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terça-feira, 25 de maio de 2010

Estadão 25/05 - - O fim da vista-grossa em relação a Israel

EUA precisam abandonar a política de dois pesos e duas medidas no Oriente[br]Médio se quiserem levar adiante a proposta de livrar o planeta de armas nucleares

SIMON TISDALL, THE GUARDIAN - O Estado de S.Paulo

Há muito tempo se considera que Israel possui armas nucleares. E o fato de os líderes israelenses rejeitarem debater essa questão não diminui a certeza que seus vizinhos árabes têm sobre isso, nem suas vigorosas objeções a respeito. Mas a ambiguidade oficial que sempre persistiu era útil, já que nenhum dos dois lados se via obrigado a confrontar o problema na sua integridade. Agora o véu foi levantado.

A prova de que Israel é um Estado nuclear (mais informações na página A13) significa o fim da vista-grossa, do fingir que nada ocorre. E é a confirmação de que Israel é a potência mais armada do Oriente Médio. E isso é um desafio para todos os países da região, incluindo o Irã, no sentido de se tratar, separadamente ou em conjunto, da ameaça inerente, agora inegável, de um desequilíbrio militar.

O Irã parece ter feito sua escolha. Acredita-se que o país está firmemente empenhado em manter-se em pé de igualdade com Israel, desenvolvendo sua capacidade nuclear e enriquecendo urânio em níveis inconsistentes com o uso puramente civil. Teerã deverá interpretar as últimas revelações como a prova da política de dois pesos e duas medidas por parte dos EUA e alguns países ocidentais - e a justificativa para afirmar seus "direitos nucleares". E pode ficar ainda mais difícil obter-se apoio internacional para aprovar novas sanções contra Teerã, por persistir com seu programa nuclear.

Muitos Estados árabes estão mais preocupados com o Irã do que com Israel. Numa espécie de reação em cadeia nuclear, Estados como o Catar já lançam seus programas nucleares para fins civis, com apoio e know-how americano. Outros, como Arábia Saudita, estariam examinando as opções. Suspeita-se que a Síria cooperou com a Coreia do Norte para esse país desenvolver seu programa nuclear, acusação rejeitada pelos governo de Damasco. Mas todos os países árabes enfrentam uma forte pressão dos EUA para evitarem uma perigosa e dispendiosa corrida armamentista nuclear no Oriente Médio - espectro há muito tempo retratado como o prelúdio para o Armagedon. Muitos - especialmente o maior desses países, o Egito - parecem ser sinceros ao renunciar voluntariamente a essas armas. O que esses países desejam são resultados concretos que decorram sobretudo dos esforços de Barack Obama para fazer da não-proliferação a maior prioridade global. Na visão deles, isso significa, em primeiro lugar e, principalmente, resolver a questão de Israel e, desse modo, em princípio, acalmar o problema iraniano.

No seu discurso em Praga, no ano passado, Obama levantou a perspectiva de um mundo livre de armas nucleares e posteriormente assinou um tratado com a Rússia para uma grande redução dos estoques de ogivas nucleares.

Na conferência para revisão do Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP), realizada este mês em Nova York, os EUA apoiaram, em teoria pelo menos, os esforços turcos e egípcios para a criação de uma zona livre de armas nucleares no Oriente Médio. Mas diplomatas alertaram que a conferência pode sofrer um colapso sob o peso de suas próprias contradições, a menos que ocorra um acordo concreto sobre o assunto, incluindo aí Israel.

A pressão sobre Israel por parte de Obama e sobre o presidente americano por parte dos países árabes para acabar com essa política de dois pesos e duas medidas deve aumentar. Não ajuda o fato de o relacionamento entre o presidente americano e o premiê israelense, Binyamin Netanyahu, estar hoje estremecido, por causa das construções de assentamentos nos territórios ocupados e do impasse no processo de paz.

Também não ajuda o fato de o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, e seus companheiros de regime continuarem a ameaçar a existência de Israel. Num ambiente hostil como esse, Israel não fará nenhuma concessão que possa afetar sua segurança. Essa questão está no cerne do problema desde que o Estado judeu foi criado. E o que não colabora também é a hipocrisia do Ocidente no caso da Índia e do Paquistão, dois países que têm armas nucleares, não assinaram o Tratado de Não-proliferação Nuclear e não mostram nenhum sinal de que o farão um dia. Ao mesmo tempo, às escondidas, a Coreia do Norte fabrica bombas atômicas e agora, mais uma vez, ameaça aniquilar a Coreia do Sul. A Coreia do Norte é o maior pesadelo de um mundo em que a não-proliferação é um fracasso. Os Estados Unidos parecem impotentes para lidar com o problema.

Intelectualmente falando, Obama compreende a envergadura da tarefa. Ao visitar a Academia Militar de West Point no fim de semana, ele falou da necessidade de os Estados Unidos edificarem novas e velhas alianças. Ao contrário do seu predecessor, ressaltou o valor do multilateralismo e do engajamento. Mas o contraste entre esses nobres sentimentos e sua resposta negativa ao acordo de troca do urânio enriquecido firmado pelo Irã - intermediado por Turquia e Brasil - é estridente. Duas potências emergentes amigas obtiveram o acordo que o Ocidente tinha proposto, mas não conseguiu concluir. A atitude condescendente de Obama colaborou muito pouco para melhorar suas credenciais de liderança.

A confirmação de que Israel possui um arsenal nuclear vai complicar ainda mais essas questões urgentes de diretrizes políticas e de política externa. A grande dúvida é o quanto Obama está disposto a pressionar Israel para esse país subir no carro da não-proliferação antes que as rodas se soltem. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

É COLUNISTA DE POLÍTICA EXTERNA

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