lidera, de maneira isolada ou em situação de empate técnico, em colégios eleitorais importantes, como São Paulo (com Marta Suplicy), Rio de Janeiro (Lindberg Farias), Pernambuco (Humberto Costa), Bahia (Walter Pinheiro) e Paraná (Gleisi Hoffmann). À exceção da ex-prefeita, os demais estão superando as expectativas.
Os únicos candidatos a senador com desempenho aquém do programado são justamente os que foram sacrificados pelo partido.
Fernando Pimentel (MG) paga o preço do jamais assumido pacto de não agressão entre o Planalto e Aécio Neves (PSDB) em benefício do voto "Dilmasia". Já Paulo Paim (RS) sofre por ter atuado durante oito anos à margem e eventualmente contra os interesses do governo.
Na Câmara, nem o PMDB contesta a estimativa de que a onda vermelha elegerá a maior bancada, com mais de cem deputados.
E há Dilma, hoje na frente em todos os Estados pesquisados pelo Datafolha, inclusive nos redutos tucanos: tem o dobro da intenção de voto de Serra em Minas e, ainda que na vizinhança da margem de erro, segue à frente em São Paulo.
Daí a preocupação do PT com os mais recentes escândalos da campanha. Tráfico de influência na Casa Civil, propina nos Correios, violação de sigilo na Receita: esses episódios não alvejam exclusivamente Dilma. São também um teste de estresse da nova fase do relacionamento entre o partido e o eleitor.

RENATA LO PRETE é editora do Painel

Folha 23/09 - - Itamar Franco usa TV para se vender como o pai do Plano Real e ignora FHC

DE BELO HORIZONTE - O ex-presidente Itamar Franco (PPS), candidato ao Senado por Minas, dedicou ontem seu programa eleitoral de TV do horário da tarde para dizer que "fez o Plano Real", que reduziu a inflação.
Em nenhum momento, Itamar cita Fernando Henrique Cardoso, que na época era seu ministro da Fazenda. Os dois sempre disputaram a paternidade do plano.
Um narrador afirma que Itamar "assumiu a Presidência do Brasil em um momento muito difícil, lançou o Plano Real e venceu a inflação".
Itamar já chegou a mostrar na TV que "fez o seu sucessor", mas também sem nunca citar FHC.
O programa também relaciona seu governo, que foi de 1992 a 1994, ao desempenho atual do país. "Itamar Franco abriu o caminho para o desenvolvimento do país de hoje", afirma. (RODRIGO VIZEU)

Globo 23/09 - - Tempos petistas

Merval Pereira

"Por ironia do destino, os militares estão organizando um evento para defender a liberdade de imprensa no mesmo dia em que os sindicatos e os movimentos sociais organizam uma manifestação para atacar a liberdade de imprensa. Os tempos mudaram". O comentário de Paulo Uebel, diretor-executivo do Instituto Milennium, é sintomático dos tempos que estamos vivendo.


O Clube Militar está realizando no Rio um painel intitulado "A democracia ameaçada: restrições à liberdade de expressão", hoje à tarde, do qual participarei com Reinaldo Azevedo, da "Veja", e o diretor de assuntos legais da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), Rodolfo Machado Moura.

Na outra ponta, está programada também para hoje em São Paulo uma manifestação contra a chamada "grande imprensa", com o apoio do PT, da CUT, da UNE e várias organizações não governamentais, e os que se autointitulam "blogueiros independentes", todos, sem exceção, financiados pelo dinheiro público.

Um fato inédito em uma democracia, só registrado na antiga União Soviética - quando os sindicatos tomavam a si a tarefa de controlar seus associados para que atuassem de acordo com as diretrizes governamentais -, é que o Sindicato dos Jornalistas Profissionais de São Paulo está apoiando o movimento.

Antônio Felício, secretário sindical nacional do PT e secretário de Relações Internacionais da CUT, em artigo publicado no blog do Partido dos Trabalhadores, explicita o que seria essa conspiração, no mais puro chavismo, ou ao estilo do que o governo dos Kirchner está fazendo na Argentina.

Segundo ele, "a verdadeira ditadura do pensamento único" está sendo implantada no país pelas "oito famílias que dominam mais de 80% da mídia impressa, falada e televisionada, e seus satélites".

As ações teriam sido deliberadas "na malfadada reunião do Instituto Millenium, em São Paulo, no mês de março deste ano". E quais seriam as evidências dessa conspiração da "grande imprensa"?

As diversas reportagens publicadas recentemente denunciando tráfico de influência, corrupção e o aparelhamento do Estado com a utilização de órgãos estatais para fins políticos, como a quebra de sigilo fiscal de pessoas ligadas ao PSDB e ao próprio candidato da oposição à Presidência, José Serra, ou simplesmente para empregos de parentes e amigos em órgãos públicos.

A mais recente denúncia sobre tráfico de influência alcançou o ministro da Comunicação Social, Franklin Martins. A estatal Empresa Brasil de Comunicação (EBC), cujo Conselho de Administração ele preside, contratou por R$6,2 milhões uma empresa onde seu filho trabalha como representante comercial.

Também ontem se descobriu que uma filha do presidente dos Correios havia sido contratada pelo Gabinete Civil, uma prática nepotista de contratações cruzadas, já que foi Erenice Guerra quem indicou o presidente dos Correios.

São essas denúncias, que já provocaram a demissão de uma ministra de Estado e meia dúzia de dirigentes estatais, que os sindicalistas consideram exemplares da manipulação do noticiário com o objetivo de levar a eleição para o segundo turno.

