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terça-feira, 24 de maio de 2011

Sobre o Trem-Bala

Trem-bala: debate contaminado por argumentos insustentáveis

Por José Augusto Valente – Diretor Técnico do TI
O artigo do ex-governador de SP, Alberto Goldman, na Folha de São Paulo (6/5/2011), sob o título “Trem bala: não há nada que o justifique”, traz argumentos que confundem a natureza de um empreendimento como o trem-bala com os serviços públicos do modal ferroviário. Os argumentos que pretendem fundamentar “a não justificação do empreendimento” são insustentáveis e tentaremos demonstrá-lo, a seguir.

O principal argumento do articulista é o seguinte “A rede de metrô de São Paulo é de 70 km. Custaria hoje, para ser construída, de R$ 21 a R$ 28 bilhões. Menos que o TAV, que não transportará 5% do que uma linha do metrô paulista transporta. Com os seus recursos, poderíamos construir mais de 100 km de metrô em todo o país, atendendo milhões de brasileiros. O TAV só se justificaria econômica, social e moralmente se as demandas por transporte público, metropolitano, regional e aéreo, e pelo transporte ferroviário de cargas estivessem equacionadas. Cumprida essa missão, aí, sim, colocar-se-ia a questão da construção de um trem de alta velocidade.”

Essa afirmação não se sustenta, e podemos demonstrar. Os trens urbanos e os metrôs - que são primos de primeiro grau - caracterizam-se como transporte de massa, movimentando dezenas de milhares de passageiros/hora. Tanto o metrô quanto o trem urbano ou metropolitano exigem vultosos recursos de investimento que não podem impactar nas tarifas, exatamente por se tratar de transporte de massa. Desse modo, em todo o mundo, os investimentos de implantação e de aumento de capacidade do transporte de massa é financiado por recursos públicos, podendo ter operação privada (Rio de Janeiro) ou pública (São Paulo).

No metrô, nos trens urbanos e nos metropolitanos, a operação – que pode ser feita pela iniciativa privada – é retornada, parcial ou totalmente, pela tarifa e esta tem que ser módica para garantir que grande parte ou a totalidade da população possa utilizar esses sistemas. Independentemente do modelo de gestão adotado, é sempre subsidiado.

Um dos principais argumentos contra o projeto do trem-bala Rio-SP-Campinas, em processo de licitação, diz respeito à decisão de aplicação dos 30 ou 50 bilhões de reais nesse empreendimento. O articulista alega que a melhor decisão seria a de destinar esses recursos na ampliação da capacidade de metrôs e trens urbanos. Não há dúvida de que essa destinação é necessária e inadiável. O PAC 1 e 2 tentam acelerar a resolução desse problema.

Entretanto, o que inviabiliza essa decisão é a impossibilidade de poder escolher“não fazer o trem-bala para fazer metrôs e trens”.

Como mencionado acima, trens urbanos e metrôs são transporte de massa. O aumento de capacidade, com expansão de linhas, é altamente oneroso. Suas tarifas, por outro lado, têm que ser, obrigatoriamente, módicas, o que significa que têm que ser subsidiadas. Essas duas condições, que ocorrem simultaneamente, inviabilizam que a iniciativa privada participe integralmente nesse processo, exceto na operação.

Assim, para a expansão das linhas e aumento da capacidade do transporte por metrô e trens é o governo estadual o destinatário dos recursos do BNDES ou de qualquer outra agência de fomento. Atualmente, para liberação desses financiamentos, é necessário que o governo tenha capacidade de endividamento, o que está se tornando cada vez mais difícil.

Para se ter idéia do que estou dizendo, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) aprovou, em abril de 2010, financiamento de R$ 766 milhões à Companhia do Metropolitano de São Paulo para a expansão da rede metroviária da cidade de São Paulo. Nota do BNDES, na ocasião, dizia: “Trata-se de um dos maiores financiamentos aprovados pelo banco para o setor de transporte público urbano”. O financiamento do BNDES correspondia a 13% do investimento total do projeto, de R$ 6 bilhões.

Outros recursos para o projeto viriam, segundo a nota, do Banco Mundial (BIRD) e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), além de contrapartida do Estado de São Paulo.
É óbvio que esses recursos nem de longe serão retornados via pagamento das tarifas pelos usuários. Trata-se de “dinheiro afundado”, a ser bancado pelos contribuintes em geral e não, apenas, pelos usuários do sistema.

