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quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Estadão 12/08 - - A paz de Santa Marta

Pode ser um desses fatos dos quais se diz que são bons demais para ser verdadeiros. Mas enquanto o futuro não desmentir as auspiciosas intenções anunciadas (e subscritas) pelo novo presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, e por seu aparentemente remodelado interlocutor venezuelano Hugo Chávez, aceitem-se pelo valor de face os termos com que este último - envergando sua fantasia de bandeira nacional - resumiu os resultados do encontro entre eles: "Colocamos, diria Bolívar, a pedra fundamental de nossa nova relação."

De parte a parte, foi tudo preparado para isso, incluindo a escolha do cenário da reunião que duraria mais de 3 horas - Santa Marta, a localidade colombiana onde morreu Bolívar, venerado de ambos os lados da fronteira como o pai fundador dos dois países. Não era segredo para ninguém, ademais, que Santos, o sucessor, afilhado político e duas vezes ministro do imensamente popular Álvaro Uribe, pretendia dar fisionomia própria ao seu governo, começando por enfrentar o contencioso acumulado com a Venezuela.

Uribe, cuja popularidade vem do formidável êxito da sua política de linha-dura no combate à organização narcoterrorista Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), não há de ter exatamente facilitado as coisas para a distensão desejada por Santos. Em 22 de julho, duas semanas antes da transmissão do cargo, a Colômbia apresentou na Organização dos Estados Americanos (OEA) copiosa documentação sobre a presença, em território venezuelano, de 1.500 membros das Farc e pediu que a entidade investigasse a denúncia.

Chávez rejeitou a ideia, rompeu as relações com Bogotá e propagou a patranha de uma iminente invasão colombiana. Mas a exacerbação das tensões bilaterais teve, paradoxalmente, um efeito bumerangue. Santos, que se guardou de endossar as acusações de Uribe, indicou, pelo silêncio, que a crise, no que dependesse dele, teria vida breve. A sua posse deu ensejo a que os chanceleres dos dois países, na presença do secretário-geral da União das Nações Sul-Americanas (Unasul), o ex-presidente argentino Néstor Kirchner, se pusessem a limpar a quatro mãos a mala sangre recíproca.

O que surpreendeu foi a rapidez da reconciliação.

O mesmo Chávez que insistia em chamar as Farc de "força beligerante", ou seja, legitimando como ente político a organização responsável por algumas das piores atrocidades da história contemporânea colombiana, afirmou sem piscar que ela "não tem futuro pela via das armas" e a exortou a libertar todos os seus reféns. "Por que uma guerrilha mantém gente sequestrada?", fingiu indignar-se. O autocrata que levou o seu país à falência enquanto o vizinho prosperava tinha apanhado no ar o espírito da coisa: a oportunidade recebida de Santos para vestir um novo uniforme: o de pacificador.

Erram os que desdenham de Chávez como um bufão boquirroto. Na realidade, como a duras penas aprenderam os seus adversários, as suas ameaças (ou promessas) não são vãs; ele faz o que diz - e esperamos que desta vez não seja diferente. E o que disse em Santa Marta indica que largará as Farc à própria sorte. "O governo que eu dirijo", proclamou, "nem apoia, nem permite, nem permitirá presença de guerrilha, nem terrorismo, nem narcotráfico em território venezuelano." Santos fez questão de levá-lo ao pé da letra. "O presidente Chávez me reiterou que não vai permitir a presença de grupos armados em seu território", assinalou. "É um passo importante para que as relações se mantenham sobre bases firmes."

Significativa foi a criação de uma comissão bilateral de segurança para tratar das Farc. Dirigida pelos dois chanceleres, buscará formas de "prevenir a presença de grupos armados à margem da lei". É coerente com a declaração de princípios assinada por Santos e Chávez, segundo a qual as relações bilaterais seguirão estritamente o direito internacional, a não-ingerência em assuntos internos e o respeito à integridade territorial. A pacificação convém à economia da Colômbia, à afirmação da liderança de Santos e à reconstrução da imagem de um Chávez atolado nos seus próprios erros.

O problema, para Santos, é que Chávez continua afirmando que a denúncia de Uribe é falsa.

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