Esse ambiente de tensão política está sendo alimentado pelo próprio presidente Lula, que vem desfilando de palanque em palanque, dedicado a eleger sua candidata no primeiro turno e a tentar jogar o eleitorado petista contra os meios de comunicação, que estariam unidos em uma conspiração contra seu projeto político.

A sua atuação na campanha eleitoral, que não leva em conta a ética pública nem respeita a chamada "liturgia do cargo", está sendo denunciada por um documento que foi lido ontem pelo jurista Hélio Bicudo, um fundador do PT, assinado por personalidades como o cardeal arcebispo emérito de São Paulo Dom Paulo Evaristo Arns, o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Carlos Velloso e intelectuais como Ferreira Gullar.

O manifesto fala nos riscos do autoritarismo e critica a ação de grupos que atuam contra a imprensa: "É aviltante que o governo estimule e financie a ação de grupos que pedem abertamente restrições à liberdade de imprensa, propondo mecanismos autoritários de submissão de jornalistas e de empresas de comunicação às determinações de um partido político e de seus interesses".

A preocupação generalizada é com a escalada personalista do presidente Lula, que transforma em inimigos todos os que discordam de seu governo. "É constrangedor também que ele não tenha a compostura de separar o homem de Estado do homem de partido, pondo-se a aviltar os seus adversários políticos com linguagem inaceitável, incompatível com o decoro do cargo, numa manifestação escancarada de abuso de poder político e de uso da máquina oficial em favor de uma candidatura. Ele não vê no "outro" um adversário que deve ser vencido segundo regras da democracia, mas um inimigo que tem de ser eliminado".

O documento lembra as diversas ocasiões nesta campanha eleitoral em que o presidente da República escarneceu da Justiça Eleitoral, e seu propósito de eleger uma maioria para poder controlar o Senado: "É um insulto à República que o Poder Legislativo seja tratado como mera extensão do Executivo, explicitando o intento de encabrestar o Senado. É um escárnio que o mesmo presidente lamente publicamente o fato de ter de se submeter às decisões do Poder Judiciário".

O documento finaliza afirmando que é dever dos democratas, para "brecar essa marcha para o autoritarismo", combater uma "visão regressiva do processo político, que supõe que o poder conquistado nas urnas ou a popularidade de um líder lhe conferem licença para rasgar a Constituição e as leis".

Estadão 23/09 - - Ato insensato

Dora Kramer



O PT quer constranger os veículos de comunicação. É nítida a intenção de fazer com que a imprensa pegue mais "leve" em relação aos fatos novos de cada dia sobre corrupção, nepotismo, empreguismo e o uso partidário do espaço público no governo Luiz Inácio da Silva.
O presidente fala alto e fala grosso na tentativa de levar jornais, revistas e emissoras a acharem "melhor" deixar esses assuntos para depois da eleição a fim de não serem acusados de favorecer candidaturas de oposição.
Como se fosse aceitável suspender os fatos para não atrapalhar os atos de interesse oficial.
A ofensiva é tão agressiva que leva a pensar se não se trata de medida preventiva contra algo que seja do conhecimento do presidente e os demais brasileiros ainda ignoram.


De outro modo não se pode explicar com argumentos minimamente razoáveis a fúria e o desassombro que tomam conta de Lula e companhia.

Zangado poderia estar José Serra, cuja candidatura é dada como morta e enterrada todos os dias nos meios de comunicação, nunca o presidente Lula, cujo plano de eleger Dilma Rousseff se materializa com pleno êxito.

A imprensa, no caso de Serra, lida com informações transmitidas pelas pesquisas e estas mostram uma dianteira mais do que significativa de Dilma. É o que registram os jornais, as rádios e as televisões: se as eleições fossem hoje, ela estaria eleita em primeiro turno.

Da mesma forma acompanham o desenrolar dos demais acontecimentos: quebras de sigilo fiscal, confecção de dossiês, violação da legalidade por parte do governo em geral e do presidente em particular e mais recentemente a descoberta da central de negócios montada na Casa Civil sob a gerência de Erenice Guerra, a segunda na hierarquia durante a gestão de Dilma e sua substituta depois da saída para a campanha eleitoral.

Disso temos as seguintes consequências: dois inquéritos na Polícia Federal, sindicância na Receita Federal, dois indiciamentos na PF por causa das quebras de sigilo, demissão do primeiro (Luiz Lanzetta) encarregado da comunicação no comitê de Dilma Rousseff, sete multas da Justiça Federal ao presidente da República e cinco demissões de funcionários em função do escândalo Erenice.

Pois diante de tantas informações concretas, Lula afirma e dá fé pública que a imprensa "mente" e "inventa". Ora, se mesmo vitorioso o presidente acha que é preciso valer-se de sua popularidade para ele sim maquiar a realidade é porque vê razões para isso.

Ou teme o que ainda poderia vir por aí e por isso tenta desqualificar a imprensa ou não tem tanta certeza de que o resultado das urnas seja esse mesmo que indicam as pesquisas e por isso se arrisca a um fim de mandato melancólico jogando seu prestígio num lance de pura, e injustificável, histeria.

Até agora o presidente não condenou. Lícito, portanto, presumir que avalize a decisão do PT de organizar um ato público contra a imprensa. Na verdade, convocado sob inspiração presidencial.

O ato seria apenas uma manifestação normal de um grupo que defende determinada posição, não fosse pelo envolvimento do governo na questão. Sendo, é caso de abuso de poder, improbidade e ataque à Constituição.

