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terça-feira, 6 de julho de 2010

Globo 06/07/2010 - - O fantasma do calote de volta

Serasa detecta aumento da inadimplência nas classes C e D. Alta preocupa analistas

A APOSENTADA Sandra Oliveira pediu novo empréstimo para evitar atrasar o pagamento de um dos três financiamentos que mantém no momento. Ela já percebe a cobrança de taxas de juros mais elevadas

Wagner Gomes e Lucianne Carneiro

Em meio à euforia com a recuperação econômica e à fartura de crédito, acendeu a luz amarela entre especialistas. Após duas elevações seguidas da taxa básica de juros (Selic) e com a perspectiva de novas altas até o fim do ano, o que encarece os empréstimos, a taxa de inadimplência deve ter um repique em junho. A Serasa Experian vem detectando o avanço, puxado por consumidores das classes C e D, que receberam benefícios do governo para a compra de produtos da linha branca e veículos e, agora, não conseguiriam honrar seus compromissos.



- Podemos dizer que a curva de queda, que vinha ocorrendo desde outubro do ano passado, está no fim. A renda não deve crescer tanto no segundo semestre, gerando um descompasso que pode causar problemas para a inadimplência - afirmou o economista Luiz Rabi, gerente de indicadores de mercado da Serasa. - Normalmente, os consumidores mais pobres não estão acostumados a lidar com o crédito. Eles têm pouca habilidade para gerenciar dívida, praticamente não têm poupança e acabam inadimplentes.

O primeiro sinal de alerta apareceu em maio passado. Na maior alta desde outubro do ano passado, a inadimplência do consumidor deu um salto de 1,9% no mês, na comparação com maio de 2009. Em relação a abril, a variação chegou a 4,3%. Na próxima semana, a Serasa Experian vai divulgar a sua pesquisa referente a junho (e ao fechamento do primeiro semestre). Dificilmente a taxa repetirá os patamares críticos registrados no fim de 2008, quando estourou a atual crise global, mas os índices deixarão de ser tão baixos como foram até abril.

Para a Serasa, o maior problema a curto prazo estaria na administração das dívidas no cartões de crédito, que subiram 14% em abril e 26% em maio, na comparação com o mesmo mês do ano passado. Rabi diz que essa alta deve permanecer no segundo semestre. O valor médio dessas dívidas é hoje de R$392,49, contra R$373,12 um ano atrás. Crescimento mais forte foi registrado no valor médio dos cheques não compensados por falta de fundos, que pulou 42,7% desde maio de 2007 (de R$855,83 para R$1.221,03).

Desaceleração da economia contribuirá

A Tendências Consultoria também estima que a taxa de inadimplência de pessoas físicas chegue ao fim do ano em 7,2% e acelere ainda mais, para 7,6%, em 2011. Pelos dados do Banco Central (BC), o índice - que considera o percentual de empréstimos com atrasos acima de 90 dias frente ao total de crédito - foi de 6,8% em maio (último dado disponível), o mais baixo desde março de 2008 (6,85%). A taxa recua desde maio do ano passado, quando atingiu 8,5%.

- Deve ocorrer uma reversão da trajetória de queda na inadimplência a curto prazo. A alta de juros deve provocar piora nas condições de pagamentos, com aumento nas taxas finais e encurtamento dos prazos dos créditos - diz o economista da Tendências Alexandre Andrade, destacando que o impacto deve ser maior no próximo ano, por causa do período de defasagem entre a alta de juros e o impacto na economia.

Ruy Quintans, professor de Economia do Ibmec/RJ, concorda:


- A inadimplência deve parar de cair. Vivemos um momento de transição entre a euforia e a depressão no varejo e no custo do dinheiro.

Para o professor da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA/USP) Fabio Kanczuk, haverá alta da inadimplência, associada à esperada desaceleração da economia.

- O mais provável é que aumentem os atrasos nos pagamentos de dívidas. A subida dos juros e a atividade econômica em desaceleração contribuem para esse cenário - afirma Kanczuk.

Febraban não projeta elevação

Na opinião do professor da Universidade de Brasília (Unb) Jorge Pinho, a melhora do mercado de trabalho tem contribuído para o aumento do endividamento.

- Com notícias positivas, o trabalhador se sente mais seguro e tende a se endividar mais. Mas, com alta nos juros, a tendência é de maior inadimplência a médio prazo - diz Pinho, especialista em mercado de trabalho.

Para fugir das estatísticas de inadimplência, Sandra Conceição do Espírito Santo Oliveira, de 56 anos, buscava ontem um novo empréstimo em uma financeira no Centro do Rio. Com três empréstimos no momento, um deles vence na quinta-feira e ela não tem como pagar.

- Já tenho percebido os juros subindo lentamente e estou com medo do que vai acontecer, mas preciso de mais dinheiro para pagar outra dívida - afirma a aposentada.

Outros economistas também consideram o risco de aumento da inadimplência, embora ainda vejam espaço para um aumento da renda.

- É natural, entretanto, que alguma alta ocorra, mas não vejo nada fora de controle - diz o economista-chefe da consultoria MB Associados, Sérgio Vale.

Ele lembra que nos últimos cinco anos a massa real de renda total cresceu em média 6% ao ano no país, para um PIB pouco abaixo de 4% de média. Com crescimento de PIB médio de 5% nos próximos anos, a massa de renda teria como crescer até mais.

Em relatório recente, a agência internacional de classificação de risco Moody"s também chamou a atenção para o perigo das dívidas. Ao analisar as condições de crédito para o mercado bancário brasileiro, a agência afirmou que a situação é estável. Porém, o forte crescimento da economia e a expansão do crédito, especialmente para as classes C e D, podem levar a um aumento da inadimplência dos bancos nos próximos 12 a 18 meses. Até março, os balanços publicados apresentaram resultados positivos, com queda da inadimplência e das chamadas provisões para devedores duvidosos.

O economista-chefe da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), Rubens Sardenberg, porém, acredita que a inadimplência no setor só subirá em caso de estagnação econômica.

- Não é isso que vejo no nosso horizonte hoje. Ao contrário, existe até a preocupação se haveria um superaquecimento da economia.

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