Merval Pereira
Contradições
Os problemas de uma coligação que é fruto apenas do interesse do PT pelos cinco minutos de propaganda eleitoral gratuita a que o PMDB tem direito, por ter elegido a maior bancada da Câmara em 2006, começaram a aflorar logo no primeiro momento oficial da campanha sucessória, antecipando a instabilidade política de um governo sem definição ideológica homogênea que surgirá de uma eventual vitória da candidata oficial Dilma Rousseff.
A primeira versão do programa de governo que a candidata registrou no TSE contemplava apenas as diretrizes aprovadas pelo PT em fevereiro, quando ela ainda era ministra da Casa Civil, com boa parte das reivindicações das alas mais à esquerda da legenda.
O programa que meses depois o PMDB apresentou à candidata, com o objetivo declarado de neutralizar os radicalismos petistas, foi simplesmente ignorado.
Temas como tributação de grandes fortunas, defesa da jornada semanal de 40 horas imposta pelas centrais sindicais ao PT, o "controle social" dos meios de comunicação, e negociação entre as partes antes da reintegração de posse de propriedades invadidas - todas propostas da esquerda radical do PT em documentos como o da Conferência Nacional de Comunicação (Confecom) ou o Programa Nacional de Direitos Humanos - foram incluídos no programa oficial da candidatura petista, e o PMDB anunciou que não o aceitará nesses termos.
Numa manobra tão rápida quanto o receio de revelar seus verdadeiros propósitos e chocar a parte do eleitorado que ainda acredita que Dilma é tão flexível ideologicamente quanto Lula, o programa foi alterado horas depois, com a retirada de pontos polêmicos como o imposto sobre grandes fortunas.
A verdade, porém, é que mesmo que a candidata oficial Dilma Rousseff alegue que não compartilha essas propostas, elas fazem parte de uma espécie de código genético da ala mais radical do petismo, da qual ela já era figura proeminente antes mesmo de surgir do bolso do colete de Lula para ser impingida ao eleitorado como sua "laranja eleitoral".
Essas ideias estão consubstanciadas na chamada "Carta de Olinda", documento que basearia a candidatura de Lula em 2002 e que só foi abandonado devido à necessidade de vender o personagem "Lulinha Paz e Amor", criado naquela ocasião pelo marqueteiro Duda Mendonça.
Eleito, o governo Lula vem tentando implementar essas medidas desde o primeiro ano do primeiro mandato.
A defesa da "democratização" dos meios de informação, por exemplo, é uma ideia recorrente que vem sendo derrotada desde que primeiramente foi oferecida a debate, com a proposta de criação de um Conselho Nacional de Jornalismo, que fiscalizaria os jornalistas para evitar "desvios éticos".
Ela ressuscitou com a aprovação, na Conferência Nacional da Comunicação (Confecon), de um Observatório Nacional de Mídia e Direitos Humanos para monitorar a "mídia", com ênfase nas questões ligadas a racismo, diversidade sexual, deficientes, crianças, adolescentes, idosos, movimentos sociais, comunidades indígenas e quilombolas, e é similar à proposta contida no Programa Nacional de Direitos Humanos de punir os órgãos de comunicação que transgredirem normas a serem ditadas por um conselho governamental.
O programa petista original já incluía a crítica ao agronegócio, que também está implícita no programa oficial da candidatura Dilma.
O documento definia que, para resolver a questão da concentração de renda e riqueza, seria necessária a "democratização da propriedade", com "(...) uma ampla reforma agrária e apoio à agricultura familiar" e "o fim da violência e da impunidade do latifúndio".
Agora, o programa de Dilma Rousseff registrado no TSE citava o Programa Nacional de Direitos Humanos para defender a "realização de audiência pública prévia ao julgamento de liminar de reintegração de posse", um dos pontos mais contestados pela Confederação Nacional da Agricultura, pois, na prática, significa negar o direito de propriedade, dando aos invasores uma situação de legalidade que lhes permite negociar com o proprietário da terra invadida de igual para igual.
Diante dos protestos do PMDB, que tem uma grande bancada do agronegócio, essa ameaça foi retirada também do programa oficial, o que não significa que essa ala radical do partido não insistirá nela mais adiante.
As pesquisas de opinião estão mostrando um país dividido entre a candidatura governista e a oposicionista, com mais intensidade ainda do que o que ficou registrado no primeiro turno de 2006, quando Lula era candidato à reeleição.
Naquela ocasião, o candidato oposicionista Geraldo Alckmin recebeu uma votação acima da previsão de todos os institutos de pesquisa - teve 43% dos votos válidos -, enquanto Lula não conseguiu vencer no primeiro turno como esperava e as pesquisas apontavam, recebendo 48% dos votos.
Mas a divisão regional do país já estava registrada ali, com o Sul e o Sudeste e parte do Centro-Oeste agropecuário votando com a oposição, e o governo vencendo no Norte e Nordeste.
Hoje, as pesquisas mostram o mesmo cenário, apesar da aprovação recorde do presidente Lula.
Os grandes centros urbanos do Sul e do Sudeste, onde predomina uma classe média bem informada, e o agronegócio estão novamente na maioria com a oposição, equilibrando a influência do governo no Norte e Nordeste.
A campanha que ora se inicia servirá para definir a escolha do eleitorado, não apenas nos programas da propaganda gratuita pelo rádio e televisão, mas também pelos debates que estão programados pela TV aberta e entrevistas, sobretudo a da bancada do "Jornal Nacional".
Os candidatos terão que expor suas idéias e estarão expostos às suas contradições.
Esse é um blog de Clipping de Miguel do Rosário, cujo blog oficial é o Óleo do Diabo.
terça-feira, 6 de julho de 2010
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