De acordo com que argumentam os organizadores da manifestação, é preciso reagir "à tentativa da velha mídia de forçar um segundo turno".

Alto lá, a eleição ainda não aconteceu. Como, forçar? Segundo a lei o processo eleitoral em colégios de mais de 200 mil habitantes é composto de dois turnos e o primeiro ainda não aconteceu. Se for necessário ocorrer o segundo, onde está a ilegalidade, o golpismo?

Se alguém está querendo forçar alguém é o governo que usa a sua força - monumental, no presidencialismo imperial brasileiro - para sufocar o contraditório.

Volver. Se Lula olhar bem a lista de signatários do manifesto em defesa da democracia - Hélio Bicudo, d. Paulo Evaristo Arns, Ferreira Gullar, Paulo Brossard -, notará que há 30 anos era gente que sustentava o início de sua trajetória.

Estadão - - O desmanche da democracia

A escalada de ataques furiosos do presidente Lula contra a imprensa - três em cinco dias - é mais do que uma tentativa de desqualificar a sequência de revelações das maracutaias da família e respectivas corriolas da ex-ministra da Casa Civil Erenice Guerra. É claro que o que move o inventor da sua candidata à sucessão, Dilma Rousseff, é o medo de que a sequência de denúncias - todas elas com foros de verdade, tanto que já provocaram quatro demissões na Pasta, entre elas a da própria Erenice - impeça, na 25.ª hora, a eleição de Dilma no primeiro turno. Isso contará como uma derrota para o seu mentor e poderá redefinir os termos da disputa entre a petista e o tucano José Serra.

Mas as investidas de Lula não são um raio em céu azul. Desde o escândalo do mensalão, em 2005, ele invariavelmente acusa a imprensa de difundir calúnias e infâmias contra ele e a patota toda vez que estampa evidências contundentes de corrupção e baixarias eleitorais no seu governo. A diferença é que, agora, o destampatório representa mais uma etapa da marcha para a desfiguração da instituição sob a sua guarda, com a consequente erosão das bases da ordem democrática. A apropriação deslavada dos recursos de poder do Executivo federal para fins eleitorais, a imersão total de Lula na campanha de sua afilhada e a demonização feroz dos críticos e adversários chegaram a níveis alarmantes.

A candidatura oposicionista relutou em arrostar o presidente em pessoa por seus desmandos, na crença de que isso representaria um suicídio eleitoral - como se, ao poupá-lo, o confronto com Dilma se tornaria menos íngreme. Isso, adensando a atmosfera de impunidade política ao seu redor, apenas animou Lula a fazer mais do mesmo, dando o exemplo para os seguidores. As invectivas contra a imprensa, por exemplo, foram a senha para o PT e os seus confederados, como a CUT, a UNE e o MST, promoverem hoje em São Paulo um "ato contra o golpismo midiático". É como classificam, cinicamente, a divulgação dos casos de negociatas, cobrança e recebimento de propinas no núcleo central do governo.

Sobre isso, nenhuma palavra - a não ser o termo "inventar", usado por Lula no seu mais recente bote contra a liberdade de imprensa que, com o habitual cinismo, ele diz considerar "sagrada". O lulismo promove a execração da mídia porque ela se recusa a tornar-se afônica e, nessa medida, talvez faça diferença nas urnas de 3 de outubro, dada a gravidade dos escândalos expostos. Sintoma da hegemonia do peleguismo nas relações entre o poder e as entidades de representação classista, o lugar escolhido para o esperado pogrom verbal da imprensa foi o Sindicato dos Jornalistas. O seu presidente, José Camargo, se faz de inocente ao dizer que apenas cedeu espaço "para um debate sobre a cobertura dos grandes veículos".

Mas a tal ponto avançou o rolo compressor do liberticídio que diversos setores da sociedade resolveram se unir para dizer "alto lá". Intelectuais, juristas, profissionais liberais, artistas, empresários e líderes comunitários - todos eles figuras de projeção - lançaram ontem em São Paulo um "manifesto em defesa da democracia", que poderá ser o embrião de um movimento da cidadania contra o desmanche da democracia brasileira comandado por um presidente da República que acha que é tudo - até a opinião pública - e que tudo pode.

Um movimento dessa natureza não será correia de transmissão de um partido nem estará atado ao ciclo eleitoral. Trata-se de reconstruir os limites do poder presidencial, escandalosamente transgredidos nos últimos anos, e os controles sobre as ações dos agentes públicos. "É intolerável", afirma o manifesto, "assistir ao uso de órgãos do Estado como extensão de um partido político, máquina de violação de sigilos e de agressão a direitos individuais." "É inconcebível que uma das mais importantes democracias do mundo seja assombrada por uma forma de autoritarismo hipócrita, que, na certeza da impunidade, já não se preocupa mais nem mesmo em fingir honestidade." O texto evoca valores políticos que, do alto de sua popularidade, Lula lança ao lixo, como se, dispensado de responder por seus atos, governasse num vácuo ético.

Globo 23/09 - - 'A democracia está correndo riscos'

Juristas e intelectuais como Hélio Bicudo e dom Paulo Arns lançam manifesto contra críticas de Lula à imprensa

MANIFESTANTES ASSINAM documento em defesa da democracia e da liberdade de expressão, em SP

Marcelle Ribeiro

SÃO PAULO. Depois dos ataques do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à imprensa e da convocação de um ato contra a mídia hoje por centrais sindicais, PT e MST, um grupo de juristas e intelectuais lançou ontem, em São Paulo, um manifesto em defesa da democracia e da liberdade de imprensa, condenando duramente a atitude do presidente. O ato foi realizado em frente à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), no Centro da capital, e transformado em protesto contra o que chamaram de "autoritarismo do governo".