No caso do trem-bala, em processo de licitação, ao contrário, será uma empresa que receberá os recursos do BNDES. Com estes recursos, a empresa viabilizará o seu fluxo de caixa - pagamento do financiamento, demais despesas e lucro -, juntamente com as receitas do empreendimento, ao longo do período de concessão. O usuário do trem-bala, em última análise, é quem financiará esse empreendimento e não todos os contribuintes. Como trata-se de um serviço de transporte como o avião, a tarifa não tem que ser módica e sim aquela que permita o retorno do investimento realizado, a uma TIR atrativa para o empreendedor.
Assim, pode-se discutir fazer ou não fazer o trem-bala ou, ainda, se é para fazer, qual o melhor conceito a utilizar. Entretanto, não se pode discutir não fazer o trem-bala para fazer metrôs.

Há um outro erro recorrente nas avaliações que é o de analisar o trem de alta velocidade considerando apenas os benefícios econômicos do empreendimento. Grande parte dos grandes investimentos de serviços públicos não suportam essa lógica. Há um conjunto de benefícios intangíveis, que nunca são mencionados, tais como:

i) Redução da quantidade de viagens de avião, de ônibus e de automóveis – cujos passageiros e condutores seriam desviados para o trem – , com a conseqüente redução da emissão de poluentes decorrentes da queima de combustíveis fósseis dessas modalidades de transporte;
ii) Redução da poluição sonora para a população que mora na área de abrangência de pousos e decolagens em aeroportos como o Santos Dumont e Congonhas;
iii) Oferta de maior conforto e segurança aos passageiros que se disponham a pagar a tarifa do trem;
iv) Redução do tempo total de deslocamento entre a origem e destino do passageiro;
v) Redução das necessidades de investimentos pesados, na ampliação da capacidade aeroportuária e rodoviária;
vi) Implantação, consolidação e crescimento da indústria de trens de alta e altíssima velocidade, no país, propiciando ao país se tornar um dos principais “players” mundiais, como ocorre hoje com a Embraer

Atualmente, a industria ferroviária dispõe de trens de alta velocidade (imagem acima) - que atingem até 250 km/h - e de altíssima velocidade (trem-bala) - que atingem velocidades máximas entre 300 e 500 km/h.
Este fato enseja, portanto, um debate coerente que pode ser feito, mas que ainda não está ocorrendo. Trata-se de escolher entre o conceito de trem de alta velocidade (até 250 km/h) e o de altíssima velocidade (entre 300 e 500 km/h).

Essa escolha exige estudos de viabilidade técnico-econômica que considerem o quanto o trem de alta velocidade pode atrair de passageiros. De forma intuitiva, é possível visualizar que um trem pendular, com velocidade máxima de 250 km/h, pode fazer o percurso Rio-São Paulo em, no máximo, duas horas e meia, com algumas paradas em cidades estratégicas como Barra Mansa e São José dos Campos, que contribuirão com o aumento da demanda.

O estudo mostrará se essa velocidade é ou não atrativa para os usuários de avião. Sabe-se que, embora o tempo de vôo entre as duas cidades seja de uma hora, gasta-se um bom tempo de deslocamento até e desde o aeroporto, mais o tempo necessário para check-in e taxiamento do aviao, entre outros tempos e movimentos a considerar.

Uma outra vantagem para o trem de alta velocidade é que ele é pontual, já que chuvas, neblina, nuvens e outras intempéries – que provocam atrasos nos vôos – não afetam os horários de partida e de deslocamento dos trens.

Agregue-se a isso o fato de que os custos de implantação e operação do trem de alta velocidade (até 250 km/h) são bem menores do que os do trem-bala. O que significa que, para uma mesma demanda de passageiros, ou um pouco inferior, a tarifa será, também, bem menor do que a do trem-bala, contribuindo para aumentar a atratividade do sistema.

Como penso ter demonstrado, se eliminarmos os argumentos insustentáveis desse debate chegaremos à conclusão de que o trem de alta ou de altíssima velocidade é uma necessidade, já que é pontual, seguro, confortável, agradável, ambientalmente correto e pode ter um preço atraente para o usuário, cabendo, apenas, a discussão do conceito e da tecnologia a ser adotada.

A favor dessa alternativa, conta o fato de que pode ser totalmente, ou em grande parte, financiado pelo usuário através das tarifas. Muitas capitais e cidades de grande porte poderão ser interligadas, garantindo um patamar superior de transporte de passageiros, na média e longa distância, criando uma rede com alta demanda.

Dispensar essa opção é abrir mão de desenvolver um modal de transporte de passageiros que – queiramos ou não – representa um dos elementos de sustentabilidade para o futuro do país e da América do Sul, com o Brasil país jogando um papel estratégico no desenvolvimento econômico e social da região.

José Augusto Valente – Diretor Técnico do TI

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