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quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Globo 25/08 - - Cristina investe contra jornais

Presidente argentina recorrerá a Congresso e Justiça para controlar distribuição de papel a diários


Monica Yanakiew

Apresidente da Argentina, Cristina Kirchner, lançou ontem sua mais dura ofensiva contra os meios de comunicação. Num discurso transmitido em cadeia nacional de televisão, acusou os dois principais jornais do país, o "La Nación" e o "Clarín", de terem aproveitado o clima de terror da última ditadura (1976-1983) para apropriar-se de forma irregular da empresa Papel Prensa - fabricante de papel para 170 jornais argentinos, abastecendo 75% do mercado. As provas que, segundo ela, vinculam os jornais ao regime militar fazem parte de um relatório de 233 páginas que o governo apresentará à Justiça e podem resultar na expropriação da companhia. Ao mesmo tempo, a presidente prometeu enviar um projeto de lei ao Congresso declarando "de interesse público" a produção e a distribuição de papel, que a seu ver não podem ficar nas mãos de um monopólio.

Para o ato, na Casa Rosada, foram convidados ministros, políticos, empresários, representantes de organizações de direitos humanos, jornalistas e diplomatas estrangeiros - entre eles o embaixador do Brasil, Enio Vieira. Adotando uma postura de advogada (profissão que exerceu antes de ser eleita senadora e presidente), Cristina Kirchner usou um editorial - publicado no domingo no "Clarín" - intitulado "Quem controla a Papel Prensa controla a palavra impressa". O editorial - assim como os comunicados publicados ontem na primeira página do "Clarín" e do "La Nación" - denunciava a manobra do governo que buscaria vincular a compra da empresa aos crimes cometidos durante a ditadura, com o objetivo de apropriar-se da Papel Prensa e controlar a imprensa independente.

- Concordo com o título. É verdade que quem controla a Papel Prensa controla a palavra impressa. E a única empresa que produz pasta de celulose para fabricar papel de jornal para distribuição e comercialização é justamente uma empresa sob monopólio - disse a presidente.

Em nota, veículos denunciam manobra

Cristina Kirchner acusou a empresa de atender apenas aos interesses dos maiores acionistas - "Clarín" (49%) e "La Nación" (22,49%) - e de vender o papel que sobrava aos jornais do interior a preços mais altos. Ou seja, na opinião dela, quem hoje controla a informação no país são os grandes grupos de comunicação de massa - especialmente o Grupo Clarín, crítico do governo e considerado inimigo número um da presidente.

O governo também questionou a compra da empresa, em 1976. Na época, a Papel Prensa pertencia ao banqueiro David Graiver, que morreu num acidente aéreo no México. Sua viúva, Lídia Papaleo, assim como seus parentes próximos - o irmão Isidoro Graiver e seus pais - foram ameaçados, presos e torturados.

- Li coisas assustadoras, que parecem parte de um thriller - disse Cristina Kirchner, ao relatar as atrocidades cometidas durante a ditadura, entre elas a tortura e as violações sofridas por Lídia Papaleo.

Antecipando-se ao discurso de Cristina Kirchner, o "La Nación" e o "Clarín" publicaram ontem um comunicado, na primeira página, denunciando aos leitores o que consideram ser uma manobra do governo para apoderar-se da empresa Papel Prensa e manipular a imprensa independente através de uma campanha de difamação. A empresa, lembraram, foi adquirida em 1976 - cinco meses antes da prisão de Lídia Papaleo - quando o Grupo Graiver estava enfrentando sérias dificuldades econômicas. Os jornais desmentiram sua participação na prisão da viúva e dos parentes de David Graiver. A família, alegam, foi perseguida porque os militares suspeitavam que David Graiver tinha ligações com o grupo guerrilheiro Montoneros.

- O comunicado dos jornais de hoje é o mesmo que os três jornais ("Clarín", "La Nación" e o extinto "La Razón") publicaram no dia 19 de maio de 1977, quando manifestaram ante a opinião pública que tinham comprado a Papel Prensa com a autorização dos comandantes da Junta Militar e com a autorização do ministro da Economia, Martínez de Hoz - disse ao GLOBO, Osvaldo Papaleo, irmão de Lídia Papaleo.

Segundo ele, os donos dos jornais podem não ter participado da prisão e da tortura da família Graiver, "mas certamente sabiam de tudo o que estava acontecendo". No comunicado, os jornais "Clarín" e "La Nación" negam qualquer ação para intimidar a família Graiver a vender a Papel Prensa.

"Nunca, em 27 anos de democracia, a Papel Prensa recebeu qualquer questionamento administrativo ou judicial pela sua origem", diz o texto.

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