"É aviltante que o governo estimule e financie a ação de grupos que pedem abertamente restrições à liberdade de imprensa, propondo mecanismos autoritários de submissão de jornalistas e empresas de comunicação às determinações de um partido político e de seus interesses", diz o documento "Se liga Brasil - Manifesto em defesa da democracia".

O documento foi assinado por mais de mil personalidades, como o jurista Hélio Bicudo, fundador do PT e hoje ex-petista; o arcebispo emérito de São Paulo, dom Paulo Evaristo Arns; o ex-presidente do STF Carlos Velloso; os atores Mauro Mendonça e Carlos Vereza; e intelectuais como Ferreira Gullar.

Nos últimos dias, Lula afirmou que a imprensa atua de má-fé e que jornais e revistas agem como partido político, decretando até o fim da opinião pública.

O manifesto em defesa da liberdade de imprensa diz que "é intolerável assistir ao uso de órgãos do Estado como extensão de um partido político, máquina de violação de sigilos e de agressão a direitos individuais". Durante o evento, Bicudo leu o texto.

"É constrangedor também que ele (Lula) não tenha a compostura de separar o homem de Estado do homem de partido, pondo-se a aviltar seus adversários políticos com linguagem inaceitável, incompatível com o decoro do cargo, numa manifestação escancarada de abuso de poder político e uso da máquina oficial em favor de uma candidatura", afirma o documento.

Ministro da Justiça na gestão de Fernando Henrique Cardoso, o jurista Miguel Reale Júnior disse que o ato das centrais sindicais e do PT é "um processo imensamente perigoso de radicalização". Ele disse que Lula vem agindo de maneira fascista:

- Na medida em que passou a denunciar a imprensa, a dizer que não precisa de formador de opinião, que a opinião "somos nós", essa é uma ideia substancialmente fascista. Ele sai de sua cadeira da Presidência para ser insuflador contra a imprensa. Isto é perigoso.

Reale Júnior disse que jornalistas estão sendo ameaçados em sites do PT e que não há mais liberdade para denunciar a corrupção no governo.

O jurista Hélio Bicudo, que foi vice da petista Marta Suplicy na prefeitura de São Paulo, disse que o país está à beira do risco de um governo autoritário:

- Ele (Lula) está sempre reclamando que a imprensa é contra ele, quando na verdade não existe esse problema. A imprensa tem o dever de fiscalizar e deve continuar fiscalizando.

Bicudo lembrou que Lula é presidente em horário integral e não pode usar a máquina governamental para sua opinião pessoal.

- Ele tenta desmoralizar a imprensa, desmoralizar todos os que se opõem ao seu poder pessoal.

Para Bicudo, sem liberdade de imprensa se tira uma base da democracia:

- A democracia está correndo riscos aqui.

Democracia assombrada por "autoritarismo hipócrita"

O manifesto afirma ainda que "é inconcebível que uma das mais importantes democracias do mundo seja assombrada por uma forma de autoritarismo hipócrita, que, na certeza da impunidade, já não se preocupa mais nem mesmo em valorizar a honestidade."


O jurista e ex-ministro da Justiça de FH José Gregori disse que um dos motivos do manifesto foram as críticas de Lula à imprensa, além da afirmação de que o DEM deveria ser extirpado.

- De repente a imprensa começou a ser alvo de críticas cada vez mais contundentes, chegando-se a uma frase que é absolutamente incompatível com o estado democrático de direito: "nós somos a opinião pública" - disse Gregori.

Uma equipe da campanha do candidato do PSDB, José Serra, gravou depoimentos no local. Os autores do manifesto estão coletando assinaturas no blog http://manifestoemdefesadademocracia.wordpress.com.

Globo 23/09 - - 'Acima dos políticos estão as instituições, pilares do regime democrático'

Leia a íntegra do manifesto em defesa da democracia e da liberdade de imprensa, assinado por juristas e intelectuais:

"Em uma democracia, nenhum dos Poderes é soberano. Soberana é a Constituição, pois é ela quem dá corpo e alma à soberania do povo.

Acima dos políticos estão as instituições, pilares do regime democrático. Hoje, no Brasil, inconformados com a democracia representativa se organizam no governo para solapar o regime democrático.

É intolerável assistir ao uso de órgãos do Estado como extensão de um partido político, máquina de violação de sigilos e de agressão a direitos individuais.

É inaceitável que militantes partidários tenham convertido os órgãos da administração direta, empresas estatais e fundos de pensão em centros de produção de dossiês contra adversários políticos.

É lamentável que o presidente esconda no governo que vemos o governo que não vemos, no qual as relações de compadrio e da fisiologia, quando não escandalosamente familiares, arbitram os altos interesses do país, negando-se a qualquer controle.

É inconcebível que uma das mais importantes democracias do mundo seja assombrada por uma forma de autoritarismo hipócrita, que, na certeza da impunidade, já não se preocupa mais nem mesmo em valorizar a honestidade.

É constrangedor que o presidente da República não entenda que o seu cargo deve ser exercido em sua plenitude nas 24 horas do dia. Não há "depois do expediente" para um chefe de Estado. É constrangedor também que ele não tenha a compostura de separar o homem de Estado do homem de partido, pondo-se a aviltar seus adversários políticos com linguagem inaceitável, incompatível com o decoro do cargo, numa manifestação escancarada de abuso de poder político e de uso da máquina oficial em favor de uma candidatura. Ele não vê no "outro" um adversário que deve ser vencido segundo regras da democracia, mas um inimigo que tem de ser eliminado.

É aviltante que o governo estimule e financie ação de grupos que pedem abertamente restrições à liberdade de imprensa, propondo mecanismos autoritários de submissão de jornalistas e empresas de comunicação às determinações de um partido político e de seus interesses.

É repugnante que essa mesma máquina oficial de publicidade tenha sido mobilizada para reescrever a História, procurando desmerecer o trabalho de brasileiros e brasileiras que construíram as bases da estabilidade econômica e política, com o fim da inflação, a democratização do crédito, a expansão da telefonia e outras transformações que tantos benefícios trouxeram ao nosso povo.

É um insulto à República que o Poder Legislativo seja tratado como mera extensão do Executivo, explicitando o intento de encabrestar o Senado. É deplorável que o mesmo presidente lamente publicamente o fato de ter de se submeter às decisões do Poder Judiciário.

Cumpre-nos, pois, combater essa visão regressiva do processo político, que supõe que o poder conquistado nas urnas ou a popularidade de um líder lhe conferem licença para ignorar a Constituição e as leis. Propomos uma firme mobilização em favor de sua preservação, repudiando a ação daqueles que hoje usam de subterfúgios para solapá-las. É preciso brecar essa marcha para o autoritarismo.

Brasileiros erguem sua voz em defesa da Constituição, das instituições e da legalidade.

Não precisamos de soberanos com pretensões paternas, mas de democratas convictos."

Globo 23/09 - - 'Precisamos ficar atentos a isso'

Para plateia de militares, Gabeira critica "tentações" do governo petista


GABEIRA DIANTE do símbolo da Aeronáutica durante palestra para militares, ontem


Miguel Caballero

Um ex-combatente armado da ditadura aplaudido por uma plateia de militares, ao discursar sobre o risco de desestabilização democrática do país, liberdade de imprensa e a "sedução" do governo pelo totalitarismo. Perguntado pelo presidente do Clube da Aeronáutica, brigadeiro Carlos Batista, sobre possíveis semelhanças entre o atual cenário político e o do período pré-golpe em 1964, Fernando Gabeira ressalvou inicialmente um "amadurecimento político" do país e criticou o governo federal, que, na sua visão, tem a "tentação de suprimir a liberdade de imprensa e até as próprias leis". Para o candidato do PV ao governo do Rio, o Brasil, depois de flertar com a "democracia plebiscitária presente em países como Venezuela, Bolívia e Equador", caminha para um modelo similar ao argentino.

- Precisamos ficar atentos a isso. Lá, há uma tentativa de estrangular os jornais pelo caminho econômico e fiscal. Aqui, há a tentação de suprimir a propriedade privada, evidentes em iniciativas do MST; tentação de suprimir a liberdade de imprensa; e tentação de suprimir em certos momentos as próprias leis. A quantidade de comportamento equivocado e as multas da Justiça no processo eleitoral mostram isso. Mas considero que o Brasil tem um amadurecimento político que vai superar sem trauma essas ameaças. A reação de setores democráticos, como imprensa e OAB, mostra isso. Não vejo como comparar com 1964 - disse Gabeira, no Clube da Aeronáutica.

Gabeira defendeu a utilização das Forças Armadas no enfrentamento do tráfico no Rio. Não com ocupação de áreas da cidade, mas com a participação da inteligência militar no combate ao crime. Além de sugerir que o uso da inteligência militar dispensa entraves burocráticos inerentes ao deslocamento de tropas, ele deu uma sutil alfinetada nos militares:

- Falta inteligência na segurança. E as Forças Armadas têm grande know-how. O deslocamento de tropas para áreas da cidade tem questões de legislação... Serviço de inteligência, quando bem-feito, ninguém sabe quem fez. E já houve trabalho de inteligência do Exército no combate a civis - disse Gabeira em referência à ditadura, como confirmou depois.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Estadão 22/09 - - Autocombustão

Dora Kramer

O desfile triunfante do governador Pedro Paulo Dias pelas ruas de Macapá ao deixar a cadeia e o discurso do presidente Luiz Inácio da Silva acusando a imprensa de destilar "ódio e mentiras" enquanto os fatos mostram violação de sigilo fiscal, corrupção e nepotismo no governo são partes de um todo.
E qual é esse todo? É a transposição da verdade em mentira e vice-versa, da vergonha em orgulho, da acusação em defesa, da razão para comemorar em motivação para a fúria, do presidente da República em cabo eleitoral, da volta de Lula ao patamar de origem.

Deixa a Presidência menor do que quando chegou, dando margem a que se conclua que quem nasceu para sindicalista nunca chega a estadista.

E isso em nome de quê?

Pelo que se vê dos atos do presidente, pela desconstrução que faz do próprio símbolo do lutador, do vencedor, do democrata, do fundador do partido renovador, do exterminador de corruptos, o mais importante para ele é a disputa da hora.

Por isso não leva em conta o passado nem se preocupa com os efeitos futuros: interessa o aqui e o agora. E agora só o que importa é eleger Dilma Rousseff no primeiro turno.

Se o País retrocede institucionalmente, se o presidente perde prestígio e respeitabilidade, se a democracia é ferida, nada disso é visto. Só se enxerga a construção de uma vitória grandiosa.

Maior que as duas anteriores, pois Lula terá criado um ser eleitoral do nada e conseguido impor uma derrota avassaladora ao adversário que se preparou a vida toda para ser presidente.

A possibilidade de que as coisas não saiam exatamente como o sonhado e o empenho para que saiam a contento parecem para Lula valer o risco de pôr a perder a parte mais sólida de seu patrimônio: a imagem construída ao longo dos últimos 30 anos.

Quando demonstra desapreço pela democracia na política externa, o presidente sempre pode recorrer à desculpa de que não se imiscui na política dos países. Ainda que ditaduras.

Mas quando faz o mesmo no país que governa, mas cuja Constituição desrespeita no tocante à liberdade de imprensa e na obrigação de ser impessoal no cargo, não há disfarce possível e acaba por contrariar os próprios interesses.

Lula quer manipular a realidade jogando ao mesmo tempo para dois públicos: o informado, que exige punições; e o não-informado que acredita quando diz que a imprensa mente e o persegue.

Não aceita jogar na regra, parte pra cima, como no sindicalismo, mas o problema é que ao fazer isso acaba se revelando manipulador e truculento à vista de todos.

Não que Lula seja diferente do que sempre foi: ao contrário, está mais igual do que nunca. Quando na oposição nunca carregou com distinção as derrotas nem conviveu bem com as críticas.

De jornalista para político, conversas com ele que não fossem de concordância ou admiração eram conversas difíceis. Dos tempos do sindicato às candidaturas presidenciais.

Não obstante as evidências, Lula sempre foi muito festejado, principalmente na imprensa, jamais se apontou nele qualquer traço autoritário.

Mesmo o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que o conhece muito bem, em 2002 acreditou que teria a biografia enriquecida com o fato de o sucessor ser "um líder operário que chegou a presidente", sendo recebido pelo antecessor derrotado com todas as fidalguias de uma transição civilizada.

Fato é que independentemente da realidade, a imagem de Lula aqui e no exterior para a maioria sempre foi das melhores. E não falamos da maioria de triste destino que de tão carente não precisa de muito para adotar um salvador.

Lula sempre privou da maior respeitabilidade entre bem estudados, bem nascidos, bem alimentados e bem vestidos. Notadamente aqueles com acesso ou com assento nos meios de comunicação. Foi aí que se originou o mito.

E é por aí também que se desmistificam as imposturas.

Uma ou outra. Não dá para a Ordem dos Advogados do Brasil ao mesmo tempo defender a liberdade de imprensa e pedir a interdição de uma obra na Bienal. Questão de princípio.

Globo 22/09 - - Prenúncios

Merval Pereira



O presidente Lula anda pelo Brasil a falar mal dos meios de comunicação que, segundo ele, inventam coisas contra o seu governo para impedir que ele tenha sucesso. E o que é o sucesso que Lula procura tão ansiosamente que não lhe bastam a popularidade recorde e o prestígio internacional (um pouco abalado, é verdade, mas ainda grande)? A vitória de Dilma no primeiro turno.

Não é apenas para compensar as duas derrotas que sofreu no primeiro turno para Fernando Henrique Cardoso que ele quer ganhar também no primeiro turno.

O que ele teme é mais um mês de confronto direto, com tempos iguais de televisão e debates cara a cara entre sua candidata inventada e o adversário (a).

No último sábado, o presidente Lula fizera fortes ataques à imprensa em comício em Campinas, afirmando que derrotaria os adversários e alguns veículos de imprensa que se comportam como partidos políticos.

Ato contínuo, centrais sindicais, movimentos sociais e partidos políticos anunciaram para amanhã uma manifestação contra a baixaria nas eleições e contra o golpe midiático que têm como objetivo forçar a ida do candidato do PSDB [José Serra] ao segundo turno.

Seria risível se não fosse trágico. A eleição ter um segundo turno seria um golpe contra a vontade do povo, como se as urnas já estivessem fechadas.

Os lulistas querem parar o país do jeito que está e acordar no dia 3 de outubro à noite, quando o resultado oficial, com a vitória de Dilma Rousseff, será anunciado. Para eles, as pesquisas de opinião, especialmente quando realizadas pelo Vox Populi, substituem as urnas.

Qualquer coisa que aconteça até o dia da eleição que possa influir no seu resultado tem que ser congelado.

O próprio Lula diz para suas plateias para não acreditarem no que veem na televisão ou leem nos jornais, pois são invenções contra ele.

As demissões de ministros, de assessores diretos, as negociatas confirmadas, os subornos recebidos, tudo foi criação da imprensa.

Nesse caso até que o ministro da Comunicação Social, Franklin Martins, tinha razão ao tentar resistir à demissão da ministra Erenice Guerra.

Alegava que não deveriam dar munição à grande imprensa, que denunciava as falcatruas que ocorriam no Gabinete Civil.

Se é para fingir que não aconteceu nada, então o melhor seria mesmo manter a farsa desde o começo.

Mas o grave não é esse ataque de desaforos aos meios de comunicação, comandado pelo próprio presidente da República. O grave é o que ele prenuncia.

Pacotes de dinheiro são o fetiche da política nacional, já fazem parte do imaginário nacional. O mais recente deles, com R$ 200 mil, apareceu na gaveta de um funcionário do Gabinete Civil sem que ele nem mesmo soubesse o que fizera para merecer semelhante prêmio.

Era uma propina generalizada, em troca de um contrato para a compra de Tamiflu, a vacina contra a gripe suína.

Pequenos ou grandes, enfiados em envelopes ou simplesmente amarrados por aquele elástico ou banda de papel usados nos bancos, há anos os brasileiros se acostumaram a ver pacotes de dinheiro passando de mão em mão, ou amontoados em mesas de delegacias policiais.

E são pacotes suprapartidários, políticos das mais variadas legendas foram apanhados com a mão na massa. E também não têm características regionais.

Já vimos pela televisão prefeitos de pequenas cidades recebendo propinas em dinheiro vivo, assim como na capital da República.

Muitos pacotes foram vistos, como os diversos maços de dinheiro vivo que durante meses, nos mais diversos ângulos, surgiram passando de mão em mão em Brasília, na alegre administração de José Roberto Arruda do DEM.

Eram escondidos em bolsas, nas meias, em sacolas de supermercado ou de lojas finas num balé pornográfico, que desfilou aos olhos dos telespectadores do país inteiro, flagrado por uma câmera escondida como se tudo não passasse de uma pegadinha daquelas dos programas americanos de televisão tipo câmera indiscreta.

Infelizmente para a cidadania, era tudo verdade e não havia diretor para interromper a cena e informar que não passava de brincadeirinha.

Outros pacotes de dinheiro se tornaram realidade palpável através das fotos, como o do caso dos aloprados de 2006, quando elementos ligados à cúpula do PT e da campanha do então candidato ao governo de São Paulo, Aluizio Mercadante, foram presos tentando comprar com R$ 1,7 milhão em dinheiro vivo um dossiê contra Alckmin e Serra.

O dinheiro, que até hoje não tem explicação de origem, era virtual até às vésperas da eleição, com o governo pressionando para que a Polícia Federal não divulgasse as fotos.

Afinal, elas vazaram para a imprensa e o escândalo ganhou contornos verdadeiros.

E o que dizer dos R$ 3 mil embolsados pelo ex-chefe dos Correios, Maurício Marinho, em nome de um esquema de corrupção chefiado pelo deputado Roberto Jefferson, que desencadeou a crise do mensalão? Quem não se lembra daquele burocratazinho escorregando a mão para apanhar aquele bolo de dinheiro, colocando-o no bolso do terno sem ao menos contar, certo de que era suficiente? Outro pacote de dinheiro famoso foi o que foi parar nas cuecas de um dirigente do PT do Ceará, ainda por cima assessor de um deputado irmão do então presidente do PT, José Genoino, em 2005.

Foi preso com R$ 200 mil em uma bolsa e US$ 100 mil na cueca. No lugar do famoso batom na cueca, como ironicamente denomina-se uma prova irrefutável do malfeito, o PT inovou na corrupção do país com os dólares na cueca.

Mas o pior não são os pacotes de dinheiro. É o que eles prenunciam.

PT endossa ato de centrais contra mídia

MST e UNE também apoiam, enquanto oposição chama ataques de petistas e manifestação de fascistas e chavistas

Leila Suwwan

SÃO PAULO. O PT e a Central Única dos Trabalhadores (CUT) subiram ontem o tom das críticas contra a imprensa e afirmaram que o Ato contra o golpismo midiático, marcado para amanhã, é reação legítima ao que consideram ser favorecimento à campanha presidencial tucana. A oposição criticou o evento, que considera uma tentativa de intimidação da imprensa e venezuelização no país. O candidato José Serra (PSDB) afirmou que o PT tem atitude fascista.

Segundo o secretário de Comunicação do PT, André Vargas (PT-PR), o protesto responde ao anseio da militância. Ele reconheceu que há preocupação eleitoral de recentes escândalos atingirem a campanha petista, apesar de Dilma Rousseff liderar as pesquisas: Os editoriais são muito agressivos, parecem panfleto do Serra. Não podemos assistir passivamente. Nesta campanha, está demais. O tom é muito eleitoreiro e não damos conta. Temos que reagir, e só tem esse jeito.

Achamos que isso pode influenciar a eleição. Não podemos esperar isso acontecer.

Segundo ele, a verdade vai demorar a aparecer no escândalo de Erenice Guerra devido ao jogo de interesses e à participação de assediadores e chantagistas. O presidente da CUT, Artur Henrique, declarou apoio ao ato e disse que Serra está sendo favorecido.

Não aguentam ver o sucesso do governo Lula. Estão desesperados e usam órgãos de imprensa e algumas concessões públicas de forma parcial. Tentam causar desgaste à campanha de Dilma disse Artur Henrique, acrescentando que é preciso aguardar a apuração porque na democracia é assim.

O ato, endossado por quatro centrais sindicais, MST, UNE e partidos aliados, tem o objetivo de barrar a ofensiva antidemocrática da imprensa. O PT, na convocatória, diz que a imprensa tenta levar Serra ao segundo turno. O tucano atacou o PT: Vejo como coisa fascista.

Esse pessoal quer a liberdade de palavras para a turma deles, como todo o pessoal autoritário.

Tem toda a liberdade para dizer o que quiser quem for cupincha, mas quem for independente tem que ser perseguido disse Serra.

Seu coordenador de campanha, senador Sérgio Guerra (PSDB-PE), divulgou nota na qual afirma que o PT tem vocação autoritária e acusa o presidente Lula de tentar subverter o jogo democrático: (O PT, a campanha Dilma e os setores sindicais) não se espantam com a corrupção e com os malfeitos, queixam-se das notícias que revelam a corrupção. Querem uma imprensa e uma opinião pública subordinadas. Para o presidente do PPS, Roberto Freire, está em curso uma tentativa de intimidação da cidadania.

Aqui não é a Venezuela.

Não vão fazer aqui o que Chávez fez lá. A sociedade brasileira vai reagir disse Freire.

COLABOROU: Flávio Freire

Globo 22/09 - - Panorama Econômico :: Míriam Leitão

Peso da corrupção

Miriam Leitão

É evidente que houve um aumento da corrupção no governo. Houve um momento em que era comum dizer que o rigor da apuração dava a impressão de mais corrupção. Agora, é difícil esconder. O caso Erenice traz sinais inquietantes.

Um deles é a sem-cerimônia com que uma família no coração do governo se espalhou em lobbies, nepotismo, conflitos de interesse.

Cinco anos depois do mensalão, e já sabedores de que alguns dos suspeitos de 2005 hoje respondem a processo no Supremo Tribunal Federal, os integrantes do grupo em torno da ex-ministrachefe da Casa Civil faziam seus negócios. Mesmo que se desconsiderem todos os pontos ainda obscuros ou inconsistentes, ainda assim, o que resta é prova clara de que há uma sensação de impunidade no governo.

O ano de 2005 ficará como marco de uma fronteira, e ela não é boa. Naquele ano, após as longas noites que os cidadãos ficaram de vigília acompanhando as estarrecedoras confissões e depoimentos dos responsáveis pelo caso do mensalão, o país tinha dois caminhos: encobrir ou enfrentar. Escolheu o pior. O melhor seria ter debatido a construção dos mecanismos de proteção da sociedade brasileira contra a repetição dos mesmos eventos.

O que acabou prevalecendo foi o caminho das versões mutantes do presidente da República, que saiu do fui traído, para a versão mais conveniente que é a de dizer que é vítima da elite.

O Brasil está num momento importante da sua história.

Venceu vários obstáculos, fez reformas modernizantes, estabilizou a economia e começa a incluir os que estavam à margem do progresso. Isso foi feito por governos diferentes. Somos considerados no mundo um caso de sucesso, temos algumas vantagens em relação aos concorrentes, podemos atrair capital que financie o nosso desenvolvimento.

A corrupção, no entanto, é um entrave político e econômico.

Na política, por óbvio.

A qualidade das instituições está se deteriorando.

Depois do deprimente espetáculo de políticos da base recebendo dinheiro distribuído por um fornecedor do governo, do escatológico dinheiro na cueca, o país não melhorou. Novos escândalos surgiram. No Executivo e no Congresso. O caso do DEM de Brasília, por ter sido tão bem documentado, deixou nas retinas as imagens da corrupção em mãos, meias, paletós, sacolas e bolsas. O resto é um certo cansaço do cidadão, como se tudo isso fizesse parte da paisagem.

Outra forma de distorção é o uso abusivo da máquina pública para fins partidários.

A saída do governo, para fugir da acusação de crime político de espionagem de adversários, foi a de rebaixar uma instituição como a Receita a uma recorrente praticante de crime comum.

A compra de dossiê forjado para combater adversários foi banalizada, depois que nada aconteceu com pessoas do comitê de campanha do presidente da República em 2006, que foram apanhadas com a extravagante quantia de R$ 1,7 milhão em dinheiro vivo.

O rebaixamento dos padrões morais e a repetição produzem descrença no cidadão.

Parece um filme visto e revisto. As autoridades afirmam nada saber e invocam o princípio jurídico da dúvida em favor do réu.

Que ninguém duvide que esse princípio é fundamental.

Mas está na hora de alguém invocar um princípio que proteja a vítima da repetição incessante dos desvios do dinheiro coletivo.

Na economia, os reflexos não são menos corrosivos.

Aumentam custos, induzem à ineficiência. Como o grande mercado de qualquer economia é o de compras governamentais de mercadorias e serviços, e como é o setor público que distribui licenças de operação de serviços, todas as empresas se organizam na lógica da corrupção. Em vez de buscar a eficiência, se esforçar por uma tecnologia ou um processo de produção mais barato para ganhar a licitação, é muito mais lucrativo recrutar quem sabe entregar o envelope à pessoa certa. Os funcionários das empresas que sabem aumentar a eficiência, reduzir o custo ou promover o salto tecnológico do produto a ser vendido ao Estado têm menos importância do que os que conhecem corredores, gavetas, bolsos ou contas bancárias das pessoas certas.

Dessa forma, cria-se um ambiente de contágio mútuo, um círculo vicioso. Quanto mais a empresa corrompe, mais o Estado é corrompido.

Quanto mais o Estado é corrompido, mais qualquer negócio com ele só pode ser feito mediante o pagamento por fora. Quanto mais se paga propina, mais o serviço encarece e perde qualidade.

Quanto mais avança esse processo, mais se criam privilégios e cartórios.

Num país assim, os melhores investidores não entram.

O risco e o grau de incerteza crescem. O país passa a atrair investidores que sabem jogar o mesmo jogo e isso acaba contaminando também o capital externo que entra.

A corrupção tem de ser vencida, porque é um obstáculo ao progresso político, econômico e institucional.

Mas essa grave barreira ao nosso futuro é discutida aos espasmos, a cada novo escândalo. A solução não é pregar o moralismo que já nos levou a outros descaminhos.

A solução sempre será prestação de contas, transparência e punição